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SESSÃO DE 29 DE MAIO DE 1885 443

Nações. - Para que havemos pois desviar-nos n'isto do caminho seguido pelas outras nações?

Eu desejaria, como disse, que esta materia fosse effectivamente eliminada da carta, mas já que lá está continue muito embora, mas redija-se a disposição de modo que a constituição do estado não fique em opposição com a constituição divina da Igreja. - Para isso proponho que se declare expressamente que as bulias e os breves relativos á fé, ao dogma, á crença, e á disciplina interna da Igreja não estão dependentes do placet para produzirem os seus effeitos no fôro interno da consciencia, e que só estão dependentes do placet as bulias que respeitem á policia do culto ou ao fôro externo.

Para poder demonstrar a justiça d'esta minha indicação devo dizer que n'este assumpto ha tres systemas ou escolas.

A primeira é a dos ultramontanos ou dos romanos, que não quer, não acceita o placet em caso algum.-A segunda é a dos galicanos, regalistas, que quer o placet em tudo e sempre. - A terceira é a que acceita o placet em todos os actos da auctoridade ecclesiastica relativos ao culto externo e á policia do culto, nos que se destinam a ter execução externa, mas não nos que respeitam ao dogma, á fé, á moral e á consciencia.

O primeiro systema funda-se no principio que as duas sociedades - a temporal e a espiritual - não são iguaes, que a ecclesiastica é superior á temporal, que as leis civis devem ceder ás canonicas, e que o imperante civil depende do chefe da Igreja. - Dimana do principio do poder, directo ou indirecto, da Igreja sobre o estado. - Vigorou durante a idade media e procura ainda hoje sustentar as suas aspirações. - É a doutrina do Sylabus, apparece em todos os documentos da curia; estava descarnadamente estabelecida no primeiro schema sobre a constituição da igreja do concilio do Vaticano, e passou disfarçadamente para o capitulo 3.° da mencionada constituição do mesmo concilio. - Foi desenvolvido na enciclica de 29 de junho de 1881, ácerca do principado civil, do actual papa Leão XIII. - Está sustentada na notavel nota diplomatica do cardeal Antonelli, em resposta ao celebre memorandum do conde de Daru, ministro do segundo imperio. - E no decurso das negociações com o imperio do Brazil, ácerca da prisão dos bispos de Olinda e do Pará, o cardeal Antonelli assegurou ao negociador brazileiro que a santa sé havia tolerado, mas nunca havia reconhecido, nem no Brazil nem n'outra parte, o placet.

Não me parece que esta affirmação do cardeal Antonelli fosse exacta e verdadeira. - É certo que a santa sé nunca reconheceu em principio, ou por uma providencia geral a legitimidade do placet, mas tem-n'o muitas vezes reconhecido expressamente em muitas hypotheses.

Por exemplo. Pela bulla de 26 de janeiro de 1564, o papa Pio IV pediu e exhortou aos principes catholicos que acceitassem os decretos do concilio de Trento, é que ajudassem os bispos na sua execução amonemus et obtestamur ut ad ajusdem concilii exequenda et observando, decreta, praelatis cum opus fuerit auxilio et favore suo ad sint". - E no breve de 24 de junho de 1564, dirigido pelo mesmo papa a El-Rei D. Sebastião, pedia lhe o Papa que, assim como elle havia sido o primeiro principe que havia mandado oradores ao concilio, e consentido que a elle fossem os bispos nacionaes, fosse tambem o primeiro a dar o exemplo de serem executados os seus decretos. - Assim, é visto que o Papa, supplicando e pedindo aos principes o auxilio para a execução do concilio, reconhecia a possibilidade e o direito de lhe ser recusado, de não ser acceito o concilio, como aconteceu na França onde nunca foi recebido, e na Hespanha, onde só foi acceito condicionalmente ou com limitações. - Pio IX não procedeu assim relativamente ao concilio do Vaticano, porque nem pediu aos principes que mandassem oradores, nem lhes communicou o resultado do concilio, nem, lhes pediu auxilio, favor e protecção para a execução dos decretos conciliares. - Dois pontifices procederam de modo tão opposto!!!

