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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 531

mais que tenha feito ainda não consegui comprehender a causa d'aquelle terror.

V. exa. sabe que ha muitos lavradores que são um pouco medicos e um pouco advogados; ou poderia ser profano, e saber alguma cousa da estrategia, mas nada, não me foi possivel encontrar um unico fio que me podesse levar ao conhecimento da estrategia, que tanto receio causou á illustre commissão, para lhe aconselhar o desvio do caminho de ferro por longe de Coimbra.

Em verdade, a questão politica, essa comprehendo-a bem.

Quando se decretaram os primeiros caminhos de ferro portuguezes, era ainda vivo, e prouvera a Deus e fosse agora, um dos mais illustres varões de Portugal, o sr. marquez de Sá da Bandeira, e uma das suas questões principaes, quando se tratava do caminho de ferro de leste, era seguramente a questão estrategica, e por isso obrigou, creio que um pouco mesmo contra algumas condições technicas, o caminho de ferro de leste a passar por baixo das linhas de Elvas.

Este caminho de ferro tinha por consequencia por esse lado a garantia politica e estrategica de passar por baixo das linhas de Elvas, e vinha, por outro lado, terminar na capital do reino, e servir-se de um porto que nunca ha de ser-lhe completa e exclusivamente consagrado, como ha de ser o da Figueira á linha da Beira, e onde se encontra a primeira guarnição militar do paiz, e emfim onde ha todas as providencias que podem ser necessarias a um governo qualquer para evitar um golpe de mão.

Portanto quanto a esta linha vejo que foram bem assegurados os nossos direitos o acauteladas devidamente quaesquer eventualidades, a que e muito justo attender, quando se pense na segurança do paiz.

Quanto á linha que segue para o norte vejo que ella vae encontrar na estação do Pinheiro duas linhas do estado, as quaes são o seu natural complemento: as linhas do Minho e do Douro.

Ao sul de Portugal encontro tambem os caminhos de ferro do estado.

Vejo, pois, que por todos os lados nos caminhos de ferro até agora construidos em Portugal, estão garantidas perfeitamente as nossas condições estrategicas, se acaso me não engano.

O caminho de ferro da Beira Alta, deixou, por graves difficuldades technicas, de passar por ao pé da unica praça de guerra que o poderia vigiar, a praça de Almeida.

O governo que o contratou entendeu que nos não convinha construil-o por conta do estado.

Mas de não se poder construir toda a linha não se segue que se não possa construir uma parte d'ella.

Estou convencido de que não seria despeza com que não podessemos a construcção por conta do estado d'esta pequena linha do caminho de ferro, que vae da Pampilhosa á Figueira da Foz.

Esta testa da linha da Beira, que aliás me parece não ter difficuldades de construcção, punha na mão do governo a chavo da nossa linha internacional, o que era de maxima conveniencia politica e talvez estrategica.

Todos os governos desejam ter na sua mão estes poderosos instrumentos de riqueza o tambem de guerra.

Sei que nos é impossivel adquirir para o estado todos os do nosso paiz, construidos e por construir, mas conviria muito que as chaves de cada um d'elles estivesse nas mãos do governo. Era uma garantia.

Levado por esta ordem de idéas, dizia eu pois, e repito, comprehendia a falta de concurso, quando o governo quizesse fazer este caminho de ferro por sua conta.

Ainda comprehendia este caminho feito por ajuste só com a companhia da Beira (se a lei consentisse a falta de concurso), se o governo conjunctasse com ella outros melhoramentos que compensassem em beneficios para o paiz o que n'este vae de beneficio para a companhia.

Em breve me referirei a essas compensações, mas cumpre me ainda reforçar os argumentos em que tenho de fundar o meu pedido.

Permitia-me pois agora v. exa. uma digressão que não é de todo estranha a este debate, digressão que outro dia eu tinha de alguma fórma aununciado ao sr. ministro das obras publicas, quando lhe pedi a remessa de alguns documentos de que precisava para entrar n'esta discussão, e que infelizmente não vieram.

E uma pequena revista retrospectiva.

A companhia da Beira Alta tem feito, como a maior parte das companhias, obra por sua conta e risco.

As clausulas do contrato e as disposições das nossas leis nem sempre têem sido por ella devidamente acatadas; e, entre outros factos, vou narrar um de que o illustre ministro tem de certo conhecimento.

Como não tenho na minha mão os documentos officiaes para poder fazer a narrativa de fórma que possa asseverar á camara tudo quanto vou dizer, peço ao illustre ministro que rectifique as minhas asserções e as minhas asseverações em tudo aquillo em que eu não for rigorosamente exacto.

Em março do anno passado a companhia do caminho do ferro da Beira Alta lembrou-se de propor uma alteração ao traçado primitivo entre kilometro e kilometro (não posso dizer agora os numeros, o que sei é que no meio d'estes kilometros havia de ser construido e se está construindo o tunnel de Tresoy, na serra do Bussaco) e propoz, segundo era seu direito, uma variante que devia ser approvada pelo governo, na conformidade do seu contrato e dos regulamentos legaes, para depois poder ser executada.

O certo é que essa variante, com uma pequena rectificação que lhe fez o governo, foi approvada em 25 de março d'aquelle anno; porém a companhia, que tinha tido pressa em começar os seus trabalhos, principiou a perfuração do tunnel do Tresoy, sem esperar pela approvação do governo; e por uma irreflexão muito notavel, nem seguiu n'essa perfuração o projecto primitivo, nem o projecto de variante apresentado por ella ao governo e depois approvado com pequenas rectificações.

Os engenheiros encarregados da fiscalisação d'aquella obra foram verificar este desmando; e na conformidade dos decretos de 5 de dezembro do 1860 e 31 de dezembro de 1864, decretos dos quaes um foi referendado pelo sr. Thiago Horta, de saudosa memoria, o outro pelo actual sr. ministro da guerra, e por consequencia ambos insuspeitos aos srs. ministros e á maioria; na conformidade d'esses decretos, digo, foi a companhia avisada de que não podia continuar por aquella fórma a abertura do tunel.

A companhia não fez caso do aviso, e n'esta parte não a posso louvar nem desculpar, nem ao governo que lhe consentiu. Continuaram, pois, os trabalhos.

Em consequencia d'isso e conforme ainda as leis regulamentares e as clausulas do respectivo contrato, fez-se-lhe a devida intimação.

A companhia desprezou essa intimação, da mesma fórma por que tinha desprezado o aviso.

A auctoridado fiscal, ainda na conformidade d'estes decretos, recorreu ao levantamento de um auto, o qual enviou para o ministerio publico, como então lhe era concedido e facultado, o que me parece que já não é. O governo agora toma sobre si o direito, segundo me consta, de fiscalisar directamente, e por sua conta e risco remette ou não remette estes processos para o poder judicial. É preciso, pois, que haja uma ordem expressa do governo para se entregar o auto ao poder judicial, o que me parece contra lei. Se estou em erro, s. exa. rectificará.

Seguiu-se um embargo judicial e foi instaurada a competente acção.

O governo foi prevenido de tudo o que se passava. E por essa occasião dizia a inspecção das obras d'aquelle ca-

Sessão de 21 de fevereiro de 1880