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II SÉRIE-A — NÚMERO 10

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que fosse utilizada de forma abusiva pelas entidades patronais. Decorre da argumentação do Governo que

a consequência a tirar dessa proposta é que a lei não tem de ser apenas suspensa, mas alterada. No entanto,

as sucessivas iniciativas legislativas apresentadas pelo Bloco de Esquerda sobre o tema foram rejeitadas

pelo Governo com o apoio da direita.

Importa clarificar que este abuso não é apenas resultado de uma prática errada: é autorizado pela lei.

Com efeito, a Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho de 2009, já tinha

consubstanciado um retrocesso nos direitos laborais. As alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012, de 25

de junho, agudizaram violentamente esse processo. Um dos principais alvos deste ataque a direitos

fundamentais, consagrados na Constituição da República Portuguesa, foi justamente o direito à contratação

coletiva, plasmado no artigo 56.º. É de salientar que o Acórdão n.º 602/2013 do Tribunal Constitucional veio

declarar a inconstitucionalidade de várias normas da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, por as considerar

violadoras daquele direito fundamental.

O decaimento do princípio da vigência da convenção até à sua substituição, bem como do princípio da

não ingerência do Estado e do poder político na autonomia coletiva e da contratação laboral assumiu uma

especial expressão com o regime transitório de sobrevigência e caducidade de convenção coletiva,

contemplado no artigo 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. O n.º 2 do artigo 10.º fez operar, à data da

sua entrada em vigor, ainda que de forma condicionada, isto é, verificados determinados factos, a caducidade

de convenções coletivas.

O memorando da troika e o acordo da Comissão Permanente de Concertação Social, que mereceu forte

oposição da CGTP, vieram acentuar a desigualdade própria das relações laborais, esvaziar o poder negocial

dos sindicatos e congelar a publicação de portarias de extensão, contribuindo para a individualização das

relações laborais. Posteriormente ao memorando, e sempre no mesmo sentido, foi apresentado um conjunto

de iniciativas legislativas: A Resolução Conselho de Ministros n.º 90/2012, de 31 de outubro; e a Resolução

Conselho de Ministros n.º 43/2014, de 27 de junho, e a Lei n.º 55/2014, de 25 de agosto. Aquelas duas

resoluções, cujas consequências foram graves e cuja constitucionalidade era duvidosa, foram, entretanto,

revogadas no verão de 2017.

Por seu turno, a Lei n.º 55/2014, de 25 de agosto, veio estabelecer duas outras regras. Primeiro,

estabeleceu a caducidade, decorridos três anos (onde anteriormente eram cinco), da cláusula de convenção

que faça depender a cessação de vigência desta pela substituição por outro IRCT. No caso de denúncia,

estabeleceu a manutenção da convenção em regime de sobrevigência durante o período de negociação,

num mínimo de 12 meses. A interrupção da negociação por um período superior a 30 dias implica a

suspensão do prazo de sobrevigência. O período de negociação, com suspensão, não pode exceder os 18

meses. Segundo, determinou que a convenção coletiva, ou parte desta, pode ser suspensa temporariamente,

por acordo escrito entre as associações de empregadores e sindicais, na observância das seguintes

situações: crise empresarial por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras

ocorrências com impacto na atividade normal da empresa.

O resultado da conjugação destes instrumentos foi minar uma das traves mestras das relações de

trabalho: a confiança entre as partes. Consequentemente, assistiu-se à diminuição das atualizações das

convenções, à degradação do sistema de relações de trabalho e ao ataque direto aos sindicatos, a quem a

Constituição atribui o exclusivo direito de contratação coletiva.

As alterações sucessivas ao Código do Trabalho nos últimos anos colocaram em causa a dimensão

individual e coletiva dos direitos dos trabalhadores, configurando alterações paradigmáticas de sentido muito

negativo ao regime laboral em Portugal. Com efeito, reconduzir os direitos coletivos para a esfera individual,

ficcionando, de uma forma artificial e falaciosa, a paridade entre trabalhadores e empregadores opera uma

transfiguração que fragiliza ainda mais a posição do trabalhador que ocupa o lugar de parte mais débil no

seio da relação laboral.

O legislador português colocou, de facto, em crise o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador,

que se assume como um princípio essencial com vista a assegurar um maior equilíbrio no quadro das

relações laborais.

O princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, enquanto forma de determinar a norma

concretamente aplicável, permite a escolha, de entre várias normas aptas a regular uma relação laboral,

daquela que fixe condições mais favoráveis ao trabalhador, ainda que se trate de uma norma de hierarquia