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II SÉRIE-B — NÚMERO 48

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paradigma atual, patente em sucessivas penas suspensas, resultava no silenciamento deste crime, pelo que a

mudança é indispensável. Sugeriu como medida alternativa, caso não se reunisse consenso quanto a tornar

público o crime de violação, que se aumentasse o prazo para apresentação de queixa e se criassem mais

gabinetes de apoio.

Usou também da palavra a Senhora Presidente do Instituto de Apoio à Criança, Dulce Rocha,

reconhecendo o mérito da primeira peticionante na promoção da iniciativa e referindo que, em tempos,

compreendera o argumento da autonomia da mulher que implicava que o crime fosse semipúblico. Explicou

que as suas vivências motivaram a sua mudança de opinião e que considerava haver razões ponderosas para

a conversão em crime público. Aludiu a estudos segundo os quais apenas 10 % das vítimas de violação se

queixavam e referiu que as mulheres, mais do que vergonha, o que têm é medo, acabando por ficar

desprotegidas, sujeitas a um sofrimento profundo, e os seus agressores impunes. Considerou que o

paradigma vigente em Portugal é grave e salientou a necessidade de agir para que este se alterasse, pelo

menos no sentido de alargar os prazos para apresentar queixa.

Usaram também da palavra as Sr.as Deputadas Cláudia Santos (PS), Emília Cerqueira (PSD) e Joana

Mortágua (BE) para uma ronda de intervenções.

Devolvida a palavra às peticionárias, a Sr.ª Presidente do Instituto de Apoio à Criança, Dulce Rocha,

manifestou que compreendia as reservas expressas em relação à natureza pública do crime, mas recordou

que as mesmas existiram relativamente a outros crimes (como a violência doméstica) e que, entretanto, foram

ultrapassadas. Sublinhou a utilidade de se ouvirem várias entidades e juristas de renome. Apelou a que

houvesse, pelo menos, consenso no sentido de conceder uma maior proteção, nomeadamente através do

aumento das penas e do alargamento dos prazos de prescrição, caso tal consenso não existisse para a

conversão do crime de violência doméstica em crime público.

V – Opinião da Deputada relatora

A opinião que a Deputada relatora do presente relatório final aqui manifesta coincide com aquela que já

sustentou em pareceres relativos a iniciativas legislativas orientadas para tornar públicos crimes contra a

liberdade sexual, como o crime de violação, retomando o entendimento sustentado, nomeadamente, na

monografia O Direito Processual Penal Português em Mudança – Rupturas e Continuidades2.

O princípio da oficialidade vale de modo pleno relativamente aos crimes públicos, mas conhece as

limitações decorrentes da consagração generosa da necessidade de queixa do ofendido para a instauração do

procedimento criminal e, com menor frequência, da exigência de acusação particular para a sujeição do caso a

julgamento3.

Tais desvios à oficialidade têm sido explicados fazendo apelo a vários critérios, nomeadamente a menor

gravidade de certos ilícitos, a qual tornaria desnecessária a intervenção punitiva estadual se o ofendido a não

reclamar, supondo-se ainda que o reduzido desvalor da conduta não causa significativo abalo comunitário.

Mas, por outro lado e mesmo em crimes mais graves, a exigência de queixa configura-se ainda como um

reconhecimento da autonomia da vontade do ofendido em não ver expostas no processo penal questões que,

por serem eminentemente atinentes à sua intimidade ou à sua privacidade, poderiam com a sua revisitação

num processo penal indesejado levar a uma intensificação ou a uma revisitação da ofensa. Ou seja: os crimes

particulares em sentido amplo não são, necessariamente, apenas os crimes menos graves. Haverá casos em

que se poderá entender que, apesar da manifesta gravidade do crime, a existência do processo criminal

deverá depender da queixa do ofendido, mormente porque um processo indesejado lhe causará uma

desproporcionada vitimização secundária e porque o seu interesse na modelação da resposta ao crime é

2 Cfr. Cláudia CRUZ SANTOS, O Direito Processual Penal Português em Mudança – Rupturas e Continuidades, Almedina: 2020, sobretudo p. 103 ss. 3 Na opinião de José de FARIA COSTA, a existência de crimes particulares em sentido estrito é «um dos afloramentos mais expressivos e sintomáticos do horizonte do consenso» (ideia que pode ser, pelo menos até certo ponto, aplicável aos crimes semipúblicos). Todavia, julga-se que, diversamente do que sucede com a suspensão provisória do processo ou com o processo sumaríssimo, esse consenso ocorre de certo modo «à margem» do processo penal. A especificidade desse consenso inerente aos crimes particulares é vista pelo Autor também como «um reforço da componente vitimológica na apreciação e realização da justiça» – é reconhecido por José de FARIA COSTA, (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Dir. Jorge de Figueiredo Dias, comentário do artigo 207.º CP, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 124).