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Quinta-feira, 23 de janeiro de 2025 II Série-A — Número 166
XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)
S U M Á R I O
Resoluções: (a) — Recomenda ao Governo a proteção da mulher grávida nos cuidados de saúde. — Recomenda ao Governo medidas na área da saúde sexual e direitos reprodutivos. Projetos de Resolução (n.os 590 a 593/XVI/1.ª): N.º 590/XVI/1.ª (L) — Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, que altera o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, e revoga medidas no âmbito da habitação. N.º 591/XVI/1.ª (PS) — Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, que altera o regime
jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, e revoga medidas no âmbito da habitação. N.º 592/XVI/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo a construção do viaduto de Santana com a eliminação da passagem de nível da Linha do Norte e o estudo para a melhor solução para a Ponte Rainha D. Amélia (requalificação vs nova ponte). N.º 593/XVI/1.ª (L) — Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial.
(a) Publicadas em Suplemento.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 590/XVI/1.ª
CESSAÇÃO DE VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI N.º 76/2024, DE 23 DE OUTUBRO, QUE ALTERA O
REGIME JURÍDICO DA EXPLORAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS DE ALOJAMENTO LOCAL,
APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 128/2014, DE 29 DE AGOSTO, E REVOGA MEDIDAS NO ÂMBITO
DA HABITAÇÃO
No âmbito da Apreciação Parlamentar n.º 3/XVI/1.ª (PS) do Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, que
altera o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 128/2014, de 29 de agosto, e revoga medidas no âmbito da habitação, as Deputadas e os Deputados do
Grupo Parlamentar do Livre apresentam o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República, nos termos e para os efeitos do artigo 169.º da Constituição da República e
dos artigos 192.º a 194.º do Regimento da Assembleia da República, determina a cessação de vigência do
Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, que altera o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de
alojamento local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, e revoga medidas no âmbito da
habitação.
Assembleia da República, 23 de janeiro de 2025.
Os Deputados do L: Isabel Mendes Lopes — Filipa Pinto — Paulo Muacho — Rui Tavares.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 591/XVI/1.ª
CESSAÇÃO DE VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI N.º 76/2024, DE 23 DE OUTUBRO, QUE ALTERA O
REGIME JURÍDICO DA EXPLORAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS DE ALOJAMENTO LOCAL,
APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 128/2014, DE 29 DE AGOSTO, E REVOGA MEDIDAS NO ÂMBITO
DA HABITAÇÃO
Exposição de motivos
O Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, vem revogar integralmente as alterações introduzidas pela Lei
n.º 56/2023, de 6 de outubro, que aprovou o Mais Habitação, e alterar ou aditar normas ao regime jurídico da
exploração dos estabelecimentos de alojamento local.
O Mais Habitação, que entrou em vigor no dia 7 de outubro de 2023, estabeleceu um conjunto de medidas
com o objetivo de garantir mais habitação em Portugal, acrescentando soluções e respostas às necessidades
de habitação pelas famílias, incluindo medidas com impacto relativamente às regras de alojamento local em
Portugal.
Acresce que é indispensável compreender que as externalidades negativas que decorrem da instalação de
alojamentos locais, muitas vezes, colocam em causa o direito de propriedade privada dos residentes, que
merece também particular proteção e tutela jurídica.
O Governo, através do presente decreto-lei, desconsidera completamente as legítimas preocupações
manifestadas pela população, eliminando todos os progressos alcançados.
Todas estas alterações surgem em total contracorrente com o movimento internacional nesta matéria, que
reconhece, de uma forma praticamente consensual, que uma falta de regulação e distinção entre casas para
turismo e casas para residir pode afetar tanto os preços no mercado de habitação, como o direito fundamental
do acesso à habitação.
Por fim, o Governo abdica de um conjunto de instrumentos regulatórios e, em consequência, aprofunda os
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desequilíbrios entre a atividade económica, o direito à habitação e o mais amplo interesse coletivo e
urbanístico.
