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lo III. instituto nestes Reynos por huma Bulla, o Tribunal da Inquisição, e foi este o presente mais funesto que podia fazer aos portuguezes a cholera Celeste. Esta Bulla foi recebida, com agrado pelo Rey D. João III., sem saber que recebia com ella a infamia e desgraça deste Reyno; sem saber que com ella hia destruir a gloria do seu Reynado; sem saber que no futuro se dirá, que este Rey tinha mais piedade nas preocupações do seu entendimento, que no seu coração. O primeiro que teve a desgraça de ser Inquisidor geral, foi hum irmão do Rey, foi o Cardeal Henrique, que tambem foi depois Rey. Approvou este os primeiros estatutos do Tribunal, estatutos que não forão feitos por homens, porque nada tem de humanos. No tempo dos Filippes, o Inquisidor geral D. Francisco de Carvalho reformou os estatutos da Inquisição; quero dizer accrescentou ás barbaridades dos Inquisidores de Hespanha, as Barbaridades dos Inquisidores de Portugal. Nesse tempo realizava-se a fé em idéas atrozes, do mesmo modo que hoje as duas Nações rivalizão sobre ideas liberaes. Nessa mesma dominação dos Filippes, o Inquisidor geral D. Francisco de Castro tambem ainda ampliou a severidade dos estatutos da Inquisição, e desta maneira deslustrou a gloria da sua casa, a gloria adquirida pelos tres Castros. Ultimamente no Reynado do Rey D. José o Cardeal Dom, ainda reformou os estatutos da Inquisição. Estes forão precedidos de hum preambulo, que parece ser feito per hum Philosopho, mas o corpo ainda he de hum Inquisidor. Vejamos agora quaes forão as determinações destes estatutos, e quaes as funções do Tribunal da Inquisição. Era licito a toda pessoa, por mais perversa que fosse, ser denunciante, ou accusador. Toda a pessoa por mais virtuosa que fosse, era subjeita a estas accusações: nem o sexo eximia, nem a idade. As accusações erão recebidas apezar da incoherencia das testemunhas: nada importava que huma testemunha allegasse hum facto acontecido em Coimbra, e outra o mesmo facto acontecido em Lisboa, não se achava incoherencia. Nada importava que se asseverasse que o facto tinha passado hum anno, ou dez annos depois. Parece que se não queria senão ter victimas para atormentar. Admittida a accusação, procedia-se logo á prisão desculpadas, ou dos reos. Hia-se a sua casa; todas as Justiças, toda a força armada era obrigada a executar as ordens da Inquisição: era o preso transportado para as prisões da Inquisição, toda a sua familia era posta fora da casa, a casa ficava trancada, e a familia abandonada á sua sorte. Transportado o preso ás prisões da Inquisição, entrada em huma habitação muito pequena inteiramente escurecida, em hum espaço muitas vezes menor do que aquelle em que se põe os mortos. Alli passava mezes, e annos sem ser perguntado, sem chegar ás mesas dos inquisidores. Quando era perguntado não da para se oppôr á sua accusação, era para addivinhar quem tinhão sido os seus accusadores. Se depois de denunciar por accusadores seus filhos, ou seus pays, seus collegas, seus parentes, todos os seus amigos, seus conhecidos, todas as pessoas do mundo de quem sabia os nomes, assim mesmo não acertava com seus accusadores, em submettido aos tormentos. Estes tormentos erão polés, cavalletes, fenos em braza, e outras cousas que a Arte descreve, e sabe imaginar. Assistião a estes tormentos os Deputados da Inquisição, assistião Facultativos para ver se os desmayos que os atormentados mostravão, erão verdadeiros, ou fingidos: quando lhes parecião verdadeiros davão-lhes confortos para torna-los ávida, por medo de que escapassem as victimas. Quando de pois destes tormentos elles não acertavão senão com parte de seus accusadores, erão classificados de diminutos. Quando acertavão com todos seus accusadores, erão simplesmente condemnados (simplesmente) a gales, e a degredos para presídios. Quando acertavão com parte só, já disse, que erão olhados como diminutos, e sómente erão condemnados a garrote, e depois a serem queimados, e depois a serem suas cinzas deitadas ao Tejo, ou aos males. Ora quando absolutamente não addivinha vão seus accusadores, erão julgados impenitentes, e erão queimados vivos, e suas cinzas espalhadas como disse. Depois destas Sentenças proferidas, entregavão os seus processos ás Relações, aos Tribunaes Civis, e estes, sem exame nenhum, as manda vão executar. A' execução disto chamavão ao Auto da Fé. Para estes Autos da Fé, erão convidados todos os Ministros Estrangeiros para presenciar a infamia, a vergonha, e a desgraça dos Portugueses. Representemo-nos agora a differença que havia desses tempos horrorosos do terror que inspirava a vista, o gesto, e a voz de hum Inquisidor, com as emoções sublimes que nos inspira hoje a vista de hum Amigo da Patria. Representemos esses dias horrorosos dos Autos da Fé, e comparemo-los com os dias 15 de Septembro, e 1.º de Outubro de 1820, em que os Portuguezes se chamavão á liberdade, e á felicidade. A' vista pois do que tenho exposto, parece que o Tribunal da Inquisição juntou em si todas as ferocidades, e as crueldades dos maiores Tyrannos. Vê-se a ferocidade fria de Tiberio, na demora dos carceres: vê-se a ferocidade ardente de Caligula nos fogos, e nos ferros em braza: vê-se a ferocidade imbecil de Claudio no processo da Inquisição; vê-se a ferocidade sem freio, como sem vergonha de Nero, no tormento do potro; vê-se a ferocidade hypocrita de Domiciano, na relaxação que fazião dos seus criminosos ás Justiças Seculares. Mil e quatro centos homens forão assim queimados: mais de 30$000 pessoas forão exterminadas, e desgraçadas; e se juntarmos a isso as familias que ficarão desamparadas, os terrores que devião nascer deste Tribunal, e as molestias, e as mortes consequencia delle, não faremos muito em asseverar que a Inquisição se póde igualar ás maiores calamidades que tem affligido a especie humana; ás maiores catastrophes, incendios, terramotos, devastações, epidemias, guerras, e fomes. Servio pois este Tribunal para seccar os louros de nossa gloria; servio este Tribunal para extinguir o entendimento dos Portuguezes; servio este Tribunal para nos cobrir de vergonha. Os Navegadores que passavão á vista das Costas de Portugal, olhavão para este Paiz como inhospede, como habitado por selvagens ferozes, como para hum paiz que estava fora da civilização Europea: olhavão-no como habitado por homens