O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

14 DE SETEMBRO DE 1988 1105

Limitámo-nos, como pude referir, a fazer uma cisão do preceito, propondo um tratamento conglobado da matéria relativa ao poder regulamentar.

Conteúdo inovador tem apenas o n.° 1. Esse número resulta do facto de a Constituição não definir quais são os órgãos dotados de competência regulamentar, embora se verifique que a Constituição prevê, explícita e directamente, que gozem de competência regulamentar, por um lado, o Governo e, por outro lado, os órgãos das regiões autónomas e das autarquias locais.

Naturalmente, haverá que ponderar em que termos é que esses poderes regulamentares podem ser concedidos a outras entidades além destas que referi, e que estão indicadas na Constituição, quais sejam os limites para a concessão desses poderes regulamentares, e como é que se articula a definição desse acervo de poderes com o resto da ordem jurídica nessa esfera ou nesse segmento.

Toda essa matéria deveria, em nosso entender, passar por uma definição da Assembleia da República, sob pena de se poder dar origem, dadas as competências do Governo neste domínio, a fenómenos de atribuição indébita de poderes regulamentares a entidades de dependência governamental, mas não sujeitas ao conjunto de elementos de fiscalização, de sindicação, que caracterizam o sistema na sua lógica e que têm grandes implicações, também, para a própria repartição de competências entre órgãos de poder. O perigo é o esvaziamento progressivo dos poderes dos órgãos de soberania com competência legislativa. Em suma: por um lado, do ponto de vista subjectivo, a proliferação de entidades com poderes regulamentares e, por outro lado, a indelimitação decorrente de fenómenos de deslegalização podem originar situações perversas. Elas devem ser somadas, porém, a outras, isto é, a uma desvalorização da função legislativa, ao actual conspecto da repartição de competências entre a Assembleia da República e o Governo, às dificuldades de acesso ao direito e aos tribunais e à ausência de mecanismos eficazes de controle jurisdicional da produção de regulamentos. Tudo isto pode conduzir a uma situação extremamente negativa em termos de equilíbrio de poderes e de defesa dos direitos dos cidadãos.

A Constituição apresenta neste ponto uma lacuna e suscita dificuldades de interpretação. O PCP propõe que se colmate essa lacuna e dilucidem tanto quanto possível essas dificuldades de interpretação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - O problema que o n.° 1 do artigo 115.°-B, apresentado pelo PCP, coloca é um problema interessante mas que se defronta com algumas dificuldades práticas - em meu entender relevantes.

A moderna evolução das áreas de normação demonstra que esta separação rígida entre o que é vocacionalmente matéria objecto de acto legislativo e matéria objecto de acto regulamentar é uma fronteira em constante mutação. A preocupação que o PCP tem - também é nossa - de evitar que, por via regulamentar, progressivamente sejam esvaziados os poderes dos órgãos de soberania com competência legislativa é uma preocupação que, contudo, não deve dar lugar a excessivas rigidificações das fórmulas de articulação entre os diferentes actos normativos.

Descendo ao concreto para exemplificar este estado de espírito, diria que já hoje a interpretação que se faz da Constituição é a de que o fenómeno da deslegalização não abrange, desde logo e à partida, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, matérias que devam ser objecto da reserva de competência da Assembleia da República. Creio que não subsistem dúvidas maiores de interpretação quanto a esta conclusão, que já é, apesar de tudo, um patamar suficientemente consolidado de protecção das competências legislativas do Parlamento.

O problema que se coloca é sobretudo referente à deslegalização por via de decreto-lei governamental, isto é, o aumento da esfera de competência regulamentar do Governo através de acto legislativo do Governo.

Obviamente que esta é uma tendência crescente e preocupante, mas a proposta que o PCP nos faz encerra uma dúvida de base que é a seguinte: será que, de facto, ante a complexidade da vida contemporânea, o legislador parlamentar, quando elabora a lei, pode estar, logo à partida, ele próprio, a prefigurar todos os casos possíveis e imaginários de desenvolvimento do quadro legislativo que ele fixa, a ponto de inviabilizar a possibilidade de fazer apelo ao poder regulamentar para desenvolvimento de uma determinada lei, mediante a habilitação constante de decreto-lei do Governo?

Por outras palavras, não será uma regidificação excessiva do sistema imputar à Assembleia da República, no momento da definição de um quadro legislativo, a necessidade e a obrigação de definir se aquele quadro pode ou não ser desenvolvido através de actos regulamentares do Governo?

Não será isto um convite a que, através da jurisprudência das cautelas, os executivos venham à Assembleia pedir constantemente que em actos legislativos, e por sistema, se consagre sempre a possibilidade de desenvolvimento por via regulamentar dos actos legislativos consagrados em cada lei? Não haverá aqui uma certa tendência perversa da proposta do PCP, ou seja, propiciar exactamente o contrário daquilo que o PCP pretende obter, que é a sistemática consagração, em sede legislativa, da possibilidade de desenvolvimento das leis por actos regulamentares, ainda que apenas a título cautelar?

Porque, a não ser assim, sempre se teria de concluir que ou o Governo só poderia desenvolver todas as leis por actos legislativos, por decretos-leis, ampliando a forma destes a matérias materialmente regulamentares, ou então sempre que se verificasse na prática a necessidade de proceder ao desenvolvimento de uma lei, através de actos meramente regulamentares, isso custaria ao Governo uma iniciativa legislativa própria, inclusive autónoma, solicitando para um caso concreto à Assembleia da República que lhe concedesse a competência para proceder ao desenvolvimento dessa lei mediante actos regulamentares.

Portanto, a minha dúvida é a de saber se, sendo louvável a referida preocupação, não se fechará assim em excesso aquilo que, apesar de tudo, uma certa "lei de mercado" entre actos legislativos e actos regulamentares deve prefigurar, nomeadamente o conteúdo dos actos normativos em concreto. Até porque mesmo que o Governo tenha uma espantosa apetência regulamentar e vá progressivamente sapando a matéria que deveria cair na esfera de decretos-leis em benefício de actos regulamentares, subtraindo assim ao Parlamento o con-