Página 1
Terça-feira, 9 de maio de 2023 II Série-A — Número 220
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Resoluções: (a) — Recomenda ao Governo que crie e invista em medidas alternativas à detenção de imigrantes no âmbito da aplicação da Lei de Estrangeiros. — Recomenda ao Governo a elaboração de uma Estratégia Nacional de Combate à Endometriose e Adenomiose. — Recomenda ao Governo que incentive a criação de uma rede de instituições particulares de solidariedade social antipobreza energética. — Recomenda ao Governo que aprove e implemente uma Estratégia Nacional de Educação Ambiental 2030. — Recomenda ao Governo a implementação de um mercado de carbono voluntário em Portugal. — Recomenda ao Governo que promova as diligências necessárias à melhoria do acesso aos cuidados de saúde na Unidade de Saúde Familiar Caminhos do Cértoma, no concelho da Mealhada. — Adoção pela Assembleia da República das iniciativas europeias consideradas prioritárias para efeito de escrutínio, no âmbito do Programa de Trabalho da Comissão Europeia para 2023. Projeto de Lei n.º 763/XV/1.ª (PAN): Lei de Bases Gerais da Caça.
Propostas de Lei (n.os 78 a 81/XV/1.ª): N.º 78/XV/1.ª (ALRAA) — Altera a Lei n.º 44/86, de 30 de setembro – Regime do estado de sítio e do estado de emergência. N.º 79/XV/1.ª (ALRAA) — Altera a lei da organização do sistema judiciário – reinstalação dos Tribunais da Relação dos Açores e da Madeira. N.º 80/XV/1.ª (ALRAA) — Altera a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu. N.º 81/XV/1.ª (ALRAA) — Altera a lei que regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Projetos de Resolução (n.os 680 a 687/XV/1.ª): N.º 680/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo a demissão do Ministro das Infraestruturas, João Galamba. N.º 681/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a elaboração de um plano de restauro ecológico. N.º 682/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a inclusão do sistema híbrido de perfusão subcutânea contínua de insulina no regime de comparticipação dos dispositivos médicos. N.º 683/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a implementação da lei dos serviços digitais e a promoção de
Página 2
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
2
ações de sensibilização e formação para o combate ao discurso de ódio online e ciberbullying. N.º 684/XV/1.ª (PAN) — Cria um grupo de trabalho sobre o transporte de animais vivos para países terceiros. N.º 685/XV/1.ª (IL) — Recomenda ao Governo que reverta a decisão de manter as provas de aferição digitais para os alunos do segundo ano de escolaridade.
N.º 686/XV/1.ª (IL) — Recomenda ao Governo que crie estratégias para debelar as situações de assédio moral e sexual no ensino superior. N.º 687/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que crie o Dia Nacional da Visibilidade Trans. (a) Publicadas em Suplemento.
Página 3
9 DE MAIO DE 2023
3
PROJETO DE LEI N.º 763/XV/1.ª
LEI DE BASES GERAIS DA CAÇA
Exposição de motivos
Volvidas cerca de duas décadas desde a publicação da Lei n.º 173/99, de 21 de setembro, que instituiu a Lei
de Bases Gerais da Caça, e do respetivo regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto,
ainda que com sucessivas alterações que, no essencial, mantiveram a disciplina jurídica originária, impõe-se,
no momento atual, uma expressiva reforma do regime jurídico da caça, de forma a, pelo menos, procurar
conciliar a gestão e o exercício dessa atividade, que é socialmente fraturante, com os imperativos, socialmente
consensuais, da conservação da natureza, da proteção do ambiente e da biodiversidade e do respeito pelos
animais.
Casos recentes amplamente divulgados como o evento que levou à morte de mais de 500 animais indefesos
e confinados na Quinta da Torre Bela, no concelho de Azambuja, em dezembro de 2020, ou as cruentas e
sistemáticas montarias durante as quais um número ilimitado de cães atacam à dentada javalis e outros animais,
têm vindo a suscitar generalizada contestação e forte alarme social em torno do fenómeno da caça.
Estão em causa cenários reais de horror, impróprios de uma sociedade que se diz e se pretende evoluída, a
par de anacronismos legais gritantes, desfasados dos atuais valores de respeito pela natureza e pelos animais.
A título de exemplo, cite-se a possibilidade de, em pleno século XXI, continuar a ser possível em Portugal
matar animais à paulada, com lanças, com bestas ou com arcos, ou, ainda, a viabilidade de confrontar
mortalmente animais através da utilização de cães, de furões ou de aves de rapina como instrumentos de caça.
Ou seja, admite-se a utilização de meios que inquestionavelmente são causadores de elevado e injustificado
sofrimento aos animais, posto que há meios alternativos menos pungentes como seja a utilização de armas de
fogo.
Por outro lado, a lei vigente permite que animais de espécies consideradas cinegéticas sejam criados, detidos
e reproduzidos em cativeiro para serem abatidos em treinos e no exercício da caça desportiva para fins lúdicos.
Tal realidade não é hoje eticamente aceitável, condenando anualmente largos milhares de animais a uma
breve vida de confinamento para, no único momento de liberdade que lhes é concedido, servirem de mero alvo
em exercícios de pontaria, que obviamente podem e devem ser realizados com recurso a objetos inanimados.
Ora, só na época venatória de 2018/2019 foram abatidos nas zonas de caça, entre outras espécies de
animais, 744 106 tordos, 147 687 pombos, 127 889 perdizes-vermelhas e 115 929 coelhos-bravos, num total de
1 329 149 animais, muitos dos quais criados em cativeiro para esse fim.
Por força da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, os animais gozam atualmente, entre nós, de um estatuto legal
que lhes reconhece dignidade enquanto seres vivos sensíveis e merecedores de proteção em virtude dessa sua
natureza, estando inclusive vedado ao proprietário de quaisquer animais causar-lhes dor, sofrimento ou
quaisquer outros maus-tratos injustificados, abandono ou morte.
Impõe-se, outrossim por tal proveniência, adequar o regime jurídico da caça aos princípios e normas legais
entretanto aprovados e vigentes nessa matéria, na perspetiva da coerência sistémica.
Como é sobejamente conhecido e tem vindo a ser crescentemente denunciado pela sociedade civil, em geral,
e pelas organizações ambientalistas, em particular, a realidade da caça, respaldada por um regime jurídico
conivente, consiste hoje na mera exploração dos ecossistemas, alimentada por autênticas fábricas de produção
de animais, desnaturados pelo confinamento e destinados a alvo fácil de caça para gáudio de um número cada
vez mais reduzido de praticantes.
Segundo dados divulgados pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) referentes a maio
de 2020, a maioria dos caçadores, distribuídos por classes etárias, tem entre 61 e 70 anos de idade e os
caçadores com idade até 30 anos representam 2,9 % do total, o que é bem sintomático do crescente e acentuado
declínio dessa atividade, bem como do desinteresse ou repúdio dos mais jovens pela mesma.
Nesse contexto, que espelha o declínio do setor da caça e decrescente número limitado de praticantes,
carece totalmente de justificação que cerca de 80 % do território nacional esteja ocupado com 5103 zonas de
caça, o equivalente a uma área superior a 7 milhões de hectares, na sua maioria zonas de caça «associativas»
e «turísticas».
Página 4
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
4
O Estado deve, sim, fomentar a criação e gestão de reservas, santuários e parques naturais e de recreio,
designadamente por reconversão de zonas de caça, que possam ser fruídos pela comunidade, em geral, e nos
quais se promova a qualidade de vida ambiental e se implementem programas de sensibilização, conservação
da natureza e de preservação das espécies.
O setor da caça é hoje praticamente deficitário, tendência que, face ao exposto, tende a agravar-se nos
próximos anos. Os cerca de 10 milhões de euros em taxas e licenças que o Estado arrecada não justificam nem
compensam o elevado investimento no setor.
Com efeito, foi anunciada, em 2021, a atribuição de 10,4 milhões de euros ao setor da caça, dos quais 5
milhões de euros destinados à «promoção da biodiversidade e ao valor ambiental e social dos espaços
florestais», dinheiros públicos que deviam ser destinados à efetiva promoção da biodiversidade e do ambiente,
privilegiando ações e medidas que não impliquem o abate de animais, que suscitem o interesse consensual da
comunidade e a participação ativa dos jovens, em especial.
Atendendo ao exposto, não resulta legítimo fazer repercutir os elevados custos da atividade cinegética sobre
o conjunto dos cidadãos e cidadãs em Portugal e ainda onerar grande parte do território nacional com essa
finalidade, em detrimento de outras amplamente apreciadas e suscetíveis de contribuir para os objetivos
ambientais, em particular de preservação das espécies.
O ordenamento do setor não deve, assim, ir além das atuais zonas de caça nacionais e municipais,
atualmente no total de 916, absorvendo mais de 2,6 milhões de hectares de área, as quais se devem reger por
normas de gestão rigorosa, sob fiscalização do ICNF.
Destarte, impõe-se também reconfigurar o direito à não caça em termos presuntivos, libertando os cidadãos
do pesado ónus de o requererem junto da Administração Pública e ainda de o sinalizarem nos próprios terrenos
de que são detentores.
Por outro lado, propõe-se a criação de um órgão consultivo, de cariz científico, junto do Ministério do
Ambiente, designado por Conselho Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, ao qual caberá
igualmente, ponderados os censos disponíveis, identificar as espécies e respetivos quantitativos abrangidos em
cada época venatória, entre outros requisitos que assegurem o equilíbrio sustentável das populações de cada
espécie e o efetivo ordenamento, a assegurar pelo ICNF.
Aponta-se também a necessidade de apostar na formação e educação ambiental dos candidatos a
praticantes e praticantes, sensibilizando-os, nomeadamente, para as exigências da conservação da natureza,
da preservação das espécies e do respeito pelo ambiente.
Segundo dados divulgados em novembro de 2020 pela Polícia de Segurança Pública, nos últimos três anos
registaram-se mais de 300 ocorrências de violência doméstica com armas de fogo; só em 2019, foram
reportados 108 crimes de violência doméstica com recurso a arma de fogo. É, pois, fundamental, a título cautelar,
a avaliação psicológica dos candidatos a caçadores, por forma a aferir a necessária aptidão para a utilização de
armas de fogo em contextos de habitualidade como o exercício da caça.
Outrossim, não se afigura consentâneo com os atuais valores que regem a nossa sociedade que jovens
menores de idade, ainda que com autorização dos pais, possam caçar, manobrando armas de fogo, matando
seres vivos, podendo colocar-se a si em risco e a outras pessoas. A idade mínima para acesso a essa atividade
perigosa e de inegável violência deve coincidir com a maioridade.
Por outro lado, há muito também que as organizações ambientalistas portuguesas alertam para a
necessidade de se proceder à diminuição significativa dos animais e das espécies de animais que podem ser
caçados, excluindo dessa possibilidade pelo menos as espécies com populações reduzidas ou em declínio como
a rola brava ou comum, o zarro, a piadeira, o arrabio, o tordo-zornal, o tordo-ruivo ou mesmo o coelho-bravo.
Carece igualmente de sentido ético e de fundamento sério que animais como a raposa e os saca-rabos sejam
considerados espécies cinegéticas, não obstante o respetivo estatuto de conservação no nosso território não
seja atualmente preocupante. Trata-se de mamíferos de pequeno porte, inofensivos para os humanos, que não
são utilizados na alimentação humana nem suscitam comprovados problemas de saúde ou de segurança
pública. Têm, ao invés, importante atuação no equilíbrio natural de populações de espécies sinantrópicas, tais
como ratos e cobras, e, bem assim, contribuem para a eliminação de resíduos depositados na natureza, como
sejam cadáveres de animais de que se alimentam.
Acresce que têm como predadores naturais algumas das subespécies mais ameaçadas da Europa e do
mundo, como a águia-imperial-ibérica, o lince e o lobo ibéricos. A escassez de alimento, grande parte do qual
Página 5
9 DE MAIO DE 2023
5
alvo da caça, contribuiu, como é sabido, para esse alarmante estatuto.
A conservação das espécies ameaçadas implica a preservação do respetivo habitat e a gestão integrada das
populações de espécies que lhes servem de alimento, incluindo as raposas e os saca-rabos.
Ora, segundo dados divulgados pelo ICNF, só na época venatória de 2018/2019 foram caçados nas zonas
de caça 11 228 raposas e 6787 saca-rabos.
O certo é que a caça a essas duas espécies é hoje alvo de forte e fundada contestação popular a que o
poder político não pode ficar indiferente, devendo sempre optar por formas naturais de equilíbrio dos
ecossistemas e das populações de cada espécie, mediante a realização de censos regulares e, sendo
necessário, a redistribuição controlada dos animais, princípio este que que é transversal e que deve presidir às
opções políticas de controlo populacional das espécies.
Por fim, impõe-se a revisão do quadro sancionatório, sendo que o vigente está manifestamente
desatualizado, não se revelando sequer dissuasor da prática ilícita ou mesmo consentâneo com outros regimes
sancionatórios equiparados. A título de exemplo, atente-se que a falta de seguro de responsabilidade civil, que
é exigido para o exercício de uma atividade tão potencialmente perigosa como a caça, é punida com coima de
24,94 euros no seu limite inferior, que ainda pode ser especialmente atenuada em caso de negligência; ou o
exercício da caça sob efeito do álcool, cuja coima é de apenas 74,82 euros a 374,10 euros, se a taxa de álcool
no sangue (TAS) for igual ou superior a 0,5 g/l, ou de 149,64 euros a 748,20 euros, se a TAS for igual ou superior
a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l. Repare-se que, sendo aquelas taxas de alcoolémia detetadas no exercício da
condução automóvel, as coimas são de 250 euros a 1250 euros e de 500 euros a 2500 euros, respetivamente,
o que evidentemente não faz sentido e revela-se desajustado.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, a Deputada do PAN apresenta o seguinte projeto de lei:
CAPÍTULO I
Objeto e princípios
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece as bases do regime jurídico da caça, ponderados os princípios da conservação e
fomento da natureza e da biodiversidade e da defesa do património natural.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente diploma, considera-se:
a) Áreas de refúgio de caça – áreas destinadas a assegurar a conservação ou fomento da fauna e/ou flora,
nas quais a caça é interdita;
b) Caça ou atividade cinegética – a atividade que visa capturar e/ou matar animais das espécies com
interesse cinegético, através dos meios e processos permitidos pela presente lei.
c) Espécies com interesse cinegético – as espécies com origem silvestre e em estado de liberdade natural
que figurem na lista aprovada para cada época venatória.
Artigo 3.º
Princípios gerais
A política cinegética nacional obedece aos seguintes princípios:
a) A conservação, defesa e fomento do património natural, fauna e flora, e dos equilíbrios biológicos;
b) O respeito pelo estatuto dos animais legalmente reconhecido enquanto seres dotados de sensibilidade;
c) A criteriosa inserção das atividades humanas, com vista à minimização dos impactos na natureza e na
Página 6
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
6
paisagem;
d) A criação e gestão de reservas, santuários e parques naturais e de recreio, bem como a classificação e
proteção de paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação dos equilíbrios
naturais;
e) A promoção e aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de
renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;
f) A promoção da saúde pública e ambiental;
g) A promoção da educação ambiental e do respeito pelos valores ambientais, pelo estatuto dos animais e
pela defesa da natureza.
Artigo 4.º
Tarefas do Estado
1 – Para a prossecução dos princípios estabelecidos no artigo anterior cabe ao Estado desenvolver
programas e formas de ação adequados, designadamente em colaboração com as autarquias locais e as
organizações não governamentais de defesa e proteção do ambiente.