Assim, no âmbito da Apreciação Parlamentar n.º 3/XVI/1, relativa ao Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de
outubro, que altera o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, e revoga medidas no âmbito da habitação, as Deputadas e os
Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República, nos termos e para os efeitos do artigo 169.º da Constituição da República
Portuguesa e dos artigos 192.º a 195.º do Regimento da Assembleia da República, resolve:
Aprovar a cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro, que altera o regime jurídico
da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de
agosto, e revoga medidas no âmbito da habitação, e repristinar as normas revogadas pelo diploma em causa.
Palácio de São Bento, 23 de janeiro de 2025.
Os Deputados do PS: Maria Begonha — João Torres — Hugo Costa — Marina Gonçalves — Hugo Oliveira
— Ricardo Costa — José Rui Cruz — André Pinotes Batista — Pedro Nuno Santos.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 592/XVI/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A CONSTRUÇÃO DO VIADUTO DE SANTANA COM A ELIMINAÇÃO DA
PASSAGEM DE NÍVEL DA LINHA DO NORTE E O ESTUDO PARA A MELHOR SOLUÇÃO PARA A
PONTE RAINHA D. AMÉLIA (REQUALIFICAÇÃO VS NOVA PONTE)
Exposição de motivos
Há mais de quinze anos que se fala na necessidade de eliminar a passagem de nível da Linha do Norte,
junto ao apeadeiro de Santana/Cartaxo, e fazê-lo através de uma passagem superior que resolvesse também
definitivamente o problema da degradação da velha ponte rodoviária da EN3.3 (ponte de Santana), de ligação
do Cartaxo a Valada1.
A ponte acima referida, de origem romana, começou por ter a circulação condicionada2 em julho de 2022,
após uma monitorização periódica efetuada, tendo na altura sido assumido o compromisso pela Infraestruturas
de Portugal (IP) de lançar o concurso para construção do novo viaduto de Santana ainda nesse ano, uma vez
que o projeto técnico já se encontrava concluído.
Foi definitivamente encerrada ao trânsito em fevereiro de 20243 depois de um relatório de inspeção do
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
O encerramento da ponte de Santana, por motivos de segurança, obriga os utilizadores a fazerem o dobro
dos quilómetros para passarem de uma freguesia para a outra. Esta situação é um constrangimento para os
cidadãos dada a importância que a ligação tem para a população de todo o concelho, para famílias, empresas,
instituições e explorações agrícolas, bem como a mobilidade de toda a região.
Passados mais de 2 anos sem o prometido viaduto ver a luz do dia, após uma das conclusões do relatório
do LNEC, em junho 2024, afirmar que «das soluções possíveis para restaurar a circulação do tráfego no local
da ponte, com as necessárias condições de segurança, a única que é adequada, consiste em fazer o
atravessamento da Linha do Norte», o município do Cartaxo e a Infraestruturas de Portugal (IP) assinaram
novo acordo para a construção da ponte de Santana.
1 Apeadeiro de Santana – Cartaxo – Wikipédia, a enciclopédia livre. 2 Circulação condicionada na Ponte de Santana. 3 Ponte de Santana no Cartaxo encerrada ao trânsito.
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O novo acordo sobre a supressão da passagem de nível de Santana, aprovado por unanimidade na
reunião de Câmara do Cartaxo de 4 de junho de 2024, vem revogar o anterior, entre a Estradas de Portugal,
REFER e município, em que o município tinha obrigatoriamente de pagar 12,5 % da empreitada, que em 2009
se estimava ser perto de 800 mil euros mais IVA. Em contrapartida, terá de adquirir os terrenos onde será
construído o viaduto e compromete-se a assegurar a recuperação e manutenção da ponte, uma vez que a
infraestrutura transita para domínio público municipal.
Apesar de o novo viaduto de Santana já ter luz verde da Infraestruturas de Portugal, em 6 de agosto de
2024, os utentes representados pelo Movimento de Utentes dos Serviços Públicos do Cartaxo entregaram um
abaixo-assinado a exigir a concretização da obra acima referida e a requalificação da Ponte Rainha Dona
Amélia.
