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444 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Isto posto quanto ao systema ultramontano, cumpre dizer que o systema galicano, ou dos regalistas, é perfeitamente o contrario. - Exige o placet para todos os actos do poder ecclesiastico, quer disciplinares, quer dogmaticos ou doutrinaes. - Estes dois systemas, porém, comquanto sejam contrarios e oppostos, partem da mesma base. Ambos elles sustentam que dentro do estado não podem haver dois poderes supremos e iguaes, sem que resulte anarchia. Assim, os ultramontanos sustentam a superioridade da sociedade ecclesiastica, e os regalistas a superioridade da sociedade civil. - Os primeiros querem a subordinação do poder temporal ao espiritual, os segundos a subordinação do poder ecclesiastico ao temporal. - Santo Thomás dAquino, Belarmino, Suares, Liberatori, Buix, o cardeal Antonelli e os padres do concilio do Vaticano sustentaram aquella doutrina. - Os regalistas do seculo XVIII, os escriptores protestantes, ou do systema territorial, Voltaire, Prodhon etc. etc., sustentaram a doutrina opposta. -Voltaire dizia que na religião nada havia que fosse indifferente ao estado, e que tudo devia estar sujeito á inspecção do principe, que de haver dois poderes iguaes não podia resultar senão a desordem e a anarchia. - Prudhon dizia que a distincção entre o espiritual e o temporal era uma utopia, que não é possivel ha ver conciliação mas subordinação. - No fundo era esta a a doutrina de Gregorio Vil, Bonifacio VIII e Innocencio III. - Os extremos tocam-se, e por que são extremos são falsos.

A theocracia mette o estado na sacristia, o galicanismo colloca à sacristia na caserna. - A verdade está na distincção entre a sociedade civil e a espiritual, na independencia é concordia entre o governo da igreja, e o do estado. - E a escola de Fénelon, de Montalambert, Darboy, Dupanloup e de todos os modernos catholico-liberaes.

O regalismo só póde existir nos tempos de despotismo e de perseguição. - A theocracia só póde existir quando o poder religioso é uma dependencia do poder politico, como era no tempo dos imperadores christãos, como é na Russia, em Constantinopla, na Inglaterra, e o era tambem em Roma no tempo do poder temporal do papa. - O regaliamo só póde sustentar-se pela perseguição, e só é compativel com a constituição civil do clero. - Se a theocracia tem sido mais fatal a igreja do que ao estado, o regalismo tem sido mais fatal ao estado do que á igreja, porque lhe aliena as consciencias",

Se todas as variantes por que se tem querido defender 6 Sustentar o regalismo cáem no protestantismo, todas as variantes por que se tem querido defender ò ul-tramontanismo cáem sempre na theocracia. - Só é verdadeira a distincção entre os interesses materiaes e os interesses moraes, entre os interesses do estado e os da religião, da fé, da moral e do espirito.

É n'esta distincção que eu pretendo filiar a minha doutrina ácerca do beneplacito. - Beneplacito, isto é intervenção e inspecção do estado em tudo aquillo que póde respeitar aos interesses materiaes, á ordem publica, á policia do culto. Nada de beneplacito, nada de intervenção ou de inspecção do estado nas materias espirituaes, relativas á fé, ao dogma, á crença, aos costumes, á moral, á alma, á consciencia, á salvação e á vida eterna. - Nada mais e nada menos.

