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II SÉRIE-A — NÚMERO 72

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Em Israel19 é crime a distribuição de imagens ou gravações de vídeo que se concentrem na sexualidade de

outra pessoa, sem o seu consentimento e com o objetivo de humilhar ou envergonhar essa pessoa. No ano de

2014, Israel elevou este tipo de crime à categoria de abuso sexual.

Em Portugal, esta prática não se encontra prevista num crime autónomo, introduzindo-se em outros ilícitos

que apresentam conexão com este fenómeno, como o crime de violência doméstica (artigo 152.º do Código

Penal), o quadro de crimes contra a intimidade da vida privada (artigos 190.º e seguintes do Código Penal) e o

crime de gravações e fotografias ilícitas (artigo 199.º do Código Penal).

Até 2018 não existia em Portugal incriminação específica para o fenómeno da denominada Revenge Porn

ou nonconsensual pornography, pelo que os Tribunais aplicavam a estes casos o disposto no artigo 199.º do

Código Penal, o que era redutor porque justificava a necessidade de tutela apenas com base no direito à imagem

da pessoa.

Com o intuito de prevenir este fenómeno, a Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto, que reforça a proteção jurídico-

penal da intimidade da vida privada na Internet, veio prever uma agravação da pena aplicável sempre que esteja

em causa a divulgação de dados, vídeos ou filmagens pelo agente, através da internet ou meio equivalente,

sem consentimento do lesado, estabelecendo assim a incriminação do denominado netshaming.

Em consequência, se a devassa da vida íntima na Internet ocorrer em contexto de violência doméstica a

pena será de 2 a 5 anos de prisão. Se estiver em causa a prática de crime contra a reserva da vida privada,

previsto nos artigos 190.º a 195.º do Código Penal, ou o crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto no

artigo 199.º do Código Penal, existe um agravamento da pena sendo elevadas de um terço nos seus limites

mínimo e máximo se o facto for praticado através de meio de comunicação social, ou da difusão através da

Internet, ou de outros meios de difusão pública generalizada.

Como bem refere Mariana Gomes Machado, com a incriminação do netshaming, o legislador afastou a

génese axiológica da norma incriminadora do direito à imagem e recentrou a tutela na proteção dos direitos

fundamentais na Internet.20

Contudo, estas alterações não contribuíram para a diminuição da prática deste crime que inclusive, como

vimos, aumentou no contexto atual de confinamento.

Ora, com a alteração promovida pela Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto, o legislador reforça a proteção das

vítimas de devassa da vida privada em contexto de violência doméstica, nos casos em que o agente difunde

através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente

imagem ou som, relativos à intimidade, mas deixa praticamente desprotegidas as vítimas quando esta violação

não ocorra naquele contexto.

Não podemos esquecer que nem sempre o perpetrador atua motivado por sentimentos de retaliação e

vingança, nem tão pouco este tem necessariamente que ser um ex-marido ou ex-namorado da vítima, podendo

ser um completo estranho.21 Basta pensar nas situações em que tal divulgação é feita por hacker ou agressor

sexual, com ou sem intenção de obtenção de lucro, ou por terceiros que não tendo uma relação de intimidade

com a vítima, mas sabendo que esta não deu o seu consentimento para tal divulgação, partilham as fotografias

ou vídeos em plataformas ou redes sociais. Temos, também, os casos denominados de upskirting que diz

respeito às situações em que alguém fotografa ou filma a roupa interior de mulheres sem o seu consentimento.22

Como é evidente, apesar de não existir uma relação de proximidade entre o agressor e a vítima, estas situações

são igualmente merecedoras de tutela penal e a vítima deve ter igual proteção.

Por esse motivo, subscrevemos integralmente a posição de Mariana Gomes Machado23 que defende que o

avanço alcançado com a aprovação da Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto, foi tímido, uma vez que, tendo por

referência o Direito Comparado, é duvidoso que se consiga efetivamente garantir a proteção das vítimas

somente através do aditamento de um novo número ao crime de violência doméstica. Em alternativa, o legislador

19 Cfr. Prevention of Sexual Harassment Law 5758-1998 (mfa.gov.il) 20 Cfr. MACHADO, Mariana Gomes, «Netshaming – A proteção jurídico-penal da intimidade da vida privada na Internet (Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto). A vida na sociedade em rede: da ‘renúncia’ acrítica aos direitos fundamentais à privacidade e à identidade informacional até ao reconhecimento do direito ao esquecimento e à reivindicação da consagração de tutela penal perante comportamentos patológicos praticados na Internet.» 21 Idem 22 Recentemente, o upskirting tornou-se crime em Inglaterra. 23 Cfr. MACHADO, Mariana Gomes, «Netshaming – A proteção jurídico-penal da intimidade da vida privada na Internet (Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto). A vida na sociedade em rede: da ‘renúncia’ acrítica aos direitos fundamentais à privacidade e à identidade informacional até ao reconhecimento do direito ao esquecimento e à reivindicação da consagração de tutela penal perante comportamentos patológicos praticados na Internet.»