A Ponte Rainha D. Amélia4, centenária, teve, durante muito tempo, o título de ponte ferroviária mais
extensa da Península Ibérica – 840 metros. É uma ponte que obedece à tipologia de arquitetura do ferro, muito
celebrizada por Gustave Eiffel. Ligou, pela primeira vez, as Linhas do norte e do Sul, sem interrupções.
Na década de 80 do Século XX5 é construída uma nova travessia ferroviária ao lado da Ponte Rainha
D. Amélia, pela qual os comboios começaram a passar. Em 2001, a Ponte Rainha D. Amélia é reconvertida
para tráfego automóvel e pedonal, ligando os concelhos de Salvaterra de Magos (Muge) e de Cartaxo (Porto
de Muge). Em 2003, o LNEC efetuou um estudo das condições dos pilares, tendo a ponte sofrido uma
intervenção de reforço dos mesmos.
Atualmente são constantes os problemas no trânsito que passa nesta ponte devido aos condicionamentos
da mesma6. A ponte permite apenas a passagem de veículos com altura máxima de 3 metros, largura máxima
de 2,2 metros e peso inferior a 3,5 toneladas, em circulação alternada, visto ter apenas uma faixa de rodagem.
No entanto, é comum que veículos que excedam esses limites tentem atravessar, seja por falta de
conhecimento das restrições, seja para reduzir a distância percorrida.
As filas de espera acarretam constantes perdas de tempo aos munícipes, pelo trânsito intenso que circula
na ponte.
Teve lugar no passado dia 9 de janeiro a audição de peticionários7, em sede da Comissão de Economia,
Obras Públicas e Habitação, relativa à Petição n.º 82/XVI/1.ª8 – «Pela construção da nova ponte de Santana, a
eliminação da passagem de nível da Linha do Norte e pela requalificação da Ponte Rainha D. Amélia», que
concluiu unanimemente pela necessidade urgente de levar à prática estas três obras.
Pelo exposto, tendo por base o mais elevado interesse das populações e da atividade económica do distrito
de Santarém, consideramos ser prioritário efetuar os estudos ainda necessários para preservar o património
histórico, cultural e arquitetónico, prover as melhores opções de engenharia civil para a construção das obras
em questão e implementar no mais curto espaço de tempo as referidas e urgentes obras.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo
Parlamentar do Chega recomendam ao Governo que:
1) Promova, através do Património Cultural, IP9, um estudo da velha ponte de Santana para avaliar a sua
importância histórico-cultural, com vista a eventual conservação e restauro;
2) Confirme, através da Infraestruturas de Portugal, IP, a validade e atualidade do estudo efetuado pelo
LNEC em que se baseou o último acordo para a construção do viaduto de Santana, celebrado em junho último
entre a Câmara do Cartaxo e a IP e tome os procedimentos necessários à rápida construção do viaduto e
fecho da respetiva passagem de nível;
3) Promova, através da IP, e do LNEC, um estudo de avaliação da melhor solução para a Ponte Rainha D.
Amélia que venha a configurar uma base credível e sustentada à decisão política: requalificá-la, por forma a
suportar todo o tipo de veículos relativamente ao peso e largura para trânsito em dupla via, ou construir uma
nova ponte.
4 Ponte Rainha D. Amélia – CMSM. 5 Ponte Rainha D. Amélia – Câmara Municipal do Cartaxo. 6 Ponte Rainha D. Amélia com problemas de trânsito automóvel – Correio do Cartaxo. 7 canal.parlamento.pt/?chid=18&title=emissao-linear. 8 Detalhe de petição. 9 Missão – Património cultural.
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Palácio de São Bento, 23 de janeiro de 2025.
Os Deputados do CH: Pedro Pinto — Filipe Melo — Carlos Barbosa — Eduardo Teixeira — Marta Martins
da Silva — Luísa Areosa — Pedro Correia — Pedro dos Santos Frazão.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 593/XVI/1.ª
CESSAÇÃO DE VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI N.º 117/2024, DE 30 DE DEZEMBRO, QUE ALTERA O
REGIME JURÍDICO DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO TERRITORIAL.