Esta distincção entre os interesses materiaes e os espirituaes do homem, e o principio da suprema independencia da sociedade temporal da espiritual ou religiosa e dos seus governos, é o principio que tem servido de base a esse movimento civilisador que, começado ha dezoito seculos e tendo progredido em suas magnificenciàs de seculo em seculo, talvez nunca a humanidade chegue a ver o seu final termo. - A religião e a sciencia, a igreja e a sociedade civil, o fiel e o cidadão, procuram com inquieto afan a formula mais adequada ás condições do seculo presente para o seu livre movimento e co-existencia, mas não teem podido encontral-a, e as formulas que a sociedade antiga nos legou são estreitas e acanhadas de mais para os immensos interesses religiosos e temporaes da nossa idade. - Até aqui o problema havia-se apresentado simples e singelo porque era só a igreja e o estado os que haviam entrado no litigio, e na impossibilidade de se vencerem um ao outro haviam entrado n'uma vida de transacção e harmonia ás vezes apparente; - mas hoje entra na arena outro campeão poderoso, a liberdade individual, contra a qual muitas vezes os dois contendores se têem ligado dando treguas ás suas mutuas discordias. - A paz, a desejada paz não apparecerá sem que a igreja, o estado, e o cidadão se encerrem na legitimidade do seu estricto direito. E oxalá que esse dia appareça para que a consciencia dos povos se tranquilise, que mal sabe se ao sentar-se n'esse banquete civilisador que a vida presente lhes offerece, perde o logar n'esse outro banquete de gloria para que Deus a chama no fim da vida. - Para isso é forçoso, é necessario, que todos noa proclamemos a perfeita compatibilidade de todos os direitos e de todos os deveres, de todos os interesses, os materiaes e os moraes, de e todas as liberdades, a liberdade civil, a liberdade politica, a liberdade religiosa, a independencia da igreja, a soberania, e a secularisação do estado.

É uma verdade, que por ser sabida chega a ser vulgar, que a maxima innovação que Jesus Christo trouxe ao mundo pagão consistiu na emancipação que proclamou da consciencia humana, libertando-a do poder do estado e submettendo-a só directa e immediatamente a Deus e á sua igreja. - Com os humilissimos actos da sua vida, e com a delaração que fez de que o seu reino não era na terra, desvaneceu o erro em que laborava o povo judaico de que o salvador promettido pelas prophecias seria um monarcha poderoso e forte que o libertaria do pesado e odioso jugo da dominação romana. - A sua missão foi só espiritual, santificar a alma no tempo, dar-lhe gloria na eternidade. - Reconheceu a legitimidade do estado como instituição suprema na ordem temporal, e a do poder constituido, submettendo-se a seus mandados, e fez com que aquelle que destinava para seu representante na terra, o que devia ser a pedra angular da sua igreja, cumprisse o primeiro dever do cidadão, qual é pagar tributo ao estado. - Mas por outro lado animou tambem os seus discipulos no cumprimento de sua missão religiosa promettendo-lhe a assistencia do Espirito Santo para que podessem resistir aos poderes da terra se estes lhe quizessem impor outra lei.

A solidariedade da especie humana no seu supremo destino, e a unidade dos meios sobrenaturaes para o realisar, indicam a natureza social da religião, e a necessidade de um governo com condição da sua existencia. - No meio d'esta sociedade não podia deixar de haver um poder dotado de meios e attribuições sufficientes para a governar. - Jesus Christo marcou com simplicidade a natureza d'esae poder dizendo-lhe que tudo o que ligasse na terra seria ligado no céu, e marcando lhe a categoria dos meios que poderia empregar, a saber - a prégação, à adevertencia, a censura, e por ultimo a expulsão. - Foram estas as bases em que Jesus Christo assentou a sua igreja.

A emancipação da consciencia da jurisdicção do estado, e a incompetencia do estado para submetter a consciencia, ficaram sendo, por outro lado, as bases da futura constituição do estado. - Os apostolos executaram estes preceitos, e protestaram só quando, intimados pelo Principe dos sacerdotes e pelo conselho dos anciãos para que não pregassem o Evangelho, responderam que obedeceriam antes a Deus do que aos homens. - Era isto o que poderiam dizer hoje os bispos em casos similhantes.

Estes preceitos estatuidos pelo divino mestre só por si não eram sufficientes, em verdade, para constituirem um corpo de doutrina e de legislação que pudesse dar solução no andar dos tempos, a todas as difficuldades e conflictos que haviam de surgir. Limitou-se a affirmar a competencia do estado na ordem temporal e a competencia da igreja na ordem espiritual. - Entre estas duas affirmações ficou um