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23 DE SETEMBRO DE 2020

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do Mercado de Valores Mobiliários (doravante apenas CMVM) caracteriza-os, e bem, como instrumentos

financeiros de especial complexidade, sobretudo no que concerne à perceção dos riscos que um investimento

neste tipo de instrumentos acarreta. Tal é facilmente percetível na medida em que estes produtos envolvem

riscos e características de vários instrumentos de outra estrutura e natureza.

Um investimento de 900 milhões de euros em produtos tão enredados e «sofisticados» por investidores de

retalho suscita questões várias. Na verdade, das duas uma: ou estamos perante uma sociedade com elevado

grau de literacia financeira, ou estamos a enviar para alto mar quem apenas sabe velejar no conforto e paz

costeira. O estudo levado a cabo pelo Banco de Portugal no ano de 2015 permite responder à questão anterior.

Pois revela que apenas 36% da população portuguesa conhece o termo «produtos financeiros complexos».

Outro resultado pertinente para a discussão é aquele que revela o fator determinante para a aquisição deste

tipo de produtos: o conselho no balcão da instituição onde se adquire o instrumento financeiro. Ora, a articulação

destes dois dados leva obrigatoriamente a que seja imposta àquele que oferece este tipo de produtos uma

responsabilidade acrescida, na medida em que quando vende este tipo de instrumentos a quem, por via da

regra, não sabe realmente do que se trata, deve observar um especial cuidado e zelo para com o investidor.

Quanto a este aspeto, a legislação existente impõe um conjunto de deveres a quem comercializa estes produtos

– veja-se o Código dos Valores Mobiliários quando discorre sobre as regras da boa intermediação financeira. A

lacuna existe quando, havendo legislação positivada, ainda assim há inobservância destas obrigações, o que

levanta duas questões fundamentais.

Uma no plano da prevenção e fiscalização: o investidor de retalho, que não conhece os produtos que lhe

estão a ser oferecidos, a quem pode pedir auxílio sem ser àquele que tem como objetivo vender o produto

dúbio?

Outra já num plano de reação: quais são os meios que o investidor de retalho tem ao seu alcance quando

não houve observância destas obrigações?

Urge ter meios de reação para averiguar se este modusoperandi foi determinante para a concretização deste

tipo de investimentos. Foram enunciadas duas grandes questões que nos remetem para uma outra a que cumpre

dar resposta urgentemente: qual é a tutela efetiva dos interesses de um investidor de retalho? Muito embora

aberto a todos, este jogo do mercado financeiro ganha contornos especialmente retorcidos quando o

investimento feito imiscui com circunstâncias especiais do mercado.

Neste jogo existem três participantes: o investidor, o intermediário e a CMVM como entidade reguladora e de

supervisão dos mercados de instrumentos financeiros. Ora, entre o investidor e o intermediário existe uma

relação negocial. Muito embora comporte um conjunto de deveres para ambas as partes, a verdade é que ambas

procuram o lucro e ambas têm um interesse que cobre quase todo o plano de visão. É neste ponto absolutamente

crucial que se impõe a necessidade de uma entidade que, por um lado, analise, numa visão holística, o mercado

financeiro e, por outro lado, encete uma supervisão sobre a atuação dos participantes, sobretudo daqueles que,

na relação negocial, têm um maior conhecimento e exercem um ascendente sobre o investidor não qualificado,

como a própria designação deste último indica. Como resposta a esta necessidade surge a CMVM.

Contudo, a praxis vem mostrando uma clara insuficiência no que toca à efetiva proteção do investidor não

qualificado.

A CMVM intitula-se como protetora dos investidores e responsável pela supervisão do funcionamento do

mercado (Preâmbulo do Reg. da CMVM n.º 2/2016). Sucede que, concomitantemente, – espante-se – tem todo

e qualquer poder para escolher não desempenhar este papel perante uma reclamação, com o simples

fundamento de «a reclamação( ... ) enviada não se enquadrar ( ... ) no âmbito das suas atribuições legais( ... )»

conforme artigo 9.º, n.º 2 Reg. da CMVM n.º 2/2016.

Ora, como solução de ultimaratio, a CMVM oferece aos investidores um serviço de mediação voluntária de

conflitos, mediante solicitação daqueles. Porém, esta solução na prática está condenada ao fracasso «ab initio»,

na medida em que, depois do pedido de mediação são dados 5 dias aos visados, não para contestar o conteúdo

da reclamação, mas sim para dizer se estão ou não dispostos a participar nesta mediação (artigo 16.º, n.º 1 Reg.

da CMVM n.º 2/2016).

Destarte, para que os investidores possam espoletar os mecanismos que têm à disposição, terão de ter o

aval, em primeira instância, de uma entidade que não está verdadeiramente adstrita a esta proteção, nem sujeita

a qualquer controlo. Em segunda instância dependerá sempre do aval da contraparte. O investidor vê assim