Exposição de motivos
Portugal vive atualmente uma crise no acesso à habitação que apenas parece agravar-se. Especialistas
sobre a matéria já vieram afirmar publicamente que é provável que esta tendência de agravamento se
confirme em 2025, sublinhando que não há indícios de que haja abrandamento e que a reação do mercado
nos últimos meses de 2024 resultou numa aceleração do aumento de preços, concluindo, por isso, que
Portugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa1. Para combater esta crise, que afeta de forma
bastante desigual as pessoas com base nos seus rendimentos, fazendo perigar um direito que é um direito
humano, constitucionalmente consagrado, são necessárias medidas justas, urgentes e ousadas. Trata-se,
afinal, de garantir a todas as pessoas um direito básico, simples e óbvio, como o acesso a uma habitação
digna a preço acessível. Os centros das cidades não podem ser apenas destinados a uma determinada elite,
permitindo a uma pequena fração da população viver confortavelmente perto dos seus locais de trabalho e de
lazer, relegando para segundo e terceiro planos todas as outras pessoas, diminuindo, com isso, a sua
qualidade de vida, a sua saúde, o seu tempo livre.
No entanto, as soluções sérias necessárias para começar a resolver a crise habitacional não podem passar
por comprometer o futuro de Portugal, no que ao ordenamento do território e à conservação da natureza diz
respeito. A crise habitacional é multifatorial, por isso as soluções devem ser também de diferentes âmbitos,
tendo sempre como objetivo alcançar o bem comum. Para auxiliar a sua resolução, devem ser seriamente
consideradas as necessidades de reabilitação e recuperação do edificado urbano, a disponibilização e
colocação no mercado de arrendamento de habitação pública e a aposta em mecanismos de regulação do
mercado que permitam ajudar e aliviar os encargos das famílias. Deve atuar-se na oferta e garantir que um
direito humano básico, como o da habitação digna, não é suplantado por perspetivas de ganhos especulativos,
acabando por inflar ainda mais a bolha imobiliária.
Alterar o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (doravante RJIGT) não é uma das
soluções a considerar, desde logo porque lhe falta respaldo na realidade: com efeito, os dados indicam que
não existe uma falta generalizada de casas em Portugal. Um relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE)
e do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) refere que, em 2021, existia em Portugal cerca de meio
milhão de edifícios com necessidade de reparações médias ou profundas, representando 14 % do total de
edifícios que compõem o parque habitacional nacional2. O mesmo relatório do INE diz que, em 2021, havia
quase 155 mil alojamentos vagos para venda ou arrendamento sem necessidade de reparações ou com
necessidade de reparações ligeiras, deduzidos da margem para funcionar o mercado. Em cerca de metade
das regiões, sobretudo localizadas no interior do País, os alojamentos vagos nas condições referidas excedem
as respetivas carências habitacionais3. No panorama geral, sabe-se que as carências habitacionais
quantitativas existentes em Portugal rondam os 137 000 alojamentos. Só contando com aqueles que estão
capazes para uso imediato, há alojamentos vazios mais do que suficientes para suprir as carências
1 Especialistas antecipam agravamento da crise na habitação em 2025 – Observador 2 O Parque Habitacional: Análise e Evolução – 2011-2021 (Instituto Nacional de Estatística e Laboratório Nacional de Engenharia Civil), pág.11. 3 O Parque Habitacional: Análise e Evolução – 2011-2021 (Instituto Nacional de Estatística e Laboratório Nacional de Engenharia Civil), pág. 34.
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habitacionais correntes4. Um outro relatório de 2024 da OCDE refere que Portugal é o terceiro país com maior
número de fogos por mil habitantes (574), a seguir a Itália e França5.
