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28 DE JUNHO DE 2022

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Assembleia da República defenda junto do Governo, ainda que no atual contexto de emergência climática

assuma uma importância crucial, a verdade é que não é uma discussão nova.

Em 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre o ambiente humano, conhecida como Conferência de

Estocolmo, abordou, pela primeira vez, o tema do crime internacional de ecocídio. Olof Palme, Primeiro-Ministro

Sueco, alertou para o uso massivo de produtos químicos e de bulldozers na Guerra do Vietname e instou os

Estados a que urgentemente debatessem, de forma aprofundada, este tema. Nesta ocasião, Indira Gandhi,

representante da Índia, defendeu que a destruição de ecossistemas deveria ser considerada um crime contra a

humanidade.

Nos anos 80, a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas chegou a incluir o crime ambiental no

projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade, que mais tarde se tornaria o Estatuto

de Roma do Tribunal Penal Internacional, tendo inclusivamente existido algumas versões posteriores que foram

ao ponto de afirmar que o crime de ecocídio poderia ser estabelecido independentemente da intenção do

agressor de causar danos ambientais. Contudo, apesar do apoio de muitos países, o crime internacional de

ecocídio acabou por não ficar expressamente consagrado no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional,

que apenas prevê a punição no âmbito dos crimes de guerra para os casos em que é lançado intencionalmente

um ataque, sabendo que o mesmo causará danos prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente

que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa.

Nos últimos anos várias têm sido as vozes favoráveis à consagração do crime de ecocídio no âmbito do

Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Em 2010, Polly Higgins apresentou uma proposta de

alteração ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, que assegurava a consagração do crime de

ecocídio no âmbito do elenco de crimes referidos no artigo 5.º, definindo-o como a «degradação parcial ou total

dos ecossistemas, por parte do homem ou de outras causas, que diminui significativamente o aproveitamento

do território pelos habitantes». Em 2019, o Papa Francisco manifestou, no âmbito do 20.º Congresso da «The

International Association of Penal Law», afirmou o seu apoio público à consagração do crime de ecocídio na

lista de crimes internacionais contra a paz constantes do referido artigo 5.º do Estatuto de Roma do Tribunal

Penal Internacional, afirmando que «um sentido elementar de justiça implicaria que alguns comportamentos,

dos quais as empresas são geralmente responsáveis, não fiquem impunes» e apelou «a todos os líderes e

representantes do sector que contribuam para garantir a proteção adequada da nossa casa comum».

Mais recentemente, em dezembro de 2019, na décima oitava sessão da Assembleia dos Estados Partes do

Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, os Estados de Vanuatu e das Maldivas solicitaram à

comunidade internacional que ponderassem de forma séria o acréscimo do crime de ecocídio ao elenco de

crimes internacionais previstos no estatuto.

Na passada legislatura, Portugal deu um passo importante na proteção do ambiente, ao consagra a Lei de

Bases do Clima, Lei n.º 98/2021 de 31 de dezembro, que, entre outros aspetos, reconheceu a situação de

emergência climática em que vivemos.

Portugal, que ao nível dos países europeus vai ser um dos países mais afetados pelas alterações climáticas,

nomeadamente com a subida do nível médio das águas, deve ter um papel na consagração do crime

internacional de ecocídio, e a Assembleia da República pode marcar uma posição nesse processo. Por outro

lado, a defesa desta consagração, constitui um dever de justiça intergeracional, pugnando assim pela defesa

dos direitos das futuras gerações, quer ao bem-estar e qualidade de vida, quer a um clima estável.

Com efeito, e bem sabendo o longo caminho que local e globalmente há a fazer para garantir a reparação e

preservação de ecossistemas, mitigação e adaptação às alterações climáticas, tal consagração garantirá, ainda,

um dever de diligência no sentido de que a comunidade internacional, os Estados, o poder político e as empresas

deverão impedir o risco ou a danificação extensiva, destruição ou perda de ecossistemas e velar pela sua

proteção.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, apresenta o presente projeto de resolução, para que a Assembleia da

República recomende ao Governo que adote os procedimentos atinentes a assegurar a consagração do crime

de ecocídio na lista de crimes previstos no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, intercedendo junto

da Organização das Nações Unidas neste sentido.