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SESSÃO DE 29 DE MAIO DE 1885 445

espaço immenso que á sciencia humana era reservado preencher no andar da historia.

Durante os tres primeiros seculos a igreja não teve relações com o estado, era uma sociedade prohibida e illegitima, era uma sociedade secreta, foi perseguida. - Ella reconhecia o estado, mas o estado não a reconhecia ella. E comquanto já desde o meiado do terceiro seculo a igreja tivesse força para se revoltar contra a tyrannia dos Cesares nunca o fez, foi sempre respeitosa. - Os martyres defendiam-se allegando os direitos da inviolabilidade da consciencia, mas não os da sociedade religiosa.

Com a paz dada á igreja por Constantino operou-se no seio d'ella uma transformação profunda. - Quer os edictos de Milão se limitassem a reconhecer a igreja como sociedade licita, como querem uns, e a dar-lhe a paz, quer fizessem mais que isso, e a religião christã se convertesse em religião do estado, como dizem outros, a verdade é que nas luctas posteriores com o imperio christão os defensores do christianismo já não allegavam os direitos da consciencia, mas sim os da sociedade religiosa, como sociedade parallela rival do estado. - Principiou então a doutrina dos dois poderes, e d'ahi a pedir, a igreja, o auxilio, do braço secular para dominar a liberdade ia só um passo. Não se contentando com a liberdade propria pedia que o estado se collocasse a seu lado e ao seu serviço para lançar as bases do seu futuro imperio. - Esta doutrina foi posteriormente desenvolvida por Gregorio VII, Bonifacio VIII e Innocencio III, e teve seu maximo desenvolvimento durante a idade media. - Depois nasceu do estado moderno, mas nasceu dentro da igreja, como a igreja havia nascido dentro do estado pagão.

Mas o estado não podia resignar-se a viver perpetuamente sob a dependencia e subordinação da igreja. Era inevitavel a sua emancipação e emancipou-se, não sem que de vez em quando deixasse de apparecer algum acto de vingança, talvez de ingratidão, contra a igreja. - Á humilhação de Canóssa correspondeu o sacrilegio de Ananhi, o poder civil humilhado na pessoa de Henrique IV, tirou a sua vingança na sagrada pessoa de Bonifacio VIII. - A igreja, á sua vez, não deixou nunca de accender e atear o fogo das suas aspirações. - Innocencio IV desthronou Sancho II. - Alexandre VI distribuiu o novo mundo entre Portugal e a Hespanha, como se fosse propriedade sua. - Sixto V depoz o Rei de Na varra. - Innocencio X annullou os tratados de Wetesfalia. - Clemente XIII publicou o Monitorio contra o duque de Parma, Monitorio que tanto excitou as furias do nosso marquez de Pombal!!!

Mas onde a doutrina ultramontana apparece mais descarnada é nos escriptores do seculo XVII, os quaes alliados a tudo quanto, ainda hoje, ha de mais preverso nas doutrinas demagogicas defenderam o regicidio e proclamaram o direito de insurreição. - Foi sob o imperio d'esta doutrina que a nossa revolução de 1640 se operou. Nas actas das côrtes dos tres estados de 1641 apparece ella assentada como verdade incontroversa, bem assim nos documentos officiaes da epocha, e nas obras dos escriptores portuguezes d'esse tempo. - O nosso Francisco Valasco de Gouveia principiou a sua memoravel obra - Ajusta acclamação - escripta por incumbencia dos tres estados, pela defeza dos assassinos de Julio Cesar, obra tão radicalmente revolucionaria que o marquez de Pombal a fez condemnar como apocripha. - O padre Mariana defendeu o frade dominico, que assassinou Henrique III, honrando-o com o titulo de - Eternus Galice Decus. - A Henrique IV nunca lhe foi perdoado o seu primitivo calvinismo, e se em dez annos póde escapar a dez tentativas de assassinato, teve a final que succumbir ao punhal de Ravaillac.