As soluções passam pelo foco na criação de um parque habitacional público, na reabilitação, no
levantamento do património público, na construção de habitação acessível; nos milhares de casas vazias com
vista à sua introdução no mercado de arrendamento ou aquisição, nos instrumentos de arrefecimento dos
preços do mercado, no combate à especulação imobiliária – e não na dispersão da mancha urbana. A verdade
é que não há dados públicos sobre que percentagem de terrenos urbanos, dos que existem, ainda não têm
qualquer tipo de construção. Os especialistas apontam que as alterações ao RJIGT irão contribuir para o
aumento dos preços da habitação e que a justificação para a sua necessidade não tem sustentação na
realidade.
Ora: apesar das declarações por parte de membros do Governo de que a pretensão é garantir que a nova
construção seja para habitação pública ou de valor moderado, há muitas questões sobre como irá isto ser
assegurado, uma preocupação que se adensa quando se compreende que este valor estará diretamente
relacionado e dependente dos preços praticados pelo mercado6. A intenção do Governo acaba, por outro lado,
por ficar clara, quando, ao publicar a versão final do diploma, o Executivo deixa cair o arrendamento acessível
como uma das condições necessárias para que os municípios possam autorizar a conversão de solos rústicos
em urbanos7.
Acresce dizer que as alterações ao RJIGT não comprometem apenas o acesso das pessoas a habitação
comportável e acessível. Com esta lei, corre-se o sério risco de se perder uma visão integrada do território e
do seu ordenamento, comprometendo, com isso, os solos nacionais. É extraordinário que este seja o único
caminho apontado pelo Governo, quando 70 % dos solos em Portugal estão degradados e estão cada vez
menos saudáveis8, e é fundamental que não se subestime a importância de solos saudáveis para a
manutenção da vida na terra. É que os solos regulam ciclos fundamentais, como o da água e dos nutrientes, e
contribuem para o sequestro do carbono, ajudando a mitigar os efeitos das alterações climáticas, sendo
essenciais para a alimentação e qualidade de vida. São precisos solos renaturalizados e capazes de infiltrar
água, algo previsto inclusivamente no Plano Nacional de Restauro.
Sobre as alterações ao RJIGT, diga-se ainda que, e estranhamente, nem as áreas sensíveis estão
salvaguardadas de uma potencial reclassificação. Senão veja-se: nem todas as zonas da Reserva Ecológica
Nacional estão excluídas deste processo, as áreas estratégicas de infiltração e de proteção e recarga de
aquíferos, áreas de elevado risco de erosão do solo e áreas de instabilidade de vertentes não estão listadas
como exceções9. No caso da Reserva Agrícola Nacional, apenas as terras com aptidão muito elevada ou
elevada para o uso agrícola estão excluídas. Tudo o resto pode ser reclassificado para construção.
O novo regime é criticado e considerado um retrocesso por muitos daqueles que estudam e defendem o
património natural e a utilização sustentável dos solos. Estes investigadores consideram que as possibilidades
que consagram vão diretamente contra as orientações estratégicas e a legislação da Comissão Europeia,
como o Pacto Verde Europeu, a Lei de Restauro da Natureza, a Lei de Monitorização dos Solos e a estratégia
para os solos do Pacto para o Solo na Europa10. Todos estes documentos definem metas claras para a
melhoria da saúde dos solos até 2050 e pedem ações urgentes contra a impermeabilização de mais solo por
construção, acrescentando que esta deve ser limitada ao território já urbanizado. A lei recentemente aprovada
contraria frontalmente todos estes instrumentos e é um retrocesso enorme em termos de gestão inteligente e
integrada do território. O próprio Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT) de 2024 refere que
«a impermeabilização do solo, processo usualmente associado à urbanização do território, é considerado
como um dos fatores que mais contribui para a degradação deste recurso porque deteriora as funções por
este prestados no seu estado natural, nomeadamente a produção de alimentos e de materiais renováveis, a
regulação do ciclo da água, a captura e armazenamento de carbono orgânico e a oferta de habitats para a
biodiversidade»11. Num País em que os incêndios devastam o território ano após ano, gerando risco de
4 São precisas 137 mil casas para responder às carências habitacionais em Portugal – Habitação – Público. 5 Portugal é o país com mais casas por habitante, mas 12,5% estão vazias – Idealista. 6 Lei dos solos: A urbanização em terrenos rústicos «é uma entorse assente em falsos álibis», diz Helena Roseta – Expresso. 7 Governo deixa cair arrendamento acessível na lei dos solos – Habitação – Público. 8 70% dos solos em Portugal degradados e estão cada vez menos saudáveis – Expresso. 9 A nova lei dos solos em seis respostas: da «mudança estrutural» à «especulação» – Perguntas e respostas – Público. 10 Solos: Carta aberta ao Governo e à ANMP – Opinião – Público. 11 Relatório do Estado do Ordenamento do Território 2024 (versão para discussão pública), pág. 26.