2 – Compete, nomeadamente, ao Estado promover a reconversão das zonas de caça em reservas,
santuários e parques naturais e de recreio, bem como a classificação e proteção de paisagens e sítios, de modo
a garantir a conservação da natureza e da biodiversidade e a preservação dos equilíbrios naturais.
CAPÍTULO II
Conservação das espécies
Artigo 5.º
Normas de conservação
As normas para a conservação das espécies com interesse cinegético devem contemplar:
a) Medidas que visem assegurar a preservação das espécies e a manutenção da biodiversidade e dos
equilíbrios biológicos do meio, privilegiando-se as formas de controlo natural das populações, designadamente
mediante a introdução de predadores e o incremento de programas que incentivem a sua preservação ou a
redistribuição dos animais;
b) Princípios de afetação racional do ponto de vista ecológico das populações das espécies com interesse
cinegético;
c) Medidas que respeitem os diferentes estádios de reprodução e de dependência das espécies com
interesse cinegético;
d) Medidas que evitem a perturbação desnecessária e evitável dos indivíduos ou dos grupos das espécies
com interesse cinegético, no respeito pela natureza, estado e características de cada espécie;
e) Medidas tendentes a evitar infligir dor ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento
injustificado para os animais das espécies com interesse cinegético;
f) Em particular, para as espécies migradoras, medidas que visem respeitar o período de reprodução e de
retorno das mesmas, sem prejuízo da observância das demais normas.
Artigo 6.º
Conselho Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade
1 – É criado, junto do Ministério do Ambiente, o Conselho Nacional da Conservação da Natureza e da
Biodiversidade, abreviadamente designado por CNCNB, com as seguintes atribuições:
a) Funções consultivas do Governo, nomeadamente no que se refere à definição da política cinegética
nacional nos termos e para os efeitos enunciados nos artigos 3.º e 4.º, e à implementação das normas de
Página 7
9 DE MAIO DE 2023
7
conservação a que se refere o artigo 5.º ou ainda para quaisquer assuntos que caibam no âmbito da presente
lei;
b) Identificação das espécies com interesse cinegético em cada época venatória, bem como os respetivos
quantitativos e períodos venatórios, entre outros requisitos que assegurem o equilíbrio das populações de cada
espécie na perspetiva da conservação dos recursos naturais e da preservação do ambiente e dos ecossistemas;
c) Emissão de pareceres relacionados com quaisquer assuntos que caibam no âmbito da presente lei, com
vista à implementação das normas de conservação a que se refere o artigo 5.º.
2 – O CNCNB tem a seguinte composição:
a) Três elementos do ICNF, IP, dois dos quais do departamento de conservação da natureza e da
biodiversidade;
b) Dois representantes designados pelas organizações não governamentais do ambiente com atuação na
promoção e valorização da biodiversidade e na proteção dos animais silvestres;
c) Duas pessoas de reconhecido mérito científico na promoção e valorização da biodiversidade e na
proteção dos animais silvestres, ambas designadas pelo ministro da área do ambiente.
3 – O mandato dos membros do CNCNB tem a duração de cinco anos, podendo ser renovado uma vez pelo
prazo de três anos.
4 – O CNCNB elege, de entre os seus membros, um presidente e um vice-presidente, competindo a este
substituir o presidente nas suas ausências e impedimentos.
5 – Os membros do CNCNB são independentes no exercício das suas funções, não representando as
entidades que os elegeram ou designaram.
6 – Os membros do CNCNB têm direito a senhas de presença de montante a fixar por despacho conjunto
dos Ministros das Finanças e do Ambiente.
Artigo 7.º
Preservação das espécies
1 – Tendo em vista a preservação das espécies e da biodiversidade, é proibido:
a) Capturar ou destruir ninhos, covas e luras, ovos e crias de qualquer espécie, salvo nas condições previstas
na lei;
b) Caçar qualquer animal que não integre espécie com interesse cinegético;
c) Caçar animal de espécie com interesse cinegético fora dos respetivos períodos de caça, fora das jornadas
de caça ou em dias em que a caça não seja permitida;
d) Caçar animal por processos não autorizados ou indevidamente utilizados;
e) Caçar animal por meios não autorizados ou indevidamente utilizados;
f) Causar dor ou sofrimento desnecessário e injustificado aos animais, nomeadamente através da utilização
de instrumentos perfurantes ou cortantes, armadilhas, paus e objetos afins ou através da utilização de animais
designadamente cães, furões ou aves de rapina.
g) Ultrapassar as limitações e quantitativos de captura estabelecidos.
2 – É igualmente proibido:
a) Causar perturbação desnecessária e evitável dos indivíduos ou dos grupos das espécies com e sem
interesse cinegético, designadamente fazendo-os sair das respetivas tocas, ninhos ou outros locais onde
habitualmente essas espécies se abrigam;
b) Caçar nas queimadas, áreas percorridas por incêndios e terrenos com elas confinantes, numa faixa de
500 metros, enquanto durar o incêndio e nos 60 dias seguintes;
c) Caçar nos terrenos cobertos de neve;
d) Caçar nos terrenos que durante inundações fiquem completamente cercados de água e nos 500 m
Página 8
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
8
adjacentes à linha mais avançada das inundações, enquanto estas durarem e nos 60 dias seguintes.
Artigo 8.º
Espécies com interesse cinegético
1 – Consideram-se espécies com interesse cinegético as espécies que tenham origem silvestre e se
encontrem em estado de liberdade natural, e que, em cada época venatória, constem de listagem a elaborar
pelo conselho nacional da conservação da natureza e da biodiversidade, observadas as exclusões dos números
seguintes.
2 – Não podem ser consideradas espécies com interesse cinegético as espécies legalmente protegidas e
aquelas que estejam ameaçadas ou sob ameaça, nomeadamente, e entre outras, a rola-comum, o zarro, a
piadeira, o arrabio, o tordo-zornal, o tordo-ruivo, o coelho-bravo ou quaisquer outras que constem da Lista
Vermelha, publicada pela International Union for Conservation of Nature and Natural Resources.
3 – São igualmente excluídas como espécies com interesse cinegético as raposas e os saca-rabos.
Artigo 9.º
Espécies com interesse cinegético em cativeiro
1 – Não é permitida a reprodução, criação e/ou detenção de espécies com interesse cinegético em cativeiro,
sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 – O ICNF, IP pode, mediante parecer prévio do CNCNB, autorizar a reprodução, criação e detenção de
espécies com interesse cinegético em centros de recuperação de animais, santuários ou reservas naturais, com
o exclusivo propósito de repovoamento e quando este se mostre necessário ao equilíbrio dos ecossistemas e à
preservação da biodiversidade.
Artigo 10.º
Áreas de refúgio de caça
O Governo deve criar áreas de refúgio de caça para fins de proteção e conservação da natureza ou para
quaisquer outros fins, nomeadamente, para criação de santuários e reservas de vida selvagem ou parques
naturais e de recreio.
Artigo 11.º
Período venatório
1 – A caça só pode ser exercida durante os períodos fixados para cada espécie com interesse cinegético.
2 – Os períodos venatórios devem, entre outros requisitos específicos de cada espécie que desaconselhem
a perturbação ou intervenção humanas, respeitar os ciclos reprodutivos das espécies sedentárias e, quanto às
espécies migradoras, as épocas e a natureza das migrações.
3 – Compete ao CNCNB fixar, em cada época venatória, as espécies com interesse cinegético e os
respetivos quantitativos e períodos venatórios.
Artigo 12.º
Repovoamentos
Os repovoamentos de espécies, mediante redistribuição de animais em estado silvestre ou introdução de
predadores de origem silvestre, são permitidos para fins de controlo populacional e equilíbrio dos ecossistemas,
devendo ser objeto de planeamento adequado sob parecer prévio do CNCNB.
Página 9
9 DE MAIO DE 2023
9
CAPÍTULO III
Gestão e ordenamento dos recursos com interesse cinegético
Artigo 13.º
Gestão dos recursos com interesse cinegético
A gestão dos recursos com interesse cinegético compete ao Estado, podendo ser transferida
temporariamente ou concessionada às autarquias locais.
Artigo 14.º
Normas de ordenamento cinegético
1 – As normas de ordenamento cinegético devem contemplar:
a) A conservação e a exploração racional das espécies com interesse cinegético em moldes sustentáveis,
em conformidade com os princípios e normas estabelecidos nos artigos 3.º e 5.º;
b) A existência de planos de gestão e exploração cinegética e de planos globais de gestão e exploração
obrigatórios;
c) A existência de planos de gestão e exploração cinegética específicos, quando tal se justifique.
2 – Devem igualmente ser observados o direito da União Europeia e as convenções internacionais aplicáveis.
Artigo 15.º
Zonas de caça
1 – As zonas de caça podem, no respeito pelas normas referidas no artigo anterior, prosseguir objetivos da
seguinte natureza:
a) De interesse nacional, a constituir em áreas com características físicas e biológicas que requeiram
especiais requisitos em matéria de preservação ou em áreas que, por motivos de segurança, justifiquem ser o
Estado o único responsável pela sua administração;
b) De interesse municipal, sem prejuízo das normas de conservação previstas no artigo 5.º.
2 – O Estado pode transferir para as associações de defesa do ambiente ou para as autarquias locais a
gestão temporária das zonas de caça de interesse nacional já existentes, não podendo ser criadas novas zonas
de caça.
3 – O exercício da caça nas zonas de caça de interesse nacional ou municipal está sujeito ao pagamento de
taxas.
4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a gestão das zonas de caça deverá ser objeto de
regulamentação por parte do Ministério do Ambiente.
Artigo 16.º
Definição das zonas de caça
Ao Ministério do Ambiente, ouvido o Conselho Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade,
compete:
a) Definir prioridades quanto aos tipos de zonas de caça vigentes em cada município ou região;
b) Estabelecer áreas máximas e mínimas para cada tipo de zona de caça;
c) Estabelecer as regras de gestão das zonas de caça, observadas, entre outras, as regras constantes do
artigo seguinte;
d) Determinar a passagem, temporária ou definitiva, das zonas de caça a áreas de refúgio de caça;
Página 10
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
10
e) Extinguir as zonas de caça, afetando-as a fins de interesse público, designadamente a reservas,
santuários e parques naturais.
Artigo 17.º
Gestão das zonas de caça
1 – Constituem obrigações das entidades gestoras, designadamente:
a) Ter um responsável técnico permanente, com funções de organização e gestão operacional, devendo
superintender em todas as atividades que ocorram na zona de caça e cumprir e fazer cumprir todos os requisitos
legais aplicáveis;
b) Efetuar e manter a sinalização das zonas de caça;
c) Cumprir e fazer cumprir as normas reguladoras do exercício da caça que lhes são diretamente aplicáveis;
d) Cumprir os planos de gestão (PG), assim como os planos anuais de exploração (PAE);
e) Não permitir o exercício da caça até à aprovação do PAE;
f) Apresentar um PAE ao ICNF até 15 de julho de cada ano, propondo nomeadamente:
i) Espécies e processos de caça autorizados;
ii) Número de exemplares de cada espécie a abater, devendo, no caso das espécies de porte grande, ser
indicados o sexo e a idade;
iii) Número previsto de jornadas de caça e limite de animais a abater por jornada de caça.
g) Comunicar, até 15 de julho de cada ano, ao CNCNB um exemplar do PAE;
h) Manter atualizada uma contabilidade simplificada, na qual sejam registadas as receitas e despesas
efetuadas e onde se possa apurar o resultado final;
i) Apresentar anualmente, até 15 de junho, ao ICNF os resultados da exploração cinegética e da execução
financeira respeitantes à época venatória anterior, em termos a regulamentar por meio de portaria do membro
do Governo com responsabilidade na área ambiental.
2 – O ICNF dispõe do prazo de 60 dias para aprovação do PAE referido na alínea f) do número anterior,
sendo em tudo aplicável o disposto no Código de Procedimento Administrativo, designadamente, presumindo-
se o indeferimento tácito se o referido prazo não for cumprido.
3 – O ICNF deve tratar estatisticamente os resultados da exploração cinegética recebidos das zonas de caça
e remeter ao CNCNB e ao Instituto Nacional de Estatística o quadro de resultados obtidos, nomeadamente o
número total de animais abatidos de cada espécie com interesse cinegético, devendo igualmente proceder ao
levantamento da densidade populacional (censos) por cada espécie cujos resultados remeterá todos os anos
ao CNCNB.
4 – O responsável técnico previsto na alínea a) do n.º 1 deve ter aptidão para o efeito, mediante formação
específica e avaliação teórica, a cargo pelo ICNF, cujos conteúdos programáticos serão definidos pelo CNCNB,
nos termos a regulamentar.
5 – É proibido o exercício da caça em zonas relativamente às quais não exista PAE aprovado, sem prejuízo
do disposto nos artigos 18.º a 20.º.
Artigo 18.º
Terrenos de caça condicionada
Não é designadamente permitido caçar:
a) Nos terrenos murados, nos quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação e, bem assim, em
quaisquer terrenos que circundem estas, numa faixa de proteção de 800 metros;
b) Nos terrenos ocupados com culturas agrícolas ou florestais, durante determinados períodos do seu ciclo
vegetativo, quando seja necessário proteger aquelas culturas e respetivas produções e para tal tenham sido
Página 11
9 DE MAIO DE 2023
11
sinalizadas nos termos da lei.
Artigo 19.º
Terrenos não cinegéticos
1 – Constituem terrenos não cinegéticos as áreas de proteção, as áreas de refúgio e os campos de treino,
bem como as áreas classificadas, incluindo as áreas protegidas tais como parques ou reservas naturais.
2 – Constituem áreas de proteção, designadamente, os seguintes locais:
a) Povoados, terrenos adjacentes de hospitais, escolas, lares de idosos, instalações militares, estações
radioelétricas, faróis, instalações turísticas, parques de campismo e desportivos, instalações industriais,
instalações de criação ou de alojamento de animais, estradas nacionais, linhas de caminho de ferro, praias de
banho, bem como quaisquer terrenos que os circundem, numa faixa de proteção não inferior a 800 metros;
b) Aeródromos e estradas secundárias, numa faixa de proteção não inferior a 600 metros.
Artigo 20.º
Direito à não caça
1 – O direito à não caça é a faculdade de os proprietários ou usufrutuários e arrendatários se oporem à caça
nos seus terrenos, passando estes a constituir áreas de direito à não caça.
2 – O direito à não caça não está sujeito a qualquer reconhecimento e presume-se exercido no caso de não
se encontrar colocada sinalização permitindo o exercício da caça.
3 – Os proprietários, arrendatários e usufrutuários que pretendam permitir o exercício da caça nos seus
terrenos devem requerer a respectiva autorização, nos termos a regulamentar, só podendo ser feito o seu
exercício após a obtenção da devida autorização para o efeito e colocação da devida sinalética.
Artigo 21.º
Campos de treino de caça
1 – As associações de caçadores, os clubes de tiro e as entidades titulares de zonas de caça podem ser
autorizadas a instalar campos de treino de caça, nos termos a definir em portaria do membro do Governo com
responsabilidade na área do ambiente.
2 – Nos treinos não podem ser utilizados quaisquer animais vivos.
3 – As entidades gestoras de campos de treino de caça devem assegurar a recolha dos resíduos resultantes
das atividades neles desenvolvidas, após o seu término.
CAPÍTULO IV
Exercício da caça
Artigo 22.º
Requisitos
Só é permitido caçar aos indivíduos maiores de 18 anos, detentores de carta de caçador e que estiverem
munidos da necessária licença de caça e demais documentos legalmente exigidos.