Actualmente o Sylabus é o codigo politico do ultramontanismo. - É o formulario politico de um partido que procura esconder-se por entre as vestes sagradas do summo sacerdote da igreja catholica. - Nós não podemos transigir com as pretensões exorbitantes d'esse partido sem que retrogrademos alguns seculos; mas ao mesmo tempo não devemos ser menos severos com as pretensões exageradas do poder temporal, se persistir no empenho de dominar as consciencias, e de intervir no regimen interno da igreja, pelo exercicio de prerogativas que tiveram sua rasão de ser em tempos antigos, e em alguns periodos da historia, mas que hoje são verdadeiros anachronismos e constituem revoltante tyrannia. - N'este numero entra o Beneplacito, na extensão e na largueza em que alguns o querem e o defendem.

E que é o placet?

Placet, beneplacito, exequatur, pariatis, praz-me, etc., tudo é o mesmo, segnifica a acceitação, o reconhecimento, a approvação por parte do poder civil de um preceito, disposição ou declaração do poder da igreja, pela qual lhe dá sancção e força, e lhe promette o auxilio do braço secular. - Se não é isso, não é nada.

Se á negação do placet corresponde a recusa da sanção do auxilio, da protecção do estado, á sua concessão não póde deixar de corresponder a promessa d'esse auxilio e sancção. - Foi assim que o entenderam, e o explicaram sempre os nossos antigos legisladores, jurisconsultos e escriptores. - O placet, quer quando se concede, quer quando se recusa, é sempre um acto de jurisdicção da auctoridade secular sobre as dicisões do governo da igreja. Ora eu considero que, se os actos de jurisdicção da auctoridade temporal são sempre legitimos quando exercidos sobre os negocios do estado, quando exercidos sobre os negocios da religião, são illegitimos, e nullos por falta de competencia.

Tão illegitimos são os actos da auctoridade da igreja sobre os negocios do estado, como são illegitimos os actos da auctoridade temporal sobre os negocios espirituaes.

É d'aqui que eu derivo a legitimidade do placet sobre os negocios que envolvem temporalidades, e a sua illegitimidade sobre os negocios puramente religiosos. -No fôro intimo, no dominio da consciencia, da fé, da crença, da alma, do espirito da salvação e vida eterna, nada de placet, - nunca beneplacito. - Sobre os negocios do estado, na policia do culto, no fôro externo, em tudo o que póde envolver temporalidades, placet e sempre placet. - Nada mais e nada menos.

Para mim a doutrina do placet é admissivel só nos termos e dentro dos principios por que as sentenças dos tribunaes estrangeiros precisam de ser confirmadas, ou revistas, pelos tribunaes nacionaes. Esta revisão equivale ao placet. Em quanto uma sentença estrangeira se não destina á execução não precisa do exequatur da justiça do paiz. - Desde que porém se destina á execução precisa do sêllo da auctoridade e da soberania territorial. - O mesmo é quanto aos preceitos ecclesiasticos; em quanto se destinam só ao fôro da consciencia não precisam do exequatur, porque o estado não tem suberania sobre a consciencia, desde que se destinam ao foro externo, e têem que ser executados, precisam do placet, do exequatur da soberania temporal.

Com que direito a lei civil póde pretender coagir-me a que eu creia ou não creia num artigo da fé?!! - Com que auctoridade póde o poder temporal coagir-me a que eu acredite, ou não acredite, na innerrancia do supremo pastor da igreja quando fala excathedra, ou como supremo doutor da igreja em materia de dogma ou de moral? - Publiquem mil leis, assestem contra mim mil arcabuzes, a minha consciencia ficará inabalavel!! - Poderá a minha constancia e fortaleza fraquear, mas a minha consciencia dirá sempre "eu creio". - O estado não tem alçada sobre a consciencia.

Desde que nós acceitâmos a religião catholica como religião do estado não podemos deixar de acceitar a igreja, e o seu governo, tal como Jesus Christo a instituiu. - Assim nem o catholico, nas materias da fé póde reconhecer outro superior senão a propria consciencia e a auctoridade da igreja, nem os inquiridores da fé podem privar os cidadãos da liberdade politica sem o consentimento da auctoridade temporal. - Foi assim que respondeu o Rei S. Luiz quando