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II SÉRIE-A — NÚMERO 51

Diz-se que Hommel dissertou sobre tudo isto mesmo antes de ler Beccaria e a sua advertencia: consequência da origem das leis penais no contrato social é o favorecimento daquelas «virtudes benéficas que são eféito' de uma fazão iluminada, que prefere mandar em hornería livres dó1'que num contingente de escravos» O2). Caracfet-rísticas';dal leis penais provindas da cidade eram, portarVro, a humanidade e o respeito pela liberdade pessoal. r"J

A benefício do significado histórico da tese, pouco lYá-de importar qual dos dois autores detém a bandeira da primazia. U

O qué importa é que estavam lançadas assim, por ambos, as bases políticas do bem jurídico, de que ele nãorse apartaria" ¡no essencial na evolução que depois teve, pes^m as tentativas episódicas de neutralização ou de desvirti^-mento de .que foi vítima. ,t

Tentativas de neutralização. A Escola Histórica e,¿o Positivismo, em nome de assumida crítica às teses da Ilustração, ignorá-lo-iam, reintroduzindo os crimes contra a,religião e os bons costumes — crimes lesivos de valores e interesses em que o Estado desta forma se intrometia.de novo. Aconteceu durante os movimentos políticos da primeira metade do século xix, os quais, como é sabido, esbateram a pureza fisionómica do liberalismo e concederam a ideias e práticas conservadoras (").

Tentativas de desvirtuamento, também. Depois de uma primeira rejeição do conceito, procuraria em pleno nacional-socialismo a Escola de Kiel afeiçoá-lo à ideologia do III Reich.

Disseram-no Schaffstein e Dahm. Num primeiro momento, ainda se renderam ao antagonismo patente entre um conceito que tão bem vincava a autolimitação do Estado e os interesses jurídico-políticos nazis e preferiram bani-lo. Mais tarde — e decerto por razão estratégica —, reconheceram a dificuladade de pôr de parte um conceito que tão fundamente sulcara o património do direito e da cultura política e tomaram-no expurgado de substância, como um puro nomen júris (l4).

Não poderá afirmar-se, portanto, que ao bem jurídico, cuja ideia a ciência jurídico-penal toma de Hommel e de Beccaria e dogmatiza a partir do século xix (l5), tenha ine-rido uma sempre assumida finalidade limitadora do poder punitivo do Estado. Nalguns momentos, ele revelou-se mesmo refractário a esse escopo (,0). Mas é bem certo que a parte mais representativa dos trabalhos a si dedicados caminham por aí, e de tal modo que a sua feição de limite político-criminal do jus puniendi é de longe a mais importante.

O bem jurídico assim entendido, limite e fundamento da criação de normas penais, tem suporte constitucional — também a Constituição concebe a entrada em cena do direito penal como ultima ratio, e estritamente reportado a lesões importantes dos fundamentos da convivência social.

Este entendimento possui várias e importantes consequências.

Em primeiro lugar, indefere uma visão «ontologista» do bem jurídico. Não é credível retirar dos objectos do mundo empírico o conjunto de bens penalmente tuteláveis. Nenhum objecto empírico limita, só por si, o legislador.

Igualmente está prejudicado um entendimento do bem jurídico que o identifique com a esfera espiritual, o estrito mundo dos'valores (l7). Colidiria uma tál tese o relativismo axiológico próprio da sociedade aberta.

Á protecção jurídico-penal há-de reportar-se àquilo que se entenda relevante para a subsistência da comunidade ou, dito por outras palavras, há-de reconhecer a natureza social do bem jurídico. Ele tem indefectível conexão com a ideia de que nada é tão desval ioso como praticar «lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem» (n).

A aferição do bem jurídico assim entendido reporta-se aos limites próprios do Estado democrático: tal como Hommel e Beccaria preconizavam, este não está legitimado para castigar ataques a valores puramente morais, mas tão-só para criar e assegurar condições de existência ao agregado social. Assim cai a punição de condutas imorais não lesivas de bens jurídicos (como será o caso da homossexualidade entre adultos ou de práticas sexuais que não importunem ninguém em concreto).

/Hão-de caber no conceito de bem jurídico, ainda, aquelas prestações que o Estado realiza porque se afiguram necessárias para a existência humana. Assim entendido, ele estará apto a incluir certos aspectos da administração da justiça, prestações de natureza social, enfim, tudo aquilo a que se reporta a função social do Estado de direito ('*).

A estes aspectos acresce a relevância da participação pessoal e do fomento dessa participação, imprescindíveis componentes do núcleo duro do conceito de bem jurídico O9). Deste modo, não será a mera «disfunção» de um comportamento, o representar ele uma «ameaça à subsistência do sistema; dos valores que o sustentam e os factos que permitem o seu desenvolvimento» (Jl>), a fundamentar a entrada em cerca do direito de punir. Será preciso mais: para além deste objectivo, pretende-se que incida a lesão do bem jurídico sobre as possibilidades de intervenção social de cada pessoa latamente concebidas — possibilidade de direito das pessoas e de protecção de vida na comunidade de todas as pessoas. . E) Reintegração social. — As sanções penais orientam-se também no sentido da recuperação do delinquente. A aplicação de penas e de medidas de segurança, di-lo ainda o n.° 1 do artigo 40.°, visa a, reintegração do agente na sociedade.

A expressão que a reforma introduz («reintegração») não provém da Constituição, ao contrário do que a comparação jurídica mostra acontecer noutras leis fundamentais (21). É, aliás, uma omissão tanto mais curiosa quanto é funda a marca preventista nas leis penais portuguesas.

('•) Cf. De tos Delitos y de las Penas, p 30.

(") Cf., a este propósito, Mir Puig, Introducción a las bases dei Derecho Penal. Bosch, 1976.

(,J) Idem, Mir Puig, op. e página cits.

(,5) É a Birnbaum que a expressão se deve.

('*) De facto, o Estado de direito liberal acantonava-o ao conjunto dos direitos subjectivos carentes de protecção penal, sem urdir nenhum critério material de delimitação.

(") Cf. Figueiredo Dias, «Os novos rumos ...», cit., p. 13.

(") A tese foi avançada por Roxin. Cf. «Sentido y limites de la pena estatal», in Problemas Básicos dei Dereclui Penal. Madrid, 1976, p. 24.

(") Cf. Calltess. Theorie der Strafe im demokratischen und sozialen Rechtsstaat. 1974, pp. 143 e segs.

C) Assim S. Mir Puig, Imroducción .... eil., p. 140.

(J1) É o caso das Constituições espanhola e ilaUana.