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derrocadas no pós-incêndio, permitir adensar a construção em zonas de vertente pode ser precursor de
tragédias humanas e materiais.
A realidade é que todos os setores e classes profissionais, de forma unânime, sentiram necessidade de se
pronunciar face a esta alteração à lei. Exemplo disso foi a carta dinamizada pela Rede H assinada por mais de
600 académicos e especialistas ligados à habitação, ao desenvolvimento urbano e territorial, à floresta, à
agricultura e ao ambiente, em que, entre várias outras críticas, referiam o potencial para valorizar subitamente
os terrenos12.
O Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável considerou que a alteração contraria
os princípios do desenvolvimento sustentável e representa um «elevado risco de agravar a situação existente
em termos de preços de habitação», em vez de a resolver13, e organizações não governamentais de ambiente
e centros de investigação pediram a revogação desta alteração por motivos ligados ao cumprimento das
metas ambientais e de restauro da natureza14. Por sua vez, a Associação Nacional de Municípios Portugueses
alertou para os riscos de sustentabilidade ambiental e a guetização de pessoas associados à dispersão de
construções em solo rústico, dizendo que a alteração acaba por ultrapassar a finalidade habitacional15, e a
Ordem dos Arquitetos referiu que a nova lei permite reclassificar para solo urbano algumas áreas inseridas na
Reserva Ecológica Nacional ou na Reserva Agrícola Nacional, o que poderá violar várias leis em vigor,
apelando, por isso, à revisitação da possibilidade da reclassificação destes solos16. Por fim, também a
Associação Portuguesa de Urbanistas questionou o impacto desta decisão, apontando que mais de 90 % dos
municípios já dispõem de instrumentos de reclassificação, onde se justifique, o que torna a medida
contraditória e pouco justificada17.
Os dados indicam que não há falta de casas, tal como não há falta de terrenos urbanos; há, todavia, falta
de coragem para apostar num parque público de habitação robusto, há falta de coragem para colocar as casas
já existentes e em boas condições ao serviço da população e do bem comum; há falta de coragem para criar
os incentivos e as políticas públicas certas para colocar casas no mercado de arrendamento a preços que as
famílias possam pagar.
No âmbito da Apreciação Parlamentar n.º 6/XVI/1.ª (BE, PCP, L, PAN) do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30
de dezembro, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, as Deputadas e os
Deputados do Grupo Parlamentar do Livre apresentam o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República, nos termos e para os efeitos do artigo 169.º da Constituição da República e
dos artigos 192.º a 194.º do Regimento da Assembleia da República, determina a cessação de vigência do
Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão
Territorial, e a repristinação das normas legais vigentes à data da sua publicação.
Assembleia da República, 24 de janeiro de 2025.
Os Deputados do L: Isabel Mendes Lopes — Filipa Pinto — Paulo Muacho — Rui Tavares.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.
12 Urbanização solos rústicos – Rede H 13 Conselho Nacional do Ambiente condena alteração da lei dos solos por contrariar desenvolvimento sustentável – Renascença 14 Partidos recebem carta com seis fundamentos para «revogar» a alteração à Lei dos Solos – Expresso 15 ANMP avisa que a dispersão de construções em solos rústicos comporta riscos de «sustentabilidade ambiental» – Observador 16 Governo ignorou alertas dos pareceres que pediu sobre nova lei dos solos | Lei dos solos | Público 17 Associação de Urbanistas critica alterações do Governo na gestão do território – Observador