Artigo 23.º
Carta de caçador
1 – A obtenção da carta de caçador fica dependente de exame constituído por prova teórica, por prova prática
e por avaliação psicológica, sujeito ao pagamento de taxa, a realizar pelo candidato perante os serviços
competentes do Estado e representantes do CNCNB, nos termos a definir, e destinado a apurar se o interessado
Página 12
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
12
possui a aptidão e os conhecimentos necessários para o exercício da caça, incluindo em matéria de conservação
da natureza e de respeito pelos valores do ambiente e pelo estatuto dos animais.
2 – O procedimento de exame, a duração das provas e a avaliação psicológica a que se referem os n.os 1 e
7 são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente.
3 – Para efeitos da realização do exame referido no n.º 1, os candidatos devem frequentar ações de formação
durante o prazo mínimo de um ano, a ministrar pelo ICNF.
4 – Os conteúdos programáticos das ações de formação e das provas de avaliação a que se referem os
números anteriores e o n.º 7 são definidos pelo CNCNB.
5 – São condições para requerer a carta de caçador:
a) Ser maior de 18 anos;
b) Não ser portador de anomalia psíquica ou de disfunção orgânica, psicológica ou fisiológica que torne
perigoso o exercício da caça;
c) Ser portador da licença de uso e porte de arma para atos venatórios;
d) Não estar sujeito a proibição de caçar por disposição legal ou decisão judicial.
6 – A carta de caçador e respetivas revalidações estão sujeitas a taxa, nos termos a definir.
7 – A carta de caçador deve ser revalidada de quinze em quinze anos até o titular perfazer 60 anos de idade,
após o que a revalidação passa a ser necessária de cinco em cinco anos, mediante comprovação dos requisitos
indicados no número um, através de provas teórica e prática, a definir nos termos dos n.os 2 e 4.
8 – A carta de caçador caduca sempre que os respetivos titulares sejam condenados por qualquer crime de
caça, sem prejuízo das demais circunstâncias previstas na lei.
Artigo 24.º
Licenças de caça
1 – As licenças de caça têm validade temporal e territorial.
2 – Devem ser estabelecidas licenças de caça para diferentes meios, processos e espécies com interesse
cinegético.
3 – As licenças de caça estão sujeitas ao pagamento de taxas, nos termos a definir por portaria do membro
do Governo responsável pela área do ambiente.
Artigo 25.º
Documentos que devem acompanhar o caçador
1 – Durante o exercício da caça o caçador é obrigado a trazer consigo e a apresentar às entidades com
competência para a fiscalização, sempre que lhe seja exigido:
a) A carta de caçador;
b) A licença de caça;
c) As licenças dos cães que o acompanhem, incluindo o comprovativo do registo referido no n.º 4 do artigo
33.º;
d) A licença de uso e porte de arma e o livrete de manifesto;
e) O recibo comprovativo do pagamento do prémio do seguro de caça válido;
f) O bilhete de identidade, o cartão de cidadão ou o passaporte;
g) Comprovativo da autorização para exercício da caça na zona nacional ou municipal em causa.
2 – O caçador que não apresente todos os documentos referidos no número anterior não pode exercer a
caça, devendo abandonar, de imediato, a zona de caça onde se encontre, sem prejuízo da instauração dos
competentes autos de contraordenação.
Página 13
9 DE MAIO DE 2023
13
Artigo 26.º
Auxiliares dos caçadores
1 – Os caçadores podem ser ajudados por auxiliares, maiores de idade, com a função exclusiva de
transportar equipamentos, mantimentos, munições ou caça abatida.
2 – Cada caçador só pode ser acompanhado por um auxiliar, que não pode fazer parte da linha de caçadores
nem praticar quaisquer atos venatórios.
Artigo 27.º
Procedimento para o exercício da atividade venatória
O exercício da atividade venatória depende de pedido de permissão administrativa dirigido ao Presidente do
Conselho Diretivo do ICNF e deve ser instruído, designadamente, com os documentos referidos no n.º 1 do
artigo 25.º.
Artigo 28.º
Seguro de responsabilidade civil
1 – Para o exercício da caça os caçadores têm de ser detentores de seguro obrigatório de responsabilidade
civil por danos causados a terceiros com coberturas mínimas de 500 mil euros para danos corporais e de 200
mil de euros para danos materiais ou danos contra a natureza.
2 – Os montantes mínimos do seguro referido no número anterior podem ser atualizados, mediante aumento
a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente.
Artigo 29.º
Meios de caça
1 – No exercício da caça, e dentro dos limites fixados nos artigos seguintes, apenas são permitidos os
seguintes meios:
a) Armas de fogo;
b) Barco;
2 – Para os efeitos do presente diploma, são considerados objetos os meios utilizados no exercício da caça.
Artigo 30.º
Armas de fogo
1 – No exercício da caça apenas podem ser utilizadas as armas de fogo classificadas, nos termos da lei
aplicável, como armas de caça.
2 – As armas semiautomáticas, que correspondem às armas de fogo que se recarregam automaticamente
por ação do disparo, apenas podem ser utilizadas no exercício da caça quando estejam previstas ou
transformadas de forma que não possam comportar mais de três munições.
3 – No exercício da caça com armas de fogo é proibido o uso ou detenção de cartuchos carregados com
projéteis vulgarmente designados por chumbos.
4 – No exercício da caça com armas de fogo, os caçadores devem recolher os cartuchos vazios após a sua
utilização.
5 – Fora do exercício da caça só é permitido o transporte de armas de fogo legalmente classificadas como
de caça quando descarregadas, acondicionadas em estojo ou bolsa e desacompanhadas de munições.
Artigo 31.º
Barco
1 – É proibida a utilização de barco na caça, com exceção das espécies de interesse cinegético a definir,
Página 14
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
14
ouvido o CNCNB.
2 – É proibida a utilização de barco para perseguir os animais, bem como atirar com o barco em movimento
ou com o motor em funcionamento.
Artigo 32.º
Processos de caça
1 – A caça pode ser exercida pelos seguintes processos:
a) De salto – Aquele em que o caçador se desloca para procurar, perseguir ou capturar animais de espécies
com interesse cinegético que ele próprio encontra;
b) À espera – Aquele em que o caçador, parado, aguarda os animais de espécies com interesse cinegético
a capturar;
c) De aproximação – Aquele em que o caçador se desloca para capturar determinado animal de espécies
com interesse cinegético de grande porte.
2 – Nos processos de caça de salto e de aproximação, os grupos ou linhas de caçadores não podem ser
constituídos por mais de três caçadores, devendo entre linhas mediar no mínimo 250 m.
3 – É designadamente proibido:
a) Cercar os animais em terrenos vedados ou, por qualquer meio, impedindo-os de escapulir ou dificultando
a sua fuga;
b) Permitir o confronto entre animais, designadamente permitindo que os cães utilizados como auxiliares na
caça ataquem ou se confrontem com qualquer animal incluindo animais de interesse cinegético a capturar;
c) Causar perturbação desnecessária aos animais a capturar, designadamente fazendo-os sair das
respetivas tocas, ninhos ou outros locais onde habitualmente essas espécies se abrigam, reproduzem ou
nidificam;
d) Utilizar chamarizes, negaças ou quaisquer outros objetos ou produtos destinados a atrair a caça;
e) Enxotar ou praticar quaisquer atos que possam conduzir as espécies cinegéticas de uns terrenos para
outros;
f) Iluminar os animais a caçar.
Artigo 33.º
Animais de companhia utilizados como auxiliares na caça
1 – Os cães podem ser utilizados como auxiliares na caça, unicamente para efeito de seguimento de pistas
e de rasto de animais de interesse cinegético a capturar, sendo expressamente proibido que os cães possam
perseguir e/ou matar mamíferos selvagens, por desporto ou de qualquer outra forma.
2 – No exercício da caça, cada caçador só pode utilizar até dois cães e cada grupo de caçadores até um
máximo total de cinco cães.
3 – Para além da identificação e registo gerais a que os cães estão submetidos, nos termos atualmente
previstos no Decreto-Lei n.º 82/2019, de 27 de junho, é obrigatório o registo dos cães utilizados na caça junto
do ICNF, nos termos e condições a estabelecer por portaria do membro do Governo responsável pela área do
ambiente.
4 – Aos cães utilizados na caça aplica-se o regime jurídico relativo aos animais de companhia,
nomeadamente o disposto no Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, incluindo o respetivo regime
sancionatório, cujos alojamentos de hospedagem deverão observar as normas estabelecidas nesse diploma,
estando igualmente sujeitos ao procedimento de mera comunicação prévia previsto nos artigos 3.º e 3.º-A
daquele diploma.
5 – Os cães utilizados na caça devem ser transportados dentro de veículos automóveis apropriados,
devidamente equipados e licenciados para o efeito, nomeadamente em termos de espaço, ventilação,
temperatura, segurança e fornecimento de água; os animais têm de ter, no mínimo, espaço suficiente para
estarem de pé, deitados, para se virarem e sentarem normalmente, devendo cada animal dispor de uma
Página 15
9 DE MAIO DE 2023
15
superfície de base de, pelo menos, 1,22 m x 1,22 m.
6 – Os cães utilizados na caça não podem ser transportados em atrelados, reboques ou semirreboques e
afins, devendo ser transportados em carrinhas próprias, e devidamente homologadas, destinadas ao transporte
de animais de companhia.
7 – Sem prejuízo da utilização de cães na atividade cinegética nos termos previstos no presente diploma, os
mesmos são sempre considerados para todos os legais efeitos atinentes à sua proteção como animais de
companhia, sendo aplicável à sua detenção, alojamento ou transporte as regras decorrentes da legislação em
vigor.
8 – Os maus tratos e o abandono dos cães utilizados na caça são punidos nos termos gerais do Código
Penal, no âmbito dos crimes contra animais de companhia, sem prejuízo do disposto no artigo 47.º do presente
diploma.
Artigo 34.º
Marcação dos animais mortos
1 – Todos os animais mortos no exercício da caça estão sujeitos a marcação, nos termos a definir por portaria
do membro do Governo responsável pela área do ambiente.
2 – Terminada a jornada de caça, não podem os animais caçados ser transportados sem a marcação a que
se refere o número anterior.
3 – A marcação referida nos precedentes números é efetuada através de selos em material durável, inviolável
após o fecho, com uma parte destacável e onde constam, nomeadamente, as seguintes inscrições:
a) Identificação da espécie:
b) Número de ordem da série;
c) Época venatória;
d) Dia e mês de abate do animal;
e) Processo de caça;
f) Número da zona de caça;
g) Número da credencial.
4 – A entrega dos destacáveis dos selos é feita no ICNF, até 15 de junho de cada época venatória.
5 – O incumprimento do disposto no número anterior impede a aquisição de novos selos, sem prejuízo do
competente procedimento contraordenacional.
6 – Os modelos dos selos e as normas para a sua colocação serão aprovados pelo ICNF, ao qual compete
igualmente o exclusivo da sua comercialização, designadamente através de plataforma informática própria.
7 – O registo dos dados correspondentes a cada selo utilizado é da responsabilidade da entidade gestora da
respetiva zona de caça, em suporte informático disponibilizado pelo ICNF, onde constem para cada selo, os
elementos referidos no n.º 3.
CAPÍTULO V
Regime sancionatório
SECÇÃO I
Disposições comuns
Artigo 35.º
Participação
Os agentes de autoridade competentes para o policiamento e fiscalização da caça que tiverem conhecimento
da prática de qualquer infração em matéria de caça que não tenham presenciado devem efetuar a competente
participação e enviá-la às entidades competentes para o respetivo procedimento criminal ou contraordenacional.
Página 16
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
16
Artigo 36.º
Apreensão e devolução de objetos
1 – Podem ser provisoriamente apreendidos pelas autoridades policiais ou administrativas competentes os
objetos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de crime ou contraordenação de caça e
quaisquer outros que forem suscetíveis de servir de prova.
2 – Os objetos são restituídos logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeitos de prova,
a menos que sejam declarados perdidos a favor do Estado.
3 – Os objetos apreendidos são restituídos logo que a decisão se torne definitiva e os mesmos não tenham
sido declarados perdidos.
4 – Consideram-se perdidos a favor do Estado os objetos que tenham sido apreendidos e que, após
notificação aos interessados a ordenar a sua entrega, não tenham sido reclamados no prazo de dois meses.
5 – Os bens e produtos declarados perdidos a favor do Estado revertem para o ICNF, que lhes dá o destino
que julgar adequado.
Artigo 37.º
Apreensão de animais
1 – Os exemplares de animais mortos apreendidos e suscetíveis de consumo público são entregues a
instituições de solidariedade social.
2 – Os animais vivos ilicitamente detidos e capturados são entregues ao ICNF a fim de, sendo possível,
serem devolvidos à natureza ou, sendo necessário, alojados em instalações adequadas, designadamente
parques ou santuários.
3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a captura e detenção de animais de espécies protegidas é
criminalizada nos termos legalmente previstos, designadamente no Código Penal e demais legislação especial.
Artigo 38.º
Registo de infrações de caça
1 – O registo de infrações de caça é efetuado e organizado nos termos a regular, observado o disposto nos
números seguintes.
2 – O ICNF dispõe de uma base de dados que contém o registo de infrações de caça, do qual devem constar
os crimes e contraordenações de caça praticados e respetivas sanções aplicadas.
3 – O infrator, seja pessoa singular ou coletiva, tem acesso ao seu registo, sempre que o solicite, nos termos
a regular.
4 – Aos processos em que deva ser apreciada a responsabilidade de qualquer infrator é sempre junta uma
cópia do respetivo registo.
Artigo 39.º
Perda a favor do Estado
A condenação por qualquer crime ou contraordenação previstos nesta lei implica a perda a favor do Estado
dos instrumentos, bens, produtos e animais que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua
prática, designadamente as armas, veículos e cães utilizados na caça.
Artigo 40.º
Concurso de infrações
1 – Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o arguido é responsabilizado por
ambas as infrações, instaurando-se para o efeito processos distintos a decidir pelas autoridades competentes,
sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 – A decisão administrativa que aplique uma coima caduca quando o arguido venha a ser condenado em
Página 17
9 DE MAIO DE 2023
17
processo criminal pelo mesmo facto, por decisão transitada em julgado, sem prejuízo das medidas cautelares
aplicadas e das sanções acessórias previstas para a contraordenação.
3 – Sendo o arguido punido pela prática de crime, poderão aplicar-se as sanções acessórias previstas para
as contraordenações.
4 – Verificando-se concurso de crimes ou concurso de crime e contraordenação, deve o agente responder
pela prática de ambos, sem prejuízo do processamento da contraordenação caber igualmente às autoridades
competentes para o processo criminal.
SECÇÃO II
Dos crimes de caça
SUBSECÇÃO I
Tipos de crime de caça
Artigo 41.º
Exercício perigoso da caça
1 – Quem, no exercício da caça, não estando em condições de o fazer com segurança por se encontrar em
estado de embriaguez ou sob a influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou substâncias
com efeito análogo, ou, ainda, por deficiência física ou psíquica, criar deste modo:
a) perigo para a vida de outrem é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos;
b) perigo para a integridade física de outrem é punido com pena de prisão até 3 anos;
c) perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado é punido com pena de prisão até 3 anos ou com
pena de multa até 360 dias.
2 – Se do facto previsto as alíneas a) a c) do número anterior resultar, respetivamente, a morte da vítima,
ofensa à integridade física grave ou dano, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravada
de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
3 – Se o perigo referido na alínea a) do n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão
até 3 anos.
4 – Se o perigo referido na alínea b) do n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão
até 2 anos.
5 – Se o perigo referido na alínea c) do n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão
até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
6 – Se a conduta referida na alínea a) do n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de
prisão até 2 anos.
7 – Se a conduta referida na alínea b) do n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de
prisão até 1 ano.
