O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SEPARATA — NÚMERO 82

14

De facto, desde 2003 que se tem vindo a acentuar esta tendência e a diversificar estes mecanismos de

desregulação do tempo de trabalho. O Código do Trabalho de 2009 introduziu, no artigo 208.º, um novo instituto

que se designou por banco de horas, através do qual, tal como na adaptabilidade, a organização do tempo de

trabalho pode ter em conta um tempo médio. Com o banco de horas consagrou-se, contudo, uma possibilidade

até aí inexistente de esse acréscimo poder ser compensado quer por redução equivalente do tempo de trabalho,

quer por pagamento em dinheiro, quer por ambas as modalidades, sendo certo que o pagamento em dinheiro é

feito como se de trabalho normal (e não trabalho suplementar) se tratasse. Ou seja, este foi objetivamente um

mecanismo de embaratecimento do trabalho. Se desde 2009 existe o banco de horas, a lei previa contudo que

este só podia ser introduzido por instrumento de regulamentação coletiva e relativamente a matérias específicas.

No entanto, a Lei n.º 23/2012 de 25 de junho introduziu uma nova modalidade de banco de horas: o banco de

horas individual, prevista no artigo 208.º-A do Código do Trabalho.

Tendo origem num projeto do governo do PSD e do CDS-PP, a Lei n.º 23/2012, de 25 de junho que surgiu

na sequência do Memorando sobre as Condicionalidades de Política Económica, tinha uma pretensão clara de

diminuir o custo do trabalho, por via da eliminação de feriados, eliminação do descanso compensatório pela

prestação trabalho suplementar, eliminação de dias de férias, redução das compensações pela cessação do

contrato de trabalho e introdução de uma nova modalidade do despedimento por inadaptação sem modificação

do posto de trabalho. Uma das matérias em relação à qual esta lei assumiu especial enfoque foi a da

desregulação do tempo de trabalho.

Com a referida lei, acrescentou-se à modalidade de banco de horas previsto por instrumento de

regulamentação coletiva, o banco de horas individual. Ou seja, o regime do banco de horas passou a poder ser

instituído por um acordo entre empregador e trabalhador, sendo que o acordo pode ser celebrado através de

uma proposta por escrito do empregador e presume-se a aceitação por parte do trabalhador que não se oponha

por escrito a essa proposta nos 14 dias seguintes ao conhecimento da mesma. Ou seja, o “silêncio escrito” do

trabalhador, mesmo quando acompanhado de oposição verbal, é entendido como aceitação da proposta,

bastando-se a lei com um facto negativo: a falta de oposição escrita à proposta. Mais ainda, tona-se possível

estender a figura da adaptabilidade individual ou do banco de horas individual a trabalhadores que

expressamente a recusaram, por via da adaptabilidade grupal e do banco de horas grupal.

Numa relação marcada pela desigualdade entre as partes, como é a relação laboral, o Direito do Trabalho

deve ter como objetivo tutelar e proteger a parte mais fraca num quadro de desequilíbrio de poder. A invocação,

neste contexto, da liberdade das partes, é apenas uma forma de mascarar mecanismos de imposição unilateral.

Assim, a figura da adaptabilidade individual e do banco de horas individual, que se subtraem além do mais a

qualquer negociação coletiva, é a expressão de um despotismo patronal que não deve ter acolhimento no nosso

ordenamento jurídico.

No programa do XXI Governo é identificada a necessidade de “Revogar a possibilidade, introduzida no

Código do Trabalho de 2012, de existência de um banco de horas individual por mero «acordo» entre o

empregador e o trabalhador, remetendo o banco de horas para a esfera da negociação coletiva ou para acordos

de grupo, onde deve estar a regulação da organização do tempo de trabalho”. Acrescenta ainda o Programa do

Governo que com a revogação desta alteração à legislação laboral feita pela Direita se visa “reequilibrar a

legislação laboral, bem como eliminar a confusão deliberadamente introduzida na regulamentação da

flexibilidade na organização do tempo de trabalho, que permitiu a pulverização e individualização de diferentes

horários de trabalho nas mesmas empresas”. Ora, pela sua natureza, a mesma censura é inteiramente aplicável

ao mecanismo da adaptabilidade individual contemplado no artigo 205.º do Código do Trabalho. Com efeito,

segundo com o Livro Verde sobre as Relações Laborais em 2014, este último mecanismo abrangia 305 mil

trabalhadores, a que se somavam 18 mil abrangidos pelo mecanismo do banco de horas individual.

A cumulação de instrumentos de flexibilização do tempo de trabalho na legislação laboral, instrumentos em

relação aos quais tão pouco são clarificadas as formas de compatibilização entre si, tem-se revelado um

mecanismo de precarização das relações laborais, de degradação da organização do trabalho e de

desvalorização económica e pessoal do trabalhador e da trabalhadora. Assim, revogar as figuras do banco de

horas individual e da adaptabilidade individual é um passo essencial para restituir o direito do trabalho à esfera

coletiva, protegendo-se a parte mais fraca nas relações laborais, promovendo-se a valorização do trabalho e a

sua articulação com as outras esferas da vida.