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2756 I SÉRIE-NÚMERO 85

que pode diluir-se a ideia de retribuição desde que se salve um homem.
Era ainda o mesmo Eduardo Correia que escrevia: «Um puro idealismo que impusesse a aplicação de sanções como fim em si mesmas, desprendidas da sua significação funcional, esqueceria que o Direito Penal é também institucionalmente forma de realização da vida em comum, na medida em que protege certos bens jurídicos (...). A punição baseada na culpa não tem, porém, um fim em si mesma, mas serve a protecção dos bens jurídicos. E se esta protecção se deve traduzir eminentemente na ressocialização do delinquente, a pena não há-de ter um sentido estático de mera retribuição de um mal com um mal, mas o de reparação das tendências do deliquente para o crime, através da sua recuperação e regeneração ».
Por último, o terceiro axioma diz-nos que a culpa deve persistir como pressuposto irrenunciável e como limite intransponível da pena. A culpa não deve dar a medida da pena. A pena pode ficar aquém da culpa, o que não pode é ultrapassá-la, até porque esta, como em outra sede escreveu o ilustre Presidente desta nossa Casa, constitui um «axioma antropológico » da ordem jurídico-constitucional portuguesa. Tem de valer como limite, como barreira à instrumentalização do homem, em nome de fins próprios da sociedade. Como garantia de que a racionalidade instrumental, de que falava Max Weber, não vai dominar, absorver e sacrificar inteiramente a racionalidade de valores de uma sociedade democrática.
Por respeito à exigência da culpa, o Código e o legislador penal português faz eco daquela sábia advertência de Schiller, que já dizia ao príncipe: «Desconfiai, nobre senhor, nem tudo aquilo que é útil ao Estado é necessariamente justo ». É o limite da culpa que garante que a prossecução de tarefas e de metas legítimas, através do instrumento de conformação social que é o Direito Penal, se faça com respeito pelas exigências inultrapassáveis da justiça.
4. Não cabe no curto espaço que nos foi dado, e que nos é, sobretudo, tributado pela paciência de VV. Ex.ªs, uma referência detalhada a todas as propostas ou às mais significativas propostas da parte especial. Permito-me, abreviando o teor da minha fala, deixar, apesar de tudo, um tópico, que é o do reforço da tutela penal das pessoas. Bem podendo dizer-se que esta é uma reforma penal feita sobretudo em nome da pessoa e para a pessoa.
No novo texto do Código Penal, o número de crimes contra as pessoas, não obstante a redução significativa do número de crimes da parte especial, passa de 55 para 71. Ou seja, há muitos mais valores pessoais, quase todos recondutíveis a formas concretizadas de liberdade pessoal, que aparecem agora com a categoria de bens jurídicos, a gozar de tutela penal, bem podendo dizer-se que, se este é o Código da pessoa, é também o Código da liberdade, o Código Penal das liberdades.

Aplausos do PSD.

Nunca um código penal português, como nunca um código penal da Europa, teceu tantas normas penais directamente pré-ordenadas à tutela de formas concretas e no-minadas de liberdade. Na certeza de que o evoluir dos tempos fará acrescer esse universo de liberdades a gozar de tutela penal.
Temos a consciência muito clara de que não é possível a tutela de uma liberdade de forma absoluta porque as liberdades vivem e desenvolvem-se ern conflito e polaridade dialéctica, em tensão recíproca. É, pois, indispensável que a garantia de umas liberdades limite ás outras e que haja aquele comércio saudável de liberdades de que falam os juristas. Ou, como dizia Kant, «a ordem jurídica tem de limitar a expressão da liberdade de cada um às condições da convivência com a liberdade dos outros ». Ou ainda, seguindo Fichte, «a grande tarefa do direito está em tomar possível o convívio das liberdades de todos segundo uma regra ».
Isto vale para uma preocupação que tem tido por si o eco e a projecção na ribalta contemporânea, designadamente no que toca à liberdade de imprensa. Nos colóquios realizados e nas numerosas reuniões da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que tiveram lugar, tentámos demonstrar - e não foi feita demonstração em contrário - que as propostas protagonizadas pelo texto da reforma não reduzem, antes ampliam, o campo da liberdade de expressão do ponto de vista penal. Isto é, se algum sentido efectivo têm as propostas do Código Penal é o da redução significativa da mancha do punível a título de abuso de liberdade de imprensa.

Aplausos do PSD.

Fizemo-lo a propósito do já aqui citado n.º 3 do artigo 180.º, demonstrando que a sua eliminação redundaria em agravação das condições jurídico-penais dos profissionais do direito da palavra. Que são, para além dos jornalistas, todos aqueles que fazem da liberdade de expressão a sua forma de actuação e de realização de funções essenciais ao exercício da democracia. E que, pelo recurso à violência, por vezes necessária, da palavra, podem colidir com direitos como a honra ou a privacidade dos outros. Temos, por exemplo, em vista os críticos literários, os advogados no debate forense, etc., todos aqueles que usam esta instituição, que é a palavra escrita ou falada e que, no seu exercício e ao serviço dela, podem entrar em conflito com a honra ou com a privacidade dos outros.
5. Na impossibilidade de levar mais longe esta nossa análise, termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com a consciência assumida da modéstia da nossa tarefa. Ninguém está aqui a escrever direito para a eternidade. O tempo do direito intemporal acabou quando, no século passado, se desfizeram as últimas ilusões de jusnaturalismo. Só quando se pensava que o Direito Penal podia ser lido na vontade dos deuses ou escrito na natureza é que se podia pensar que o Direito e o Direito Penal, proclamado uma vez, o era para todos os tempos.
As tarefas que nos incumbem - e esta foi a grande descoberta do direito positivo - são muito mais modestas mas também muito mais gloriosas. Somos agentes e participantes numa estafeta interminável, em que nos limitamos a passar o testemunho. Deixamos um padrão com a marca do nosso próprio tempo e das nossas angústias e esperanças na certeza e na convicção de que aqueles que hão-de vir farão diferente de nós. Oxalá que assim aconteça! Os seus contributos são desde já bem-vindos!

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate político da

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