8 – Se a conduta referida na alínea c) do n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de
prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
9 – Se da conduta referida nos números anteriores resultar a morte de um animal ou maus tratos a um animal,
a mesma será punida nos termos previstos, quer no artigo 278.º do Código Penal e 387.º e seguintes também
do Código Penal.
Artigo 42.º
Exercício da caça sob influência de álcool
Quem, no exercício da caça, apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l é punido
com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força
de outra disposição legal.
Página 18
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
18
Artigo 43.º
Crimes contra a preservação da fauna e das espécies
1 – A infração ao disposto em qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 7.º é punida com pena de prisão até
3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
2 – A infração ao disposto em qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 7.º é punida com pena de prisão até
2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
3 – Na mesma pena indicada no n.º 1 incorre quem infringir o disposto no n.º 2 do artigo 21.º.
4 – Na mesma pena indicada no n.º 2 incorre quem exercer a caça em terrenos não cinegéticos, de caça
condicionada sem consentimento de quem de direito, nas áreas de não caça e nas zonas de caça às quais não
se tenha legalmente acesso.
5 – A tentativa é punível.
Artigo 44.º
Utilização indevida de auxiliares
A infração ao disposto no artigo 26.º é punida com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até
100 dias.
Artigo 45.º
Falta de habilitação para o exercício da caça
Quem exercer a caça sem estar habilitado com a carta de caçador, quando exigida, é punido com pena de
prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Artigo 46.º
Desobediência
1 – A recusa do caçador ou dos auxiliares deste em acatar as ordens emanadas pelos agentes fiscalizadores
em obediência ao previsto no presente diploma é punida com a pena correspondente ao crime de desobediência
simples.
2 – A violação da interdição do direito de caçar é punível com a pena correspondente ao crime de
desobediência qualificada.
Artigo 47.º
Abandono de cães utilizados na caça
1 – Quem abandonar cão utilizado na caça é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de
multa até 100 dias, se pena mais grave não lhe couber no âmbito dos crimes contra animais de companhia
previstos no Código Penal.
2 – Se dos factos previstos no número anterior resultar perigo para a vida do animal ou para a fauna, o limite
da pena aí referida é agravado em um terço, se pena mais grave não couber por força dos crimes previstos no
Código Penal.
3 – Se dos factos previstos no n.º 1 resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro
ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão de
6 meses a 2 anos ou com pena de multa de 60 a 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra
disposição legal, designadamente as previstas para os crimes contra animais de companhia.
4 – Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se abandono de cão utilizado na caça deixá-lo à sua sorte
em zona de caça, sem que o respetivo detentor tenha comunicado ao Sistema de Informação de Animais de
Companhia (SIAC) e ao ICNF a sua perda ou procedido à sua transmissão para a guarda e responsabilidade
de outras pessoas ou entidades.
Página 19
9 DE MAIO DE 2023
19
SUBSECÇÃO II
Penas acessórias
Artigo 48.º
Proibição de exercício da caça
1 – É condenado na proibição de exercício da caça por um período fixado entre três e dez anos quem for
punido por qualquer crime previsto nos artigos anteriores.
2 – No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do
tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, a carta de caçador e as licenças de caça de que for
titular, se as mesmas não se encontrarem já apreendida no processo.
3 – A secretaria do tribunal comunica a proibição de caçar ao ICNF no prazo de 20 dias a contar do trânsito
em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto
no número anterior.
4 – Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de
medida de coação processual, pena ou medida de segurança.
Artigo 49.º
Proibição de exercer gestão de caça
1 – É condenado na proibição de gerir zona de caça e de integrar, gerir ou representar entidade gestora de
zona de caça, e bem assim, de fazer parte dos respetivos órgãos sociais, por um período fixado entre três e dez
anos, quem for punido por qualquer crime previsto nos artigos anteriores.
2 – A prática de qualquer crime previsto nos artigos anteriores por entidades gestoras de zonas de caça de
interesse nacional nos termos do n.º 2 do artigo 15.º implica a revogação do direito a essa gestão.
SECÇÃO III
Das contraordenações de caça
SUBSECÇÃO I
Contraordenações e sanções aplicáveis
Artigo 50.º
Contraordenações e coimas
1 – Constituem contraordenações de caça punidas com coima de (euro) 300 a (euro) 3000:
a) O facto descrito no artigo 42.º, quando o infrator apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior
a 0,5 g/l e inferior a 0,8 g/l;
b) A falta de qualquer documento obrigatório durante o exercício da caça, em infração ao n.º 1 do artigo 25.º;
c) A entrega dos destacáveis dos selos a que se refere o n.º 4 do artigo 34.º após 15 de junho e até 30 de
junho de cada época venatória.
2 – Constituem contraordenações de caça punidas com coima de (euro) 600 a (euro) 6000:
a) O facto descrito no artigo 42.º, quando o infrator apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior
a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l;
b) A reprodução, criação e ou detenção de espécies com interesse cinegético em cativeiro em infração ao
artigo 9.º;
c) O incumprimento pelas entidades gestoras das zonas de caça de qualquer obrigação constante do n.º 1
do artigo 17.º;
d) O exercício da caça em zonas de caça relativamente às quais não exista PAE aprovado;
Página 20
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
20
e) A instalação de campo de treino de caça sem autorização para o efeito ou o exercício de treino de caça
fora de locais autorizados para o efeito;
f) A omissão pelas entidades gestoras de campos de treino de caça de proceder à recolha dos resíduos,
em infração ao disposto no n.º 3 do artigo 21.º;
g) A falta do seguro de responsabilidade civil a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º;
h) A omissão de recolha dos cartuchos vazios em infração ao n.º 4 do artigo 29.º;
i) O transporte de armas de fogo fora do exercício da caça em infração ao n.º 5 do artigo 29.º;
j) A presença de cães em zonas de caça sem estarem presos à trela ou sem utilizarem açaimes em infração
ao disposto no n.º 2 do artigo 32.º, sem prejuízo da eventual cominação nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, alíneas
e) e f), e 43.º, n.º 1;
l) A utilização de cães em número superior ao previsto no n.º 3 do artigo 32.º, sem prejuízo da eventual
cominação nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, alíneas e) e f), e 43.º, n.º 1;
m) A omissão do registo dos cães utilizados na caça junto do ICNF em infração ao disposto no n.º 4 do artigo
32.º;
n) O transporte dos cães auxiliares na caça em desrespeito do disposto nos n.os 6 e 7 do artigo 32.º
o) A omissão da marcação dos animais mortos em infração ao disposto no n.º 1 do artigo 34.º;
p) O transporte de animais mortos sem a devida marcação em infração ao disposto no n.º 2 do artigo 34.º;
q) A omissão da entrega dos destacáveis dos selos a que se refere o n.º 4 do artigo 34.º ou a entrega dos
mesmos após 30 de junho de cada época venatória.
r) O incumprimento pela entidade gestora da zona de caça da obrigação a que se refere o n.º 7 do artigo
34.º.
3 – As coimas aplicadas às pessoas coletivas têm o limite mínimo correspondente ao dobro da coima mínima
prevista para as pessoas singulares e poderão elevar-se até ao montante máximo de (euro) 44 890.
4 – A tentativa e a negligência são puníveis com a coima aplicável à contraordenação consumada
especialmente atenuada.
Artigo 51.º
Sanções acessórias
Consoante a gravidade da contraordenação e a culpa do agente, poderão ser aplicadas, simultaneamente
com a coima, as seguintes sanções acessórias:
a) Perda a favor do Estado dos instrumentos, bens, produtos e animais que tiverem servido ou estivessem
destinados a servir para a sua prática, designadamente as armas, veículos e cães utilizados na caça.
b) Inibição do exercício da caça pelo período de dois a cinco anos;
c) Inibição de gerir zona de caça e de integrar, gerir ou representar entidade concessionária ou gestora de
zona de caça, e bem assim, de fazer parte dos respetivos órgãos sociais pelo período de dois a cinco anos;
d) Revogação do direito a gerir zona de caça de interesse nacional a que se refere o n.º 2 do artigo 15.º;
e) Inibição pelo período de dois a cinco anos do exercício de uma profissão ou atividade reguladas no
presente diploma, cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade
pública;
f) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos às atividades
reguladas no presente diploma;
g) Encerramento ou suspensão temporária do funcionamento de campo de treinos ou de qualquer instalação
relacionada com a atividade da caça cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade
administrativa;
h) Perda ou suspensão de autorizações, licenças e alvarás.
i) Perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de crédito de que haja
usufruído;
j) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos à Natureza e a animais, à
reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;
Página 21
9 DE MAIO DE 2023
21
l) Publicidade da condenação.
Artigo 52.º
Reincidência
1 – É sancionado como reincidente quem cometer uma contraordenação depois de ter sido sancionado por
qualquer outra contraordenação à presente lei ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos.
2 – Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da coima e das sanções acessórias são elevados
em um terço do respetivo valor.
Artigo 53.º
Determinação da medida da coima
1 – A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da
situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.
2 – Sem prejuízo dos montantes máximos fixados, a coima deverá sempre que possível exceder o benefício
económico que o agente retirou da prática do ato ilícito.
Artigo 54.º
Concurso de contraordenações
1 – Quem tiver praticado várias contraordenações é sancionado com uma coima cujo limite máximo resulta
da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.
2 – A coima a aplicar não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em
concurso.
3 – A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias
contraordenações em concurso.
SUBSECÇÃO II
Fiscalização e procedimento
Artigo 55.º
Fiscalização
1 – A fiscalização da caça compete ao ICNF, ao Corpo Nacional da Guarda Florestal, à Guarda Nacional
Republicana, à Polícia de Segurança Pública, aos guardas florestais auxiliares, nos termos das suas
competências, e, em geral, a todas as autoridades policiais a quem caiba assegurar a fiscalização do
cumprimento das normas constantes do presente diploma e legislação complementar.
2 – Nos autos de notícia dos agentes de autoridade referidos no número anterior, por contraordenações que
tenham presenciado relativas àquela matéria, é dispensada a indicação de testemunhas sempre que as
circunstâncias do facto a tornem impossível, sem prejuízo de fazerem fé até prova em contrário.
3 – Os agentes de autoridade aos quais compete a polícia e fiscalização da caça estão impedidos de caçar
durante o exercício das suas funções.
Artigo 56.º
Pagamento voluntário
1 – É admitido o pagamento voluntário da coima em qualquer altura do processo, mas sempre antes da
decisão, a qual será liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas.
2 – O pagamento voluntário da coima não exclui a possibilidade de aplicação de sanções acessórias.
Página 22
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
22
Artigo 57.º
Instrução e decisão
Compete ao ICNF a instrução dos processos de contraordenação e a aplicação das coimas e das sanções
acessórias.
Artigo 58.º
Prazo da instrução
1 – O prazo para a instrução é de 60 dias.
2 – Se por fundadas razões a entidade que dirigir a instrução não a puder completar no prazo indicado no
número anterior solicita a sua prorrogação à entidade que ordenou a instrução pelo prazo indispensável à sua
conclusão.
Artigo 59.º
Notificação e defesa do arguido
1 – Recebido o auto de notícia ou participação, o arguido deve ser notificado para, no prazo de 15 dias úteis,
apresentar resposta escrita, podendo juntar documentos ou arrolar testemunhas até ao limite de três por cada
infração, dando-se sem efeito as que excedam esse número.
2 – As testemunhas arroladas pelo arguido são apresentadas por este no local, dia e hora designados para
a respetiva inquirição.
Artigo 60.º
Proposta de decisão
Finda a instrução do processo, o instrutor elabora, no prazo de 10 dias úteis, proposta de decisão,
devidamente fundamentada, em relatório.
Artigo 61.º
Decisão
1 – Compete ao Presidente do Conselho Diretivo do ICNF aplicar as coimas e as sanções acessórias.
2 – A competência prevista no número anterior pode ser delegada no Vice-Presidente do Conselho Diretivo
do ICNF ou nos diretores regionais deste Instituto.
Artigo 62.º
Destino das coimas
O produto das coimas é repartido da seguinte forma:
a) 10 % para a entidade autuante;
b) 40 % para a entidade que instrui o processo e aplica a coima;
c) 50 % para o Estado.
Artigo 63.º
Reformatio in pejus
Não é aplicável aos processos de contraordenação instaurados e decididos nos termos deste diploma e
legislação complementar a proibição da reformatio in pejus, devendo essa indicação constar expressamente de
todas as decisões finais que admitam impugnação ou recurso.
Página 23
9 DE MAIO DE 2023
23
Artigo 64.º
Prescrição do procedimento
1 – O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da
contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo
igual ou superior a (euro) 44 890;
b) Três anos, nos restantes casos.
2 – Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito
de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se também com a
notificação ao arguido da decisão condenatória.
Artigo 65.º
Prescrição da coima e das sanções acessórias
As coimas e as sanções acessórias prescrevem no prazo de três anos contados a partir do caráter definitivo
da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, consoante o caso.
CAPÍTULO VI
Disposições finais e transitórias
Artigo 66.º
Regulamentação
O Governo, no prazo de 90 dias a contar da data da publicação da presente lei, procederá à sua
regulamentação.
Artigo 67.º
Regiões autónomas
A presente lei aplica-se às regiões autónomas, com as necessárias adaptações a introduzir por decreto
legislativo regional.
Artigo 68.º
Concessões de caça
As concessões de caça atribuídas ao abrigo da Lei n.º 173/99, de 21 de setembro, e legislação complementar,
mantêm-se válidas até ao fim do respetivo período de vigência, sem prejuízo da obrigatoriedade de observarem
as disposições constantes da presente lei e legislação complementar em tudo o que não esteja expressamente
regulado no título de concessão.
Artigo 69.º
Conversão das concessões
No prazo de 90 dias após a publicação da regulamentação prevista no artigo 65.º, as entidades exploradoras
de áreas concessionadas podem solicitar ao ICNF a conversão das concessões em parques, reservas ou
santuários nos termos previstos no n.º 2 do artigo 4.º, desde que cumpram os necessários requisitos nos termos
a regular.
Página 24
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
24
Artigo 70.º
Norma revogatória
São revogados a Lei n.º 173/99, de 21 de setembro, e o Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, bem
como toda a legislação complementar.
Artigo 71.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor seis meses após a data da sua publicação.
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
———
PROPOSTA DE LEI N.º 78/XV/1.ª
ALTERA A LEI N.º 44/86, DE 30 DE SETEMBRO – REGIME DO ESTADO DE SÍTIO E DO ESTADO DE
EMERGÊNCIA
Exposição de motivos
O atual regime do estado de sítio e do estado de emergência, aprovado pela Lei n.º 44/86, de 30 de setembro,
atribui a competência para assegurar a execução da declaração do estado de emergência nas regiões
autónomas ao Representante da República, em cooperação com o Governo Regional.
Todavia, a opção legal de conferir ao Representante da República o papel central e primacial na execução
do estado de emergência nas regiões autónomas, em detrimento do Governo Regional, que assume, neste
âmbito, feições de simples órgão adjuvante, é totalmente incoerente com o enquadramento funcional e orgânico
do tipo de atuações e decisões necessárias à execução do estado de emergência. Por isso, e sem prejuízo de
em sede de revisão constitucional se impor a supressão do cargo, impõe-se, desde já, alterar o regime do estado
de sítio e do estado de emergência em vigor.
Na verdade, e como a realidade recente tem demonstrado, a execução do estado de sítio e do estado de
emergência pressupõe a emissão de normas e a prática de atos típicos de um órgão de feições executivas.
