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II SÉRIE-C — NÚMERO 12
la que «qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do. seu domicílio e da sua correspondência», determinando o n.° 2 que «não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do País, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros»; na Constituição da República Portuguesa, artigo 26,°, que refere que «a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar» (n.° 1), sendo que «a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias» (n.° 2); no Código Civil, artigo 80.°, onde se estipula que «todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem», medindo-se a extensão desta reserva «conforme a natureza do caso e a condição das pessoas» (n.c 2). O bem jurídico em questão é ainda objecto de tutela penal.
Como se pode observar, o conteúdo do direito pode ser analisado em duas vertentes: a que respeita ao acesso a factos do círculo íntimo e a que respeita à respectiva divulgação. A questão colocada pela reclamante reconduz--se à primeira.
Todavia, o problema pressupõe o esclarecimento de uma questão prévia e que é a da determinação dos factos que são objecto da reserva, determinação do que se reconduz ao domínio do privado e do que cabe no domínio do público e, dentro do que pertence ao primeiro, daquilo que merece tutela como reserva da vida privada e do que não merece. Não cabendo aqui um enunciado exaustivo do debate que sobre esta matéria se mantém, até porque não se podem precisar no caso concreto quais os factos sobre que incidiu á curiosidade dos poderes públicos, interessa realçar a plasticidade do direito, cuja amplitude, nomeadamente na identificação dos factos que devem ficar fora do alcance alheio, deve ser definida pela natureza do caso e a condição das pessoas. É isto mesmo o que resulta do artigo 80.°, n.° 2, do Código Civil.
E neste contexto que deve ser equacionado o caso da reclamante, que, apesar de não estar numa situação de exposição ao público, se propõe ocupar um cargo que assume um interesse directo para o público, independentemente do respectivo conteúdo funcional. O exercício e as circunstâncias da função assumem uma dimensão de "interesse público relevante, implicando uma necessidade de salvaguardar valores de segurança interna e de garantia da segurança protectiva das matérias classificadas contra actos de sabotagem e espionagem, bem como de evitar falhas humanas susceptíveis de ocasionar comprometimentos e quebras de segurança. É este interesse que faz do seu caso um caso de natureza especial e da sua situação de candidata ou de nomeada uma condição também especial, moldando o respectivo direito.
Assim, verifica-se que o elemento definidor dos factos que permanecem em reserva ou que cedem à actividade ynWStogatóna de certas autoridades é activado por um acto de vontade do titular do bem protegido, pelo que a tutela do direito deve envolver, neste caso, um amplo conhecimento para o interessado das repercussões que o seu acto
de vontade pode ter na legitimação da invasão da respectiva intimidade.
IV — Face aos interesses envolvidos, não há elementos que permitam considerar ilegítima a concreta conduta investigatória da Administração em si mesma, atendendo a que surge devidamente enquadrada pela lei.
Com efeito, o Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, que actua a nível nacional e ao nível da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), tem funções que implicam o manuseamento de informação classificada sujeita ao Acordo de Segurança entre as Partes do Tratado do Atlântico Norte. A protecção da informação manuseada por estes serviços é prosseguida através de mecanismos repressivos, que sancionam penalmente os infractores aos deveres de sigilo, e de mecanismos preventivos, que visam escolher pessoal que, em princípio, ofereça garantias de que o sigilo não venha a ser quebrado.
Assim, o manuseamento surge condicionado pela devida credenciação do pessoal, exigindo juízos de confiança relativamente a todos aqueles que possam ter acesso a estes documentos, desde que classificados com o grau de «confidencial» ou superior, de modo a apurar da respectiva lealdade, idoneidade e discrição. Este juízo de confiança é necessário mesmo para o pessoal que desempenhe as funções de contínuo, porteiro, guarda, empregado da limpeza e outros, desde que actue em condições que proporcionem oportunidades de acesso, ainda que involuntário, a matérias credenciadas [ponto 4.2.4.1, alínea d)] das instruções aprovadas pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 50/88, de 3 de Dezembro).
O juízo de confiança referido implica, pois, uma habilitação, prévia à credenciação, que tem por objectivo determinar se o candidato é de lealdade e honestidade indubitáveis, bem como se a sua reputação, hábitos, contactos sociais, discrição e bom senso permitem que lhe sejam confiadas informações classificadas, podendo e devendo, para o efeito, fazer-se os inquéritos de segurança. O juízo de confiança sobre comportamentos futuros é um juízo de prognose que só se pode fundamentar em factos indiciários passados, que constituem o objecto dos inquéritos de segurança e cuja amplitude é variável em função do grau de segurança pretendido, admitindo-se um particular rigor nos casos de credenciação máxima.
O inquérito de segurança é elaborado segundo normas
estabelecidas pela Autoridade Nacional de Segurança, responsável pela segurança da informação classificada relativa à Organização do Tratado do Atlântico Norte (como é o caso), nos termos do artigo l.0; n.° 1, do Decreto-Lei n.° 372/84, de 28 de Novembro, a pedido do serviço proponente, que fará acompanhar o pedido de fotocópia de ficha individual completamente preenchida e do registo biográfico e disciplinar (ponto 4.2.4.2.1 das instruções supracitadas).
Este inquérito deve basear-se em toda a informação disponível, determinando a Lei n.° 20/87, de 12 de Junho, no artigo 8.°, n.° 2, alínea d), que compete ao Governo, através do Conselho de Ministros, fixar, nos termos da lei, as regras de classificação e contro\e de circulação dos documentos oficiais e, bem assim, de credenciação das pessoas que devem ter acesso aos documentos classificados. Estas regras foram concretizadas na já referida resolução do Conselho de Ministros.
Face a este panorama legal, pode-se verificar que a Administração pode ter acesso a factos que habitualmente integram o conceito de vida privada da reclamante, nos termos e para os efeitos referidos.