2.° Pela bulla de 5 de janeiro de 1576, Pio V dizia a El-Rei D. Sebastião, referindo-se á acceitação que este rei havia feito do concilio, que os principes têem que tomar para si o que é de César, isto é - a jurisdicção temporal, e que os sacerdotes, para exercerem a sua jurisdicção, precisam da auctoridade do ministerio dos principes. Não podia haver reconhecimento mais expresso da legitimidade do placet ou exequatur, do que este feito assim por um papa.

3.° Monsenhor Darboy, arcebispo de Paris, o ultimo martyr do christianismo na Europa, em uma sessão do senado em 1865, tratando-se da recusa do placet á encyclica Quanta cura, disse, - que um papa illustre, que era profundo theologo e notavel canonista, Bento XIV, havia feito uma concordata com o Piemonte, á qual ajuntára uma instrucção na qual declarára que as constituições pontificias relativas á disciplina deviam ser submettidas á approvação do senado, e que para terem força obrigatoria dependiam do exequatur real. Exceptuam-se, dizia o papa, as bullas e constituições relativas á fé e aos costumes.

Aqui temos, pois, um papa tão illustrado como foi Benedicto XIV, - reconhecendo expressamente a legitimidade do beneplacito nas bullas disciplinares, como eu agora proponho e defendo.

4.° - Pio VII, em 1818, ajustou uma concordata com o rei Luiz XVIII, com o fim de annular a feita com Napoleão, e n'ella se declarava que os artigos organicos ficavam subsistindo n'aquillo que não eram oppostos ás leis canonicas; mas no projecto de lei apresentado ás côrtes para a approvação d'essa concordata, havia o artigo 3.°, no qual expressamente se estabelecia a necessidade do exequatur para todas as bullas e breves, sem excepção ou differença alguma. Era assim que o rei christianissimo entendia as estipulações da concordata, e no discurso da corôa d'esse anno, o mesmo rei fez expressa menção, de que por aquella concordata haviam ficado salvas as liberdades da igreja galicana, - isto é - o placet. -

Eu sei que no sylabus de 1864 e no capitulo 3.° da constituição da igreja do concilio do Vaticano, se reprova e repelle expressamente o placet. - Mas o sylabus não é um documento official e authentico, não constitue ensinamento doutrinal, nem da igreja nem do papa. - É um documento anonymo, que não tem data nem assignatura. - Foi remettido aos bispos juntamente com a encyclica Quanta cura, mas n'esta não se faz referencia nem allusão alguma ao sylabus. - A encyclica, sim, essa era datada, e terminava pela assignatura do papa - Pius Papa-, mas o sylabus não. A encyclica concedia um jubileu, no sylabus referem-se apenas as condemnações anteriormente feitas, de varias proposições como audazes, temerarias e arriscadas, mas não como hereticas. Nem afastam da igreja, nem o ministerio, doutrinal se exerce por procurador. O Espirito Santo não se delega.

Emquanto ao concilio do Vaticano, é verdade que no primeiro schema sobre a constituição da igreja se tratava desta materia e se condemnava a doutrina do placet como heretica; mas esse schema não foi approvado pelo concilio, foi retirado de discussão por ordem do papa e substituido por outro que constitue hoje o capitulo 3.° da constituição da igreja, e n'esse não ha similhante condemnação. - A condemnação ficou limitada só quanto á doutrina que nega a jurisdicção immediata e ordinaria do papa sobre todas as dioceses da christandade. O papa por este modo ficou constituido como bispo universal - bispo dos bispos. -

A doutrina do placet constitue, pois, uma questão livre e aberta, cada qual póde seguir a opinião que quizer sem cair em heresia; e é n'este sentido unicamente que posso entender e interpretar a doutrina ensignada no § 1727.° do compendio do Direito ecclesiastico do actual sr. bispo de Beja, aliás conteria uma notavel