Pense-se, a este propósito, nos atos de regulamentação e de ordenação da vida social (v.g., emanação de
normas de utilização de espaços e instalações, de normas relativas à circulação de pessoas e bens), de garantia
da ordem e da segurança públicas, bem como de gestão de meios humanos e materiais, atividades
expectavelmente necessárias num quadro de exceção e que são mais bem prosseguidas por um órgão
executivo, em razão da sua configuração institucional e competências. Precisamente, em conformidade, a Lei
n.º 44/86, de 30 de setembro, confere ao Governo a execução da declaração do estado de sítio e do estado de
emergência.
Sendo assim, atento o panorama exposto, a atribuição da garantia da execução da declaração do estado de
emergência nas regiões autónomas ao Representante da República é desprovida de racionalidade prática,
quando é certo que tal órgão não é um órgão de vocação executiva. De facto, as revisões constitucionais de
1997 e de 2004 vieram eliminar os poderes governamentais e administrativos do Representante da República,
cingindo-o, pois, a intervenções no contexto do sistema de governo regional, ao controlo da atividade normativa
regional e à representação dos interesses do Estado nas regiões autónomas.
Na verdade, entende-se que a competência para assegurar a execução do estado de emergência nas regiões
autónomas deve caber ao Governo Regional, enquanto órgão executivo de condução da política nas regiões e
Página 25
9 DE MAIO DE 2023
25
órgão superior da administração regional autónoma. Uma solução, aliás, congruente com o facto de ser aos
governos regionais que está legalmente cometida a competência de condução da política de proteção civil nas
regiões autónomas e para a prática dos principais atos nesse âmbito, como sejam a declaração da situação de
alerta, da situação de contingência e da situação de calamidade pública regional.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1
do artigo 227.º e no n.º 1 do artigo 232.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do
artigo 36.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, apresenta à Assembleia da
República a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º
Alteração à Lei n.º 44/86, de 30 de setembro
O artigo 20.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, alterada pelas Leis Orgânicas n.os 1/2011, de 30 de
novembro, e 1/2012, de 11 de maio, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 20.º
Execução a nível regional e local
1 – Com observância do disposto no artigo 17.º, e sem prejuízo das competências dos órgãos de governo
próprio, o emprego das Forças Armadas para execução da declaração do estado de sítio nas regiões autónomas
é assegurado pelo respetivo Comandante-Chefe.
2 – Com observância do disposto no artigo 17.º, a execução da declaração do estado de emergência nas
regiões autónomas é assegurada pelo Governo Regional.
3 – […]
4 – […]»
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 20 de abril de 2023.
O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, Luís Carlos Correia Garcia.
———
PROPOSTA DE LEI N.º 79/XV/1.ª
ALTERA A LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO – REINSTALAÇÃO DOS TRIBUNAIS
DA RELAÇÃO DOS AÇORES E DA MADEIRA
Exposição de motivos
1. Antecedentes históricos
A «questão» da Relação dos Açores não é nova. Tem cerca de 100 anos. Mas, nos últimos 20, tem sido alvo
de atenção crescente. Primeiro, cingiu-se aos meios intelectuais e forenses e, depois, progressivamente,
alargou-se ao seio dos partidos e das instituições políticas autónomas. O Tribunal da Relação dos Açores foi
criado por decreto de 16 de maio de 1832 e veio a ser instalado no dia 3 de junho do mesmo ano, na sequência
Página 26
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
26
das reformas levadas a cabo por Mouzinho da Silveira, em satisfação da necessidade imposta pelo isolamento
insular e também em agradecimento pelas vidas e pecúlio despendidos pelos açorianos na causa da liberdade,
por ocasião da guerra civil que opôs liberais e absolutistas (foi daqui que saíram os bravos que, desembarcados
na praia do Mindelo, repuseram no País as liberdades e garantias da Carta Constitucional). Foi, pois, um legado
do liberalismo. Ocorre que, menos de 80 anos depois, o furor revolucionário e grandemente centralizador da
República, querendo cortar cerce tudo o que considerava devaneios da monarquia, logo em 1910, também por
decreto, pôs fim a esta nobre instituição, que aqui havia granjeado basto prestígio. Isso mesmo foi o que a,
então, Comissão Administrativa da Junta Geral de Ponta Delgada assinalou em representação remetida,
debalde, em maio de 1912, ao Governo da República.
Tanto no curto e conturbado período da Primeira República, como no da longa penumbra do Estado Novo,
mercê do cariz centralista e não menor desprezo que em ambos os tempos a governança mostrou pelos
«arquipélagos adjacentes», o assunto manteve-se arquivado numa tumba. A instauração da democracia soou
como alvorada do regime autonómico dos arquipélagos insulares dos Açores e da Madeira, garantido na
Constituição de 1976. Em resultado disso, as duas regiões autónomas encetaram, num espaço de pouco mais
de 30 anos, um caminho de desenvolvimento económico, social e cultural que as catapultou para a paridade
com o País globalmente considerado.
2. A história recente
Em 1997, o desajustamento dos meios e quadros de primeira instância era gritante. A interpelação pública
que então daqui se fez ao poder político obteve sucesso, sabendo aquele dar uma resposta pronta. De tal sorte
que (coisa nunca vista), em menos de um ano, o Tribunal de Comarca de Ponta Delgada viu alargadas as suas
instalações para o dobro do espaço (passou a ocupar todo o espaço do Palácio da Justiça da cidade), aditando-
se-lhe mais dois juízos, e instalou-se o tribunal de família e menores. No fim das contas, o quadro de juízes em
Ponta Delgada e na Ribeira Grande passou para o dobro.
Na mesma senda, no ano seguinte, em setembro de 1999, instalou-se em Ponta Delgada o Tribunal
Administrativo e Fiscal (o mesmo acontecendo, e ao mesmo tempo, no Funchal). Nesse tempo só havia no País
três tribunais de primeira instância daquela jurisdição (Lisboa, Porto e Coimbra). Também desse modo o poder
político deu um sinal às regiões autónomas, reconhecendo que as suas especificidades – a começar pela
distância e dispersão geográfica – tinham uma tradução na orgânica judiciária.
Entretanto, a questão da Relação dos Açores continuou a ser objeto de atenção. Mas mais significativa no
plano político veio a ser a posição assumida pela Assembleia Legislativa dos Açores, em 2007, quando os seus
Deputados subscreveram, por unanimidade, o Projeto de Lei n.º 3/2007, visando a alteração do Estatuto Político-
Administrativo dos Açores. Este projeto foi depois votado e unanimemente aprovado naquela câmara e,
posteriormente, presente à Assembleia da República. Nesse diploma continha-se um capítulo denominado
«Administração do Estado», no qual se incluía uma norma epigrafada de «organização judiciária», em cujo n.º 2
(parte final) se referia expressamente a existência de um tribunal de segunda instância. A Assembleia da
República veio a «varrer» essa referência do novo texto do Estatuto, deixando passar o artigo referente à
«organização judiciária» cingido apenas ao mínimo elementar: a existência de pelo menos um juízo de primeira
instância em cada ilha, com exceção do Corvo.
Pode até dizer-se que o Estatuto Político-Administrativo não é o instrumento jurídico adequado para albergar
tal temática, mas a relevância política da vontade expressa pelos Deputados de todos os partidos na Assembleia
Legislativa dos Açores é incontornável.
Acontece que, conforme consta da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, Lei
n.º 52/2008, de 28 de agosto, a reforma do mapa judiciário preconiza a instalação de um tribunal de segunda
instância em cada uma das NUT II, isto é, em cada uma das «regiões plano» do continente. Contudo, não se
previu o mesmo para as regiões autónomas, apesar de ser nestas que aquele critério faz mais sentido, por força
dos fatores de ordem geográfica e outros, que determinaram a autonomia política, com governo e instituições
próprias. No caso dos Açores, com o acréscimo dos antecedentes históricos e dos sinais políticos visando a
restauração do seu Tribunal da Relação.
Face ao exposto, entende-se que todas as razões que justificam a autonomia regional impõem, com igual
Página 27
9 DE MAIO DE 2023
27
justiça, que a região autónoma tenha o seu tribunal de segunda instância.
O recurso a Lisboa deverá ficar reservado ao Supremo Tribunal de Justiça e ao Tribunal Constitucional: O
primeiro para as grandes causas e a uniformização do direito e o segundo para a matéria específica que lhe
cabe.
A (re)instalação do Tribunal da Relação nos Açores afigura-se, neste contexto, uma realização
simultaneamente generosa, progressista e profundamente democrática.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º
1 do artigo 227.º e no n.º 1 do artigo 232.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do
artigo 36.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, apresenta à Assembleia da
República a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º
Alteração à Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto
Os artigos 29.º e 67.º e o Anexo I da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, alterada pelas Leis n.os 40-A/2016, de
22 de dezembro, 94/2017, de 23 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, pela Lei n.º 23/2018,
de 5 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, pelas Leis n.os 19/2019, de 19 de fevereiro,
27/2019, de 28 de março, 55/2019, de 5 de agosto, 107/2019, de 9 de setembro, e 77/2021, de 23 de novembro,
passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 29.º
[…]
1 – […]
a) […]
b) […]
c) […]
2 – Os tribunais judiciais de segunda instância são, em regra, os tribunais da Relação e designam-se pelo
nome do município em que se encontrem instalados, exceto nas regiões autónomas, em que adotarão a
designação da respetiva região.
3 – […]
4 – […]
Artigo 67.º
[…]
1 – Os tribunais da Relação são, em regra, os tribunais de segunda instância e designam-se pelo nome do
município em que se encontram instalados, exceto nas regiões autónomas, que adotarão a designação da
respetiva região.
2 – […]
3 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – […]
ANEXO I
(a que se refere o n.º 1 do artigo 32.º)
[…]
Tribunal da Relação de Lisboa
Página 28
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
28
Área de competência:
Comarcas: Lisboa, Lisboa Norte e Lisboa Oeste
[…]
Tribunal da Relação dos Açores
Área de competência:
Comarcas: Açores
Tribunal da Relação da Madeira
Área de competência:
Comarcas: Madeira»
Artigo 2.º
Regulamentação
O Governo procederá, no prazo de 60 dias, à regulamentação da presente lei.
Artigo 3.º
Vigência
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 20 de abril de 2023.
O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, Luís Carlos Correia Garcia.
———
PROPOSTA DE LEI N.º 80/XV/1.ª
ALTERA A LEI ELEITORAL PARA O PARLAMENTO EUROPEU
Exposição de motivos
A construção europeia e o desenvolvimento socioeconómico que pretendemos alcançar para as nossas
populações têm, ou deveriam ter, como premissa-base, o contributo de todas as suas regiões, sejam elas
marítimas, de montanha, insulares ou ultraperiféricas.
A importância das regiões europeias no cenário de uma Europa unida, justa, coesa e solidária é reconhecida
por todos e cada vez mais premente para que as respostas financeiras, sociais e legislativas sejam mais
adequadas às diferentes realidades e necessidades dos europeus, estejam eles mais perto ou mais distantes
dos centros de decisão europeus.
Neste sentido, e já como acontece em relação a outros países da União Europeia, nomeadamente Bélgica,
Irlanda, Itália e Polónia, a criação de mais círculos eleitorais para o Parlamento Europeu, para além do círculo
eleitoral único que vigora na maioria dos Estados-Membros, seria uma mais-valia para cumprir com o objetivo
de uma maior proximidade e identificação entre eleitores e eleitos.
Ademais, e no caso concreto de Portugal, a criação de um círculo eleitoral representativo de cada uma das
regiões autónomas não só seria mais representativo da organização política do nosso País como permitiria
garantir a presença de eleitos oriundos das regiões insulares e ultraperiféricas de Portugal, contribuindo, desta
Página 29
9 DE MAIO DE 2023
29
forma, para garantir, igualmente, a presença no Parlamento Europeu das nossas legítimas preocupações e
necessidades.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1
do artigo 227.º e no n.º 1 do artigo 232.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do
artigo 36.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, apresenta à Assembleia da
República a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º
Alteração à Lei n.º 14/87, de 29 de abril
O artigo 2.º da Lei n.º 14/87, de 29 de abril, alterada pela Lei n.º 4/94, de 9 de março, e pelas Leis Orgânicas
n.os 1/99, de 22 de junho, 1/2005, de 5 de janeiro, 1/2011, de 30 de novembro, 1/2014, de 9 de janeiro, e 1/2022,
de 4 de janeiro, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 2.º
Círculos eleitorais
1 – São instituídos três círculos eleitorais, um com sede em Lisboa, outro na Região Autónoma dos Açores,
com sede em Ponta Delgada, e outro na Região Autónoma da Madeira, com sede no Funchal, aos quais
correspondem três colégios eleitorais, tendo em conta o disposto nos números seguintes.
2 – O círculo eleitoral da Região Autónoma dos Açores e o círculo eleitoral da Região Autónoma da Madeira
elegem, respetivamente, dois Deputados.
3 – Os colégios eleitorais de cada um dos círculos eleitorais das Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira são os dos cidadãos com capacidade eleitoral ativa neles recenseados.»
Artigo 2.º
Produção de efeitos
A presente alteração produz efeitos no primeiro ato eleitoral, relativo à eleição de Deputados ao Parlamento
Europeu, subsequente à data da publicação do presente diploma.
Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 20 de abril de 2023.
O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, Luís Carlos Correia Garcia.
———
PROPOSTA DE LEI N.º 81/XV/1.ª
ALTERA A LEI QUE REGULA O FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS E DAS CAMPANHAS
ELEITORAIS
Exposição de motivos
A lei de financiamento dos partidos políticos visa assegurar a independência, transparência e reconhecimento
do papel essencial à democracia que estas associações representam e corporizam.
Pretende-se assim garantir a atividade de organizações fundamentais ao livre exercício da democracia
representativa, de forma objetiva e sindicável.
É certo que a Constituição da República Portuguesa proíbe a criação e existência de partidos regionais.
Página 30
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
30
Contudo, e sem prejuízo desse imperativo constitucional, há que adequar a lei à existência de autonomias
regionais, de parlamentos regionais, que preveem subvenções parlamentares aos respetivos grupos e
representações, e da larga autonomia que os estatutos dos partidos consagram para as suas estruturas das
regiões autónomas.
Donde se conclui que a possibilidade de essas estruturas partidárias, nas regiões autónomas, optarem por
solicitar número de identificação fiscal próprio justifica-se, pois aumenta a transparência e responsabilização das
respetivas estruturas, quer perante as entidades fiscalizadoras, quer perante os cidadãos em geral, atenta a
competência autónoma das mesmas para realizar despesa, bem como para serem beneficiárias de receitas
próprias, designadamente através dos respetivos grupos e representações parlamentares nos respetivos
parlamentos regionais.
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do
artigo 227.º e no n.º 1 do artigo 232.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do artigo
36.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, apresenta à Assembleia da República
a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º
Alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho
O artigo 14.º-A da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de
novembro, pelas Leis n.os 64-A/2008, de 31 de dezembro, 55/2010, de 24 de dezembro, e 1/2013, de 3 de
janeiro, pela Lei Orgânica n.º 5/2015, de 10 de abril, pela Lei n.º 4/2017, de 16 de janeiro, e pela Lei Orgânica
n.º 1/2018, de 19 de abril, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 14.º-A
Número de identificação fiscal
1 – […]
2 – Dispõem ainda de número de identificação fiscal próprio:
a) […]
b) […]
c) […]
d) As estruturas regionais dos partidos nacionais.
3 – O número de identificação fiscal próprio referido nas alíneas a), b) e c) do número anterior é atribuído,
uma vez admitida a candidatura, no início de cada campanha eleitoral e expira com a apresentação das
respetivas contas à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
4 – O número de identificação fiscal próprio referido na alínea d) do n.º 2 é atribuído mediante requerimento
dirigido à Autoridade Tributária e Aduaneira.»
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.
Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 20 de abril de 2023.
O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, Luís Carlos Correia Garcia.
