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SEPARATA — NÚMERO 16

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Investigações de âmbito académico têm demonstrado que o horário de trabalho por turnos, especialmente

quando envolve a realização de trabalho noturno e/ou períodos muito valorizados familiar e socialmente, pode

representar para o/a trabalhador/a dificuldades acrescidas do ponto de vista biológico, psicológico e/ou familiar

e social. Boa parte das dificuldades experienciadas resulta, por um lado, da necessidade de inversão do ciclo

sono-vigília (i.e., ter de dormir de dia e de trabalhar à noite) e, por outro, do desfasamento entre a estruturação

do tempo social e certos horários de trabalho, donde se salienta os períodos ao final do dia e aos fins de

semana. Embora os diferentes efeitos tendam a interrelacionar-se, podem ser agrupados em três grandes

dimensões: saúde (perturbações na saúde física e psicológica, incluindo perturbações nos ritmos circadianos);

efeitos sociais (interferência na vida familiar e social) e ocupacionais (em especial, as perturbações

circadianas do desempenho e a sua relação com a segurança ocupacional).

Diversos estudos científicos sobre a realidade do trabalho por turnos e o trabalho noturno têm dado um

contributo inestimável para um mais profundo conhecimento deste fenómeno e das suas consequências

humanas (designadamente, perturbações do sono, gastrointestinais, cardiovasculares, do humor, fadiga

crónica, problemas metabólicos, sociais e familiares, acidentes de trabalho por vezes mortais e catastróficos,

absentismo, diminuição da capacidade laboral e envelhecimento precoce). Por isso mesmo, esses estudos

têm vindo a interpelar os poderes públicos sobre a necessidade de uma maior regulação desta modalidade de

organização do trabalho. Apesar de as empresas garantirem que cumprem a lei, verifica-se, por exemplo, que

aspetos básicos da regulação do trabalho por turnos, como o intervalo de pelo menos 11 horas nas mudanças

entre os turnos, como recomendado na diretiva europeia 93/104/CE, não são, de facto, respeitados. Assim,

tem vindo a ser sugerido, nomeadamente pela equipa de Isabel Silva, da Universidade do Minho que se

intervenha com vista a garantir (i) a contratação de recursos humanos suficientes para impedir a sobrecarga

horária; (ii) a disponibilização de um serviço de cantina noturno para assegurar uma alimentação saudável; (iii)

a cedência de transporte, sobretudo em horários muito matinais; (iv) a autorização a realização de sestas

durante a noite sobretudo em horários noturnos longos, como acontece no Japão; (v) o envolvimento dos

trabalhadores na seleção dos turnos, apoiando-os aquando da «troca de horários»; e (vi) a aposta no

aconselhamento personalizado tendendo a aumentar o bem-estar destes funcionários.

A negociação e a contratação coletiva são um espaço privilegiado para regular estas matérias. Sucede que

as sucessivas revisões do Código do Trabalho em matéria de negociação e contratação coletiva,

nomeadamente pela imposição da sua caducidade, tiveram como efeito desequilibrar, a favor do patronato, a

legislação laboral, diminuir a capacidade de negociação dos sindicatos, reduzir a abrangência das convenções

e individualizar as relações laborais. No campo da organização do trabalho por turnos, noturno e em folgas

rotativas, este processo de individualização e precarização tem feito da entidade empregadora o único

determinante na relação laboral, proliferando situações de desfavorecimento do trabalhador. Por isso mesmo,

sem prejuízo da regulação de aspetos específicos que deve ser feita em cada setor e atendendo às suas

particularidades por instrumentos de regulação coletiva de trabalho, a lei geral tem o dever de definir

patamares mínimos para todos os trabalhadores.

O Bloco de Esquerda tem sistematicamente apresentado iniciativas legislativas sobre o tema, tendo sido,

inclusivamente, criado, no âmbito da Comissão de Trabalho e da Segurança Social, um Grupo de Trabalho

para apreciar essas iniciativas. Foram realizadas, nesse âmbito, dezenas de audições a diversas entidades,

das quais resultaram o reconhecimento geral da necessidade de melhorar o enquadramento normativo desta

forma de organização do trabalho. Contudo, contrariamente aos sinais dados publicamente pelo PS, às

necessidades reconhecidas em várias das audições, as propostas da Esquerda acabaram por ser todas

chumbadas.

O contexto mundial, e particularmente o europeu, alterou-se substancialmente com a invasão da Ucrânia

pela Rússia e com consequências imediatas que são já preocupantes: os preços aumentam (mais de 5% de

subida do custo de um cabaz de compra com os alimentos essenciais) mas os salários não, ou muito menos.

Desde o início da invasão da Ucrânia, o custo de vida aumentou três vezes mais que os salários. Quem

trabalha está, de novo, a empobrecer. É urgente conferir dignidade ao trabalho desenvolvido pelos

trabalhadores por turnos e em regime noturno, combatendo a sua utilização indevida e conferindo proteção

acrescida em virtude do reconhecimento da penosidade do trabalho desenvolvido.

O presente projeto de lei visa dotar a lei de instrumentos que, assegurando os serviços e produções

normais das diferentes organizações, diminuam as consequências nefastas deste tipo de trabalho,