———
Página 31
9 DE MAIO DE 2023
31
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 680/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A DEMISSÃO DO MINISTRO DAS INFRAESTRUTURAS, JOÃO
GALAMBA
Exposição de motivos
Nos primeiros minutos de dia 29 de dezembro acontecia o pedido de demissão1 do Ministro das
Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, que, segundo o próprio, teve por base «assumir a
responsabilidade política» decorrente da polémica indemnização referente à rescisão contratual da TAP com a
Eng.ª Alexandra Reis, cujos detalhes estão ainda por clarificar.
O pedido de demissão foi prontamente aceite pelo Primeiro-Ministro, António Costa, que entendeu proceder
a uma alteração orgânica no Executivo, separando, em duas pastas distintas, infraestruturas e habitação, ambas
acumuladas por Pedro Nuno Santos.
Essa alteração, aceite pelo Presidente da República, implicou a criação de novos ministérios e a nomeação
de novos ministros. No dia 4 de janeiro tomava posse João Galamba, como Ministro das Infraestruturas, para
assumir, entre outros, o controverso dossier TAP. A este respeito, refira-se que iniciou atividade, no dia 22 de
fevereiro, a Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP, doravante designada
CPITAP.
Em pouco mais de dois meses, desde que foi criada a CPITAP, chegou a público um rol de situações
cinzentas bem demonstrativas da degradação da moralidade que ocorre na gestão da coisa pública, envolta
numa promiscuidade que é hoje transversal e que mina o mais basilar dos deveres governativos: servir o País
e os seus cidadãos.
Vejamos: em 17 de janeiro, a escassos 13 dias da tomada de posse do Ministro João Galamba, acontecia
uma reunião entre membros do Governo, dos Ministérios das Infraestruturas e dos Assuntos Parlamentares, a
então CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, e o Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista,
Carlos Pereira.
O objetivo de realizar uma reunião preparatória na véspera de Christine Ourmières-Widener ser ouvida na
Comissão Parlamentar de Economia parece óbvio, porém esse encontro foi apenas tornado público mais de
dois meses depois, quando a mesma foi ouvida na CPITAP2, no dia 4 de abril, que confirmou a sua concretização
bem como de quem partiu a iniciativa de realização da referida reunião, confirmando que teria partido do atual
Ministro das Infraestruturas, João Galamba.
Nesta data começaram as polémicas à volta desta reunião, nomeadamente quem a requereu, se houve ou
não omissão de notas dessa reunião, um alegado roubo de computador com informação classificada, agressões
e demissões, que envolvem diretamente João Galamba e o então seu assessor Frederico Pinheiro.
Perante uma sucessão de informações contraditórias, acontecimentos dúbios, e pouco éticos, a 26 de abril
João Galamba formaliza a exoneração do seu assessor e, em conferência de imprensa, no dia 29 de abril,
garantia ter condições para ficar no cargo de Ministro das Infraestruturas.
Porém, e no seu seguimento sucedem-se novos episódios polémicos que estão ainda por clarificar,
nomeadamente quem solicitou a reunião, quem acionou o recurso ao Serviço de Informações de Segurança
(SIS), declarações3 que colidem com comunicados4 e outras situações pouco claras que culminam no pedido
de demissão do próprio Ministro das Infraestruturas, em 2 de maio, alegando considerar que «a preservação da
dignidade e a imagem das instituições é um bem essencial que importa salvaguardar»5.
João Galamba passou a ser visto perante a opinião pública, e de forma generalizada, como um ministro
fragilizado. Porém, o Primeiro-Ministro, António Costa, preferiu segurá-lo em prol da estabilidade, mesmo após
o seu pedido de demissão, contra a posição declarada do Presidente da República.
Os portugueses esperam e merecem mais e melhor do poder político e a mensagem que o Presidente da
República transmitiu aos portugueses, assumindo divergências de fundo com o Primeiro-Ministro, no rescaldo
1 Leia a carta de demissão de Pedro Nuno Santos na íntegra – CNN Portugal (iol.pt). 2 https://canal.parlamento.pt/?chid=18&title=emissao-linear. 3 João Galamba: De polémica em polémica até à mentira fatal (atualizado) – Política – Polígrafo (sapo.pt). 4 João Galamba contraria CEO da TAP: Foi ela quem pediu a reunião «secreta», ele aceitou – Expresso. 5 João Galamba demitiu-se – Política – Jornal de Negócios (jornaldenegocios.pt).
Página 32
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
32
da não aceitação, por parte do Primeiro-Ministro, do pedido de demissão de João Galamba foi clara e sublinha
a importância da confiança e da credibilidade nas instituições:
«É uma realidade objetiva, implica olhar para os custos objetivos daquilo que aconteceu: na credibilidade, na
confiabilidade, na autoridade do ministro, do Governo e do Estado (…) onde não há responsabilidade, na política
como na administração, não há autoridade, respeito, confiança, credibilidade (…) um governante sabe que ao
aceitar sê-lo aceita ser responsável por aquilo que faz e não faz, e também por aquilo que fazem ou não fazem
aqueles que escolhe, e nos quais é suposto mandar».
Tem sido opinião consensual da sociedade civil, mas também de diversos politólogos, políticos e ex-políticos,
que, independentemente do seu posicionamento partidário, o Primeiro-Ministro, António Costa, cometeu um
gravíssimo erro político, ao permitir a continuação do Ministro das Infraestruturas, João Galamba, na sua
posição, e tal facto poderá ter consequências muito negativas no futuro político do País, dificultando ainda mais
a tão ambicionada estabilidade política.
E se desejamos realmente essa estabilidade, a confiança nas instituições do Estado é fundamental para
adquiri-la e assim garantir o funcionamento adequado do nosso sistema político. É precisamente a falta de
confiança que afasta as pessoas do processo democrático, promove o ceticismo e o desrespeito pelas leis e
instituições do Estado.
Assim, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentalmente aplicáveis, os Deputados do Grupo
Parlamentar do Chega recomendam ao Governo que:
Proceda a uma remodelação governamental que inclua a substituição imediata do atual Ministro das
Infraestruturas, João Galamba.
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
Os Deputados do CH: André Ventura — Bruno Nunes — Diogo Pacheco De Amorim — Filipe Melo — Gabriel
Mithá Ribeiro — Jorge Galveias — Pedro dos Santos Frazão — Pedro Pessanha — Pedro Pinto — Rita Matias
— Rui Afonso — Rui Paulo Sousa.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 681/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A ELABORAÇÃO DE UM PLANO DE RESTAURO ECOLÓGICO
Em 22 de junho de 2022, a Comissão Europeia (CE) apresentou a sua proposta de novo regulamento relativo
ao restauro da natureza1, visando assim contribuir para a recuperação de uma natureza que se pretende mais
bio diversa e resiliente tanto nas zonas terrestres como nas marítimas da União Europeia (UE). Através do
restauro de ecossistemas, pretende-se ainda contribuir para o cumprimento dos objetivos da UE em matéria de
mitigação e adaptação às alterações climáticas.
Os países da UE deverão apresentar à Comissão, no prazo de dois anos após a entrada em vigor do
regulamento, planos nacionais de recuperação que mostrem como irão cumprir os objetivos. Terão também de
monitorizar e apresentar relatórios sobre os seus progressos. À Agência Europeia do Ambiente caberá a
elaboração de relatórios técnicos regulares sobre os progressos realizados na consecução dos objetivos e à CE
a apresentação ao Parlamento Europeu e ao Conselho de um relatório sobre a aplicação da Lei de Restauro da
Natureza.
A proposta jurídica de uma lei de restauro da natureza constitui uma enorme oportunidade para trazer a
natureza de volta à Europa, beneficiando tanto a biodiversidade como o clima e as pessoas. A recuperação de
ecossistemas como as turfeiras, as florestas e as pradarias de ervas marinhas pode ajudar a reduzir as emissões
1 https://environment.ec.europa.eu/publications/nature-restoration-law_en.
Página 33
9 DE MAIO DE 2023
33
e a sequestrar milhões de toneladas de carbono por ano. Em termos sociais, representa um contributo para a
saúde humana e para a segurança alimentar a longo prazo, bem como, em termos socioeconómicos, para a
criação de empregos sustentáveis. Acresce ainda que, de acordo com a avaliação de impacto da CE, o
investimento na recuperação da natureza acrescenta entre 8 euros e 38 euros de valor económico por cada 1
euro gasto, em resultado dos serviços ecossistémicos.
Do mesmo modo, segundo um estudo científico publicado no passado mês de março2, a recuperação das
populações de animais selvagens do mundo pode contribuir, em 95 %, para o objetivo global de extrair 500 giga-
toneladas de carbono da atmosfera, a quantidade de carbono que precisamos de remover da atmosfera para
atingir o objetivo de 1,5ºC. De acordo com a mesma análise, o maior potencial poderá ser o restabelecimento
dos ecossistemas marinhos através do aumento da biomassa das populações de peixes – que podem transferir
carbono do oceano superior para o fundo do mar, através de processos digestivos e outros processos naturais.
O mesmo estudo defende assim que os animais selvagens devem ser entendidos como soluções climáticas e,
por conseguinte, incluídos na agenda natureza-clima; o aumento do financiamento para a natureza e a vida
selvagem em pelo menos 10 vezes; e a triplicação dos objetivos de conservação 30x30.
À data, não se conhece que Portugal tenha em preparação – ou esteja a ultimar – as obrigações que
decorrem da Lei do Restauro Ecológico, nomeadamente a elaboração de um plano nacional de recuperação
que mostre como serão cumpridos os objetivos, o qual deve ficar sujeito a monitorização da sua implementação
e à apresentação de relatórios de progresso.
O restauro ecológico é um tema tão ou mais premente quanto é o facto de, no nosso País, a biodiversidade
estar em acentuado declínio desde o início dos anos 70. Um panorama que, ao atual ritmo e a manterem-se os
atuais padrões de consumo e de desenvolvimento, poderá resultar numa perda de biodiversidade incalculável
até ao final deste século, conforme alertam diversos especialistas3 num estudo financiado pelo Fundo Ambiental,
segundo os quais urge criar uma estrutura de adaptação climática da biodiversidade4.
De acordo com os autores desta proposta, uma tal estrutura «resulta da identificação de refúgios climáticos
de retenção e deslocação, ou seja, áreas onde as espécies se mantêm, apesar das alterações climáticas».
Adicionalmente, para facilitar a mobilidade das espécies, na necessidade de se adaptarem às alterações
climáticas, devem ser criadas e otimizadas «áreas de conetividade climática» que visam, precisamente, interligar
as áreas nucleares que integram o Sistema Nacional de Áreas Classificadas e os refúgios climáticos,
contribuindo, desta forma, para a expansão da área protegida total e para o cumprimento do objetivo de
classificação de 30 % do território.
Segundo um outro estudo5, que procedeu à identificação de locais que podem vir a servir de refúgio climático
na Europa mediterrânica nos próximos 50 anos, a maioria desses locais situa-se fora das áreas protegidas
atualmente existentes: apenas 17 % da superfície dos refúgios potenciais se situa no interior das zonas
protegidas existentes. Adicionalmente, quase metade (46 %) de toda a área de refúgio potencial situa-se em
terrenos atualmente agrícolas, o que pode limitar as medidas de conservação, devido a potenciais conflitos
sobre a utilização dos solos.
Tais conclusões permitem inferir que existem importantes lacunas de proteção das espécies, as quais importa
suprir em sede de um melhor e mais informado planeamento da conservação da natureza. Os investigadores
responsáveis por este estudo concluíram ainda que a Grécia, o Chipre e a Itália registaram os níveis mais
elevados de cobertura de refúgios climáticos por país (52 %, 37 % e 30 %, respetivamente), ao passo que
Portugal, Espanha e Eslovénia apresentavam os níveis mais baixos (10 %, 9 % e 0 %, respetivamente).
A par do acima exposto, para que possa haver lugar a uma mudança paradigmática que passe pela aposta
em medidas de política de conservação da natureza que incluam o restauro ecológico, o aumento da área com
estatuto de proteção e a criação de refúgios climáticos para a biodiversidade, urge, igualmente, densificar a
estrutura e as medidas de financiamento na biodiversidade. De acordo com a OCDE, para a concretização dos
Objetivos de Biodiversidade 2030 seria necessário apenas um investimento na ordem de 1 % do PIB mundial6.
Ao passo que, segundo uma estimativa conservadora, um colapso de serviços selecionados, como a polinização
selvagem ou as florestas nativas, poderá resultar num declínio significativo no PIB mundial: 2,7 biliões de dólares
2 https://www.nature.com/articles/s41558-023-01631-6. 3 https://www.publico.pt/2022/05/20/azul/noticia/perda-biodiversidade-maiores-desafios-seculo-ha-missao-preservar-2007083. 4 http://www.maraujolab.eu/biodiversidade-2030/?dl=0. 5 https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/gcb.16072. 6 https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/9789264040519-sum-en.pdf?expires=1683207617&id=id&accname=ocid194648&checksum=F26 70647BA3D245E10F22BFE4837ACE8.
Página 34
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
34
em 2030, sendo que, nos países de baixo rendimento e de rendimento médio-baixo, as quedas no PIB de 2030
podem ser superiores a 10 %7.
A Estratégia Europeia de Biodiversidade 2030 determina que a manutenção e restauro do capital natural na
Europa irá requerer investimentos na ordem dos 20 mil milhões de euros anuais. Representando a economia
portuguesa 1,3 % do PIB da União Europeia, o investimento nacional na conservação da biodiversidade deveria
ser pelo menos da ordem dos 260 milhões de euros por ano8, cujo financiamento deveria ter proveniência de
mecanismos públicos (comunitários e nacionais) e privados. Um valor que poderia fazer a diferença e que,
olhando, por exemplo, para a Conta Geral do Estado de 2021, poderia ser perfeitamente enquadrável, sobretudo,
atendendo a que 84 % do orçamento do Fundo Ambiental – 489 milhões de euros – foram alocados a rubricas
diversas relacionadas com a EDP e apenas 1,6 % foi usado para fins efetivamente ambientais. Por outro lado,
para além de uma mais justa distribuição das verbas públicas, constituiriam interessantes fontes de
financiamento da conservação da natureza as receitas provenientes de instrumentos como utilizador-pagador
(aplicar aos utentes das áreas protegidas); poluidor-pagador (a aplicar de forma penalizadora para a degradação
dos valores naturais); um sistema de remuneração dos serviços ecossistémicos ou uma política fiscal que
incentive os atores económicos a investir/financiar projetos de biodiversidade, em linha com o defendido pelos
autores do estudo Biodiversidade 20309.
Nestes termos, a abaixo assinada, Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições
constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República
Portuguesa, recomendar ao Governo que:
1 – Diligencie ainda no presente ano no sentido de dar cumprimento, já em 2024, ao disposto no novo
regulamento da Lei do Restauro Ecológico, nomeadamente através da elaboração de um plano nacional de
recuperação, com metas de cumprimento, respetivo horizonte temporal e fontes de financiamento;
2 – Crie um grupo de trabalho com vista à preparação de uma estrutura de adaptação climática da
biodiversidade, assegurando para tal a revisão e devida articulação dos regimes jurídicos da conservação da
natureza e da biodiversidade, dos instrumentos de gestão territorial, da reconversão da paisagem e demais
diplomas aplicáveis;
3 – Assegure que, no âmbito do grupo de trabalho referido no n.º 2, é apresentada uma proposta de modelo
de financiamento para a conservação e restauro da biodiversidade.
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 682/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A INCLUSÃO DO SISTEMA HÍBRIDO DE PERFUSÃO SUBCUTÂNEA
CONTÍNUA DE INSULINA NO REGIME DE COMPARTICIPAÇÃO DOS DISPOSITIVOS MÉDICOS
Exposição de motivos
A diabetes tipo 1 é uma doença crónica autoimune que se desenvolve maioritariamente em crianças e jovens.
Esta doença é caracterizada pela particularidade em que o próprio organismo ataca as células que produzem
7 https://openknowledge.worldbank.org/server/api/core/bitstreams/9f0d9a3a-83ca-5c96-bd59-9b16f4e936d8/content. 8 http://www.maraujolab.eu/biodiversidade-2030/?dl=0. 9 Idem.
Página 35
9 DE MAIO DE 2023
35
insulina, pelo que a sua consequência óbvia é a falta da mesma. Esta falta de insulina, naturalmente, tem de ser
compensada, e esta compensação faz-se através da administração de insulina recorrente, por forma de
injeções, algo que as pessoas com diabetes tipo 1 têm de fazer diariamente. Em caso de falha, estas pessoas
correm o risco de sofrerem problemas como insuficiência renal, cegueira ou doenças cardiovasculares, pelo que
o tratamento desta doença assume um papel central na vida destas pessoas. Pelo facto de terem de monitorizar
intensivamente os seus níveis de glicémia e de estarem dependentes de injeções diárias de insulina, as pessoas
que sofrem de diabetes tipo 1 veem a sua vida completamente alterada em função desta condição. Mais: visto
esta doença predominar em crianças e jovens, para estes o processo de aprendizagem torna-se ainda mais
difícil, percebendo desde cedo as suas diferenças em relação às outras crianças devido à particularidade da sua
condição e vendo a sua atividade diária de convívio, divertimento e de aprendizagem visada.
Atualmente, com o avanço da tecnologia, o sistema híbrido de perfusão subcutânea contínua de insulina tem
uma performance que se aproxima em muito da do pâncreas artificial – uma vez que administra insulina
automaticamente e se ajusta às necessidades individuais das pessoas com diabetes – e assegura uma melhoria
da saúde e qualidade de vida das pessoas com diabetes (especialmente as crianças e jovens) – já que
proporciona às pessoas com diabetes tipo 1 melhor compensação, uma redução de 80 % do número de picadas
nos dedos e de 95 % do número de injeções por ano.
Apesar de trazer melhorias significativas à vida das pessoas com diabetes, no nosso País o sistema híbrido
de PSCI não chega a estas pessoas devido ao seu custo incomportável para muitas famílias – 2000 euros a
cada 4 anos.
Os elevados custos deste sistema levaram a que países como a Alemanha, Bélgica, Eslovénia, Espanha,
França, Itália e Reino Unido assegurassem a respetiva comparticipação. Desta forma, com a presente iniciativa,
o PAN pretende que o Governo tome diligências por forma a garantir a inclusão do sistema híbrido de perfusão
subcutânea contínua de insulina no regime de comparticipação dos dispositivos médicos.
Atualmente, em Portugal os sensores e consumíveis deste sistema já são comparticipados pelo Estado, pelo
que o alargamento que o PAN propõe que seja estudado pelo Governo traria apenas o acréscimo de um custo
de 2000 euros a cada 4 anos com a aquisição do dispositivo, que no médio prazo poderão trazer uma elevada
poupança de dinheiros públicos com a significativa redução de complicações e internamentos das pessoas com
diabetes.
Nestes termos, a abaixo assinada, Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições
constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República
Portuguesa, recomendar ao Governo que tome as diligências necessárias a assegurar a inclusão do sistema
híbrido de perfusão subcutânea contínua de insulina no regime de comparticipação dos dispositivos médicos.
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 683/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DOS SERVIÇOS DIGITAIS E A
PROMOÇÃO DE AÇÕES DE SENSIBILIZAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O COMBATE AO DISCURSO DE
ÓDIO ONLINE E CIBERBULLYING
Viver na era digital traz inúmeras possibilidades e desafios. Por um lado, as tecnologias permitem uma
conexão instantânea, a partilha de informação de forma ampla. No entanto, esta permanente conetividade traz
diversos riscos, não só no âmbito da privacidade e segurança dos dados pessoais, como na proliferação de
Página 36
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
36
desinformação e do discurso de ódio online. Por tudo isto, a transformação digital da Europa constitui uma das
seis prioridades da Comissão Europeia para o quinquénio 2019-2024.
O ato legislativo sobre os serviços digitais (DSA)1 e o ato legislativo para o mercado digital (DMA)2 constituem
um conjunto único de regras aplicáveis em toda a UE, com dois objetivos principais, designadamente o de criar
um espaço digital mais seguro no qual sejam protegidos os direitos fundamentais de todos os utilizadores de
serviços digitais e criar condições equitativas para promover a inovação, o crescimento e a competitividade,
tanto no mercado único europeu como a nível mundial.
Na sequência da adoção do pacote «Serviços Digitais» em primeira leitura pelo Parlamento Europeu em
julho de 2022, tanto o ato legislativo sobre os serviços digitais como o ato legislativo sobre os mercados digitais
foram adotados pelo Conselho da União Europeia e entraram em vigor a 16 de novembro de 2022.
O DSA será diretamente aplicável em toda a UE e aplicar-se-á no prazo de quinze meses ou a partir de 1 de
janeiro de 2024, consoante a data que ocorrer mais tarde, após a entrada em vigor.
Para as plataformas em linha, devem publicar o seu número de utilizadores ativos até 17 de fevereiro de
2023, sendo que, se a plataforma ou um motor de pesquisa tiver mais de 45 milhões de utilizadores (10 % da
população na Europa), a Comissão designará o serviço como uma plataforma em linha muito grande ou um
motor de pesquisa em linha muito grande. Estes serviços disporão de quatro meses para cumprir as obrigações
do DSA, o que inclui a realização e a apresentação à Comissão da sua primeira avaliação anual dos riscos. Os
Estados-Membros da UE terão de nomear coordenadores dos serviços digitais até 17 de fevereiro de 2024,
quando também as plataformas com menos de 45 milhões de utilizadores ativos tiverem de cumprir todas as
regras do DSA.
Em cada Estado-Membro, a estrutura de controlo e supervisão assentará na ação de um coordenador dos
serviços digitais (CSD) que assumirá a responsabilidade por todas as matérias relativas à aplicação e execução
da lei de serviços digitais, com um conjunto de poderes regulatórios, sancionatórios, de supervisão e de
fiscalização.
Em Portugal, mostra-se necessário criar uma entidade nova que desempenhe as funções de CSD, em
cumprimento estrito dos requisitos de imparcialidade e de independência exigidos, como entidade administrativa
independente com funções de regulação de uma atividade económica.
Embora se mostre ainda em cumprimento do prazo, é urgente priorizar esta questão, principalmente no que
diz respeito à proteção dos utilizadores mais vulneráveis: as crianças e os jovens.
O discurso de ódio e a discriminação online são problemas cada vez mais comuns, com fortes impactos
negativos em pessoas de todas as idades, mas especialmente em jovens, no processo de formação da sua
identidade e valores.
Em Portugal, assim como em muitos outros países, há um aumento significativo de casos de discurso de
ódio e de discriminação online, que incluem racismo, xenofobia, homofobia, sexismo e intolerância religiosa.
Comportamentos que podem levar a danos psicológicos, como depressão e ansiedade, bem como à
marginalização e à exclusão social. Além disso, o discurso de ódio e a discriminação online podem levar a crimes
de ódio, como ameaças, assédio e violência física, que são uma ameaça à segurança e à integridade física da
pessoa.
Ainda que o Código Penal, no seu artigo 240.º, preveja e puna a discriminação e incitamento ao ódio e à
violência, torna-se claro que ainda há espaço para melhorias na legislação e na aplicação das leis, bem como
na formação, na consciencialização e na sensibilização.
No parecer3 do Conselho Económico e Social, aprovado no Plenário do CES de 3 de março de 2023, refere
a violência exercida online na vertente da violência contra as mulheres e a violência doméstica (VMVD) «como
parte prevalente da violência baseada no género, em geral, um conceito mais lato, que abrange atos de violência
que afetam desproporcionalmente as mulheres, ainda que os homens também possam ser vítimas de violência
doméstica, bem como as crianças», acrescentando que os «crimes (…) de assédio sexual, femicídio, discurso
de ódio e crimes com base no sexo, bem como diversas formas de violência exercida online (ciberviolência)
constituem tipicamente formas de violência contra as mulheres».
O CES refere, neste âmbito, que o artigo 152.º do Código Penal deveria incluir a violência cometida online
1 The Digital Services Act: ensuring a safe and accountable online environment (europa.eu). 2 The Digital Markets Act: ensuring fair and open digital markets (europa.eu). 3 Parecer – VD – Aprovado em Plenário –3 marco.pdf (ces.pt).
Página 37
9 DE MAIO DE 2023
37
(ciberviolência) como matéria criminalizável.
É necessário que, no âmbito do grupo de trabalho e no plano nacional para combate a discursos de ódio
online, recentemente aprovado pela Assembleia da República, se discuta de forma séria a solução legislativa a
adotar, não descurando que é uma matéria sensível e cuja fronteira com o direito à opinião e liberdade de
expressão tem de ser delineada de forma cuidada, mas não esquecendo que estas condutas revestem o
conceito de violência e, por vezes, espoletam a violência física.
Foram conhecidos casos de jovens que se suicidaram pelo ódio e pelo bullying de que haviam sido vítimas
nas redes sociais. Por outro lado, conhecemos igualmente situações de ataques à democracia, como o caso da
invasão da sede dos Três Poderes no Brasil ou a invasão do Capitólio nos EUA, que foram movimentos
alimentados pelo ódio nas redes sociais ou até mesmo o caso do Facebook e a minoria Rohingya, chegando a
plataforma a admitir, em 2018, que «não teria feito o suficiente para prevenir o incitamento à violência e ao
discurso de ódio contra a minoria Rohingya».
De acordo com o novo projeto «Dove Self-Esteem Project Research for Kids Online Safety 2023», 94 % dos
especialistas em saúde mental afirmam que as redes sociais estão a alimentar uma crise de saúde mental entre
os jovens. Mais de 8 em cada 10 crianças estão a ser expostas a conteúdos de beleza tóxicos, com as redes
sociais a estarem diretamente associadas a uma crise de saúde mental dos jovens, tendo criado, para o efeito,
uma petição internacional com vista a levar o tema a discussão ao Parlamento Europeu.
Por outro lado, o «Movimento Contra o Discurso de Ódio – Jovens pelos Direitos Humanos online» foi uma
campanha do setor de juventude do Conselho da Europa, que decorreu até final de 2017, feita pelos jovens e
com os jovens, e continua a ter como principal objetivo o combate ao discurso de ódio e à discriminação na sua
expressão online. Entende o movimento que discurso de ódio engloba «todas as formas de expressão que
propagam, incitam, promovem ou justificam o ódio racial, a xenofobia, a homofobia, o antissemitismo e outras
formas de ódio baseadas na intolerância».
Com o desenvolvimento da internet e das redes sociais a participação no ciberespaço é ampla, o que pode
resultar em abusos e violações dos direitos humanos, como é o caso do discurso de ódio em diversos formatos
e o ciberbullying, é necessário combater estas violações urgentemente.
Nestes termos, a abaixo assinada, Deputada Única do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições
constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1 – Priorize a implementação da Lei de Serviços Digitais, especialmente no que diz respeito às medidas para
proteção dos utentes mais vulneráveis;
2 – Crie a figura do coordenador nacional de serviços digitais, como entidade administrativa independente
com funções de regulação da atividade económica dos serviços digitais, com a atribuição de um conjunto de
poderes regulatórios, sancionatórios, de supervisão, de fiscalização e de garantia de direitos, nomeadamente
no que diz respeito ao discurso de ódio;
3 – Capacite o coordenador de serviços digitais com os recursos adequados para a prossecução das suas
funções;
4 – Promova ações de sensibilização para o discurso de ódio online e os seus riscos, bem como a necessária
literacia nesta área, com vista a capacitar os jovens na defesa dos direitos humanos e ações de participação da
juventude e a cidadania digital;
5 – Promova ações de formação de combate ao discurso de ódio online em meio escolar tendo como
destinatários/as os/as estudantes, professoras/es e funcionários/as.
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
———
Página 38
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
38
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 684/XV/1.ª
CRIA UM GRUPO DE TRABALHO SOBRE O TRANSPORTE DE ANIMAIS VIVOS PARA PAÍSES
TERCEIROS
Exposição de motivos
Segundo a União Europeia, entre 2017 e 2021, Portugal exportou para fora da União Europeia cerca de 219
milhões de animais de capoeira e quase 35 milhões de suínos. Para além disto, é sabido que estas viagens
podem ser de curta ou de longa duração, podendo atingir mais de 24 horas. Nestas viagens são raras as
situações em que o bem-estar dos animais está contemplado. São frequentes os transportes em que os animais
têm muito pouco espaço, não estão asseguradas condições mínimas de higiene e o acompanhamento
veterinário é pouco ou nenhum. Destas condições podem resultar feridas nos animais ou até a morte dos
mesmos. O stress colocado nos animais, por força destas condições de transporte, faz com que estes adotem
comportamentos de revolta, podendo atacar outros animais ou até autoflagelar-se. Para além disto, a própria
qualidade da carne poderá ficar danificada, havendo riscos sérios para a saúde humana, pelo que é de maior
interesse para o consumidor que o produto que irá consumir seja de qualidade.
Não é de agora que existem várias preocupações sobre o transporte de animais vivos para países terceiros.
No Regulamento (CE) n.º 1/2005, do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, a Comissão Europeia recomenda
que deverá ser limitado ao máximo o transporte de longo curso de animais para abate. Para além disto, é
destacado que também deverão ser limitadas as operações de cargas e descargas de animais, porque estas
aumentam o stress sobre os animais e poderão levar à propagação de doenças infeciosas.
Esta pretensão de garantir o bem-estar dos animais vivos transportados para países terceiros tem sido
acompanhada por vários países europeus, nomeadamente a Alemanha e os Países Baixos, que
progressivamente têm limitado cada vez mais este tipo de transporte.
Recentemente esta discussão foi novamente reacesa, por força da revisão legislativa lançada pela Comissão
Europeia sobre o bem-estar animal, algo que já não era feito desde 2005. A propósito desta revisão foram
inquiridas quase 60 mil pessoas sobre a atual legislação europeia de bem-estar animal e, mais concretamente,
sobre o transporte de animais vivos. Sobre este tema, 95 % das pessoas inquiridas apoiam a introdução de um
limite máximo de transporte e 94 % defendem que a exportação de animais vivos para países fora da União
Europeia deveria ser proibida. Apesar de a população e as associações de proteção animal falarem em uníssono
pelo fim deste transporte, percebemos a resistência demonstrada pelas empresas e exportadoras. Ignorando
todas as questões éticas, de bem-estar animal e de saúde humana, esta é uma prática lucrativa para os mesmos
e poderá ser-lhes difícil adaptar o seu método de produção a uma nova realidade legislativa que proíbe o
transporte de animais vivos para países terceiros.
O bem-estar animal é um elemento estrutural para um sistema sustentável de produção alimentar. Na
atualidade, é evidente que este bem-estar não está garantido, pelo que deve ser da competência não só da
Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, como da Assembleia da República de considerar e legislar sobre
esta questão. Este processo é político, por inerência, mas deve ser feito com base nas evidências científicas, e
estas demonstram claramente que o bem-estar animal deve ser uma prioridade.
De forma que seja possível ouvir a população, analisar pareceres científicos e acolher as demais entidades
interessadas, propomos que seja criado um grupo de trabalho que incida sobre o transporte de animais vivos
para países terceiros. Findo o trabalho deste grupo, será possível legislar de forma adequada à realidade e às
evidências científicas.
Nestes termos, a abaixo assinada, Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições
constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe à Assembleia da República o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República
Portuguesa, criar um grupo de trabalho com vista à revisão e alteração da legislação aplicável ao transporte de
animais vivos para países terceiros, adequando-a a factos conhecidos e comprovados por estudos científicos,
com a necessária participação da sociedade civil e organizações não governamentais que desenvolvam o seu
trabalho nesta área.
Página 39
9 DE MAIO DE 2023
39
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 685/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE REVERTA A DECISÃO DE MANTER AS PROVAS DE AFERIÇÃO
DIGITAIS PARA OS ALUNOS DO SEGUNDO ANO DE ESCOLARIDADE
A introdução do formato digital das provas de aferição dos 2.º, 5.º e 8.º anos foi motivo de contestação da
Iniciativa Liberal, mas também de grande parte da comunidade educativa. Contudo, no que diz respeito aos
alunos do 2.º ano de escolaridade, ou seja, crianças entre 7 e 8 anos de idade, a decisão do Ministério da
Educação gerou níveis alarmantes de preocupação. O Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) constrói as provas
de aferição com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento do currículo nas diferentes áreas, fornecer
informação às escolas e à tutela sobre o desempenho dos alunos e permitir uma intervenção pedagógica
atempada, tendo em conta os resultados das provas. Segundo o documento-prova disponibilizado pelo IAVE,
as «provas de Português e Estudo do Meio (código 25) e Matemática e Estudo do Meio (código 26) são
realizadas, unicamente, em formato digital».
A Iniciativa Liberal considera que não estão reunidas as condições necessárias para submeter crianças do
2.º ano de escolaridade a provas digitais por várias razões.
A primeira está relacionada com o facto de não se ter procedido a uma análise e estudo aprofundado sobre
as capacidades de crianças com esta idade realizarem provas escritas em computadores. Nestas idades, as
crianças estão a consolidar as aprendizagens feitas no 1.º ano, a conhecer o alfabeto e os grafemas, a
transcrever e escrever textos manualmente o que torna o método online menos eficaz para que os alunos
consigam demonstrar os conhecimentos aprendidos. Segundo docentes, terapeutas da fala e outros
profissionais na área da educação, as crianças passam muito tempo a procurar as letras no teclado, sobretudo
nas respostas de composição e descrição. Para que estas provas sejam de caráter universal, importa garantir
justamente que há capacidades de as aplicar a nível universal, mas a Iniciativa Liberal considera que o projeto-
piloto realizado no ano letivo 2021/2022 não foi suficiente para indicar, detetar e acautelar todos os
constrangimentos relacionados com a realização das provas de aferição digital das crianças no 2.º ano de
escolaridade. Consideramos ainda que não foi realizado um trabalho preparatório prévio, que é extremamente
necessário para que as crianças consigam, com segurança e preparação, realizar as provas em computador.
Outra razão prende-se com as dificuldades e falta de condições técnicas que muitas escolas apresentam e
que provocam alguns receios para que as provas digitais sejam concretizadas com sucesso. As mais apontadas
são a ausência de profissionais para apoio técnico antes, durante e depois das provas e os problemas de rede
da internet. No passado dia 19 de abril, numa sessão online, iniciativa conjunta do IAVE e da Confederação
Nacional das Associações de Pais (CONFAP), o próprio Presidente do IAVE referiu estarem ainda «a meio de
um projeto de transição digital nas escolas, na avaliação externa», e ainda, no passado dia 1 de maio, em
entrevista à agência Lusa, Luís Pereira dos Santos reconheceu que as condições nas escolas «ainda não são
as ideais, mas o IAVE tentou desenvolver um sistema que pudesse mitigar essas dificuldades». Reconhecendo
a falta de condições em várias escolas do País, o IAVE criou um modelo que pode ser feito offline «em que a
internet não é necessária ou em que não é sempre necessária». Apesar da criação deste modelo alternativo
offline, é possível referir que a transição das provas de aferição em papel para o digital, sobretudo no 2.º ano de
escolaridade, foi precipitada.
Um terceiro motivo de preocupação prende-se com a diferença de metodologias pedagógicas nas várias
escolas do País. Já são muitas as escolas que põem em prática um ensino híbrido, com a utilização de variados
materiais digitais de apoio à aprendizagem, mas em muitas outras o ensino tradicional prevalece, em que o
contacto dos alunos com equipamentos digitais é ainda bastante reduzido. Ademais, nem todas as crianças têm
equipamentos digitais em casa para poderem treinar a escrita em equipamento digital, o que, para além de se
Página 40
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
40
tornar um fator de ansiedade totalmente desnecessário, comprova que o acompanhamento fora do meio escolar
é muito desigual o que significa que a avaliação externa por esta via irá agravar a reprodução das desigualdades
sociais. Existe, por isso, o receio de se estar a testar os conhecimentos digitais das crianças e não os
conhecimentos adquiridos.
É fundamental que, no que diz respeito à transição digital na educação e, neste caso, para a introdução de
provas digitais em substituição das provas manuais, sejam asseguradas todas as condições necessárias e
antecipados todos os desafios que enfrentarão as escolas, professores e alunos, de forma a proporcionar uma
transição harmoniosa e sem pressão adicional.
Por fim, a falta de autonomia de algumas crianças para conseguirem realizar adequadamente os
procedimentos durante as provas eletrónicas, como, por exemplo, conseguir voltar um passo atrás para alterar
uma resposta, ou confirmar a submissão da prova, é também motivo de inquietação para muitos pais e
professores.
Há muito que a Iniciativa Liberal tem vindo a alertar sobre esta problemática, não só das provas e dos exames
como da desmaterialização do ensino em geral. Tem sido debatido o tema em comissão e apresentadas
propostas com o objetivo de acautelar a efetiva capacidade de implementação destas medidas, e sempre com
a preocupação de que não sejam agravadas as reproduções das desigualdades sociais. Foi o caso do Projeto
de Resolução n.º 494/XV/1.ª, que foi chumbado, que previa a reavaliação da decisão da digitalização das provas
finais de ciclo no 9.º ano de escolaridade. A Iniciativa Liberal continuará a insistir neste tema até que sejam
analisadas e reunidas todas as condições para que todos os alunos, independentemente da escolaridade,
estejam devidamente preparados para realizar as provas em formato digital.
Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da
República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo
Parlamentar da Iniciativa Liberal apresenta o seguinte projeto de resolução:
Resolução
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera
recomendar ao Governo, com caráter de urgência, que:
– Reverta a decisão da realização das provas em formato digital para os alunos do 2.º ano de escolaridade,
retomando a realização das provas de aferição em formato papel até que todas as condições necessárias para
a realização em formato digital estejam reunidas.
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
Os Deputados da IL: Carla Castro — João Cotrim Figueiredo — Bernardo Blanco — Carlos Guimarães Pinto
— Joana Cordeiro — Patrícia Gilvaz — Rodrigo Saraiva — Rui Rocha.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 686/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE CRIE ESTRATÉGIAS PARA DEBELAR AS SITUAÇÕES DE
ASSÉDIO MORAL E SEXUAL NO ENSINO SUPERIOR
O assédio moral e o assédio sexual constituem uma afronta contra a dignidade e a integridade, física ou
psicológica, das vítimas. São comportamentos que visam humilhar e subalternizar pessoas face a outras, com
consequências destrutivas para as vítimas e para a sociedade. Uma sociedade que aceita, encoraja ou ignora
situações de assédio moral e sexual não é uma sociedade livre, não é uma sociedade inclusiva, não é uma
Página 41
9 DE MAIO DE 2023
41
sociedade que permite a todos viverem as suas vidas condignamente. As humilhações não são aceitáveis numa
sociedade que visa o progresso de todos os indivíduos, que quer que todos os indivíduos possam procurar a
sua felicidade, em liberdade e com igualdade de oportunidades. Todos somos iguais em dignidade. Ninguém
tem o direito de tentar destruir essa dignidade, humilhando e ofendendo moral e sexualmente outras pessoas.
O assédio moral e o assédio sexual são patologias sociais graves, que urge combater.
As instituições de ensino superior são espaços de descoberta, de inovação, de desenvolvimento pessoal.
São espaços de liberdade. São espaços em que todos devem ser livres de aprender e de ensinar, de explorar
novas ideias, de debater, de conviver com outros, vendo respeitada a sua liberdade e a sua dignidade. Alunos,
professores e os vários profissionais que convivem diariamente em instituições de ensino superior devem poder
conviver livres de humilhações e abusos que atentam contra a sua dignidade e integridade. O assédio moral e
o assédio sexual corrompem as instituições de ensino superior, degradando a vida das vítimas e impedindo
estas instituições de cumprir, verdadeiramente, as suas relevantíssimas funções sociais. Infelizmente, estes
comportamentos continuam a existir em instituições de ensino superior em Portugal.
Felizmente, o véu de silêncio imposto pela endogamia e a cultura de silêncio e encobrimento que esta gera
começam a ser levantados e o tema começa a ser debatido na praça pública. Exemplos recentes que se
destacam são as investigações ocorridas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 2022, e a
recente denúncia relativa ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, mas muitos outros
exemplos há de denúncias e investigações. Importa encorajar que as vítimas de assédio moral e sexual
denunciem estes casos. Apesar de haver já debate público sobre o tema, não é necessariamente verdade que
todos os casos existentes sejam efetivamente denunciados, por medo ou falta de apoio à vítima. O número real
de casos continua por apurar, sendo importante haver investigações de qualidade quanto a esta matéria.
A Assembleia da República, enquanto representante do povo português, não pode ficar em silêncio perante
esta situação. Deve pronunciar-se e agir de forma a assegurar que, por um lado, o enquadramento legislativo
vigente é adequado a lidar devidamente com o tema, mas também, por outro, a assegurar que o Governo está
a dar resposta adequada, aplicando devidamente as leis já em vigor, não apenas relativamente ao Estado, mas
também perante entidades do setor social e privado. As instituições de ensino superior, qualquer que seja o
setor em que operem, devem ser espaços de liberdade, livres de humilhações e atentados à dignidade e
integridade das pessoas. Devem existir claras regras de conduta quanto a esta matéria, investigações
independentes e adequadamente estruturadas, baseadas em melhores práticas internacionais, e deve ser
promovida uma cultura de dignidade e respeito pela liberdade, dignidade e integridade de todos. É certo que o
Código do Trabalho e a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas estipulam a obrigatoriedade de criação e
publicação de códigos de conduta. Porém, estas obrigações incidem sobre os membros do ensino superior na
sua qualidade de trabalhadores e não sobre as relações entre docentes e discentes. Assim, falta criar um
enquadramento legal distinto para esta relação.
As instituições de ensino superior devem manter a sua autonomia, mas o Estado não se pode demitir do seu
papel regulador. É fundamental promover uma cultura nas instituições de ensino superior que permita gerir com
o devido rigor, imparcialidade e eficiência as acusações de assédio moral e sexual. Atualmente, 81 % das
universidades públicas, 65 % dos institutos politécnicos públicos e 87 % das entidades privadas dispõem de
códigos de conduta sobre esta matéria. É essencial que este número chegue a 100 %.
Por outro lado, de acordo com a informação pública disponível, um quarto das instituições de ensino superior
não dispõem de mecanismos de queixa que protejam devidamente o anonimato de quem denuncia. É essencial
que estes mecanismos existam e que sejam eficazes. É também essencial que, quando haja denúncias, estas
sejam devidamente investigadas, sendo tomadas as medidas apropriadas no final do processo. Deve haver um
sinal público claro de que comportamentos abusivos e humilhantes não serão tolerados.
Embora a discussão pública das matérias de assédio moral e assédio sexual das últimas semanas se tenha
centrado nas instituições de ensino superior, importa não esquecer que estes são comportamentos que se
verificam em toda a sociedade. O debate sobre o assédio sexual e o assédio moral dentro das instituições de
ensino superior não é mais do que uma parte do debate mais geral sobre o assédio moral e o assédio sexual
na sociedade portuguesa. Esse debate implica olhar de forma séria para as causas culturais e estruturais do
assédio e abordar de forma mais ampla quer no papel regulador, quer como cada um pode ser um agente de
mudança para uma sociedade mais livre e mais inclusiva, por ser mais respeitadora da dignidade de todos.
Página 42
II SÉRIE-A — NÚMERO 220
42
Resolução
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera
recomendar ao Governo que:
– Emita orientações gerais de boas práticas às instituições de ensino superior, do setor público, do setor
privado e do setor social, para criar códigos de conduta que abranjam a relação entre alunos e professores,
melhorando os mecanismos de denúncia, para que se efetive uma ação atempada e eficiente;
– Proceda a uma análise comparada, através da identificação de boas práticas de outros países mais
avançados no tema, de forma a disponibilizar informação sobre medidas, canais e códigos de conduta;
– Promova e divulgue uma cultura de dados, de informação e de quantificação, que permita acompanhar e
avaliar a execução dos mecanismos criados.
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
Os Deputados da IL: Carla Castro — João Cotrim Figueiredo — Bernardo Blanco — Carlos Guimarães Pinto
— Joana Cordeiro — Patrícia Gilvaz — Rodrigo Saraiva — Rui Rocha.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 687/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE CRIE O DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE TRANS
Exposição de motivos
A 31 de março assinala-se o Dia Internacional da Visibilidade Trans, uma data instituída pela ativista
transgénero norte-americana Rachel Crandall (Michigan), o qual foi repercutido pela organização Trans Student
Educational Resources, transformando-se num marco importante na consciencialização para a importância da
visibilidade trans, binárias ou não binárias, em todo o mundo.
Desde então, neste dia celebra-se, a nível internacional, a diversidade na identidade de género das pessoas
trans, as conquistas e os direitos que foram sendo alcançados, independentemente dos padrões cisnormativos
que se apresentam alheados da multiplicidade biológica e identitária intrínseca ao ser humano, em nome de
uma sociedade justa, diversa e igualitária, que se quer avessa a todas as formas de transfobia ideológica e
institucional.
No contexto nacional, Portugal tem registado importantes avanços no que respeita ao reconhecimento das
características sexuais e expressão de género, nomeadamente decorrentes da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto.
Este diploma veio reconhecer, pela primeira vez, legalmente, a diversidade quanto à orientação sexual e à
expressão de género, em linha com o direito constitucional à não discriminação.
Não obstante, os passos que foram sendo dados, alguns dos quais por iniciativa do Pessoas-Animais
Natureza (PAN), como é o caso do Projeto de Resolução n.º 10/XV/1.ª — Recomenda ao Governo que ponha
fim à discriminação de pessoas trans nos rastreios oncológicos para o cancro de mama, colorretal e de colo do
útero1, aprovado em reunião plenária, no dia 31 de março de 2023, muitos são ainda os obstáculos enfrentados
pelas pessoas trans, inclusive no acesso aos cuidados de saúde ou ao respeito pela diversidade em contexto
escolar ou laboral.
Nesse sentido, entende o PAN que, não obstante a consagração internacional, devemos enquanto País e
sociedade procurar dar um contributo acrescido no sentido de promoção da não-discriminação, do respeito pela
diversidade e pela igualdade de direitos, através da consagração do dia nacional para a visibilidade trans.
1 https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=121354.
Página 43
9 DE MAIO DE 2023
43
Nestes termos, a abaixo assinada, Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições
constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República
Portuguesa, recomendar ao Governo que:
1. Consagre a data de 31 de março como o dia nacional da visibilidade trans;
2. Elabore um relatório de diagnóstico transversal aos diversos domínios da sociedade, nomeadamente junto
dos serviços da Administração Pública, com vista à identificação de entraves à igualdade e não discriminação
das pessoas trans.
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.