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SESSÃO DE 9 DE OCTUBRO.
(Presidencia do Sr. Macario de Castro.)
Abriu-se a sessão às onze horas e meia da manhã, estando presentes oitenta e cinco Srs. Deputados.
Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.
ORDEM DO DIA.
O Sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia; continua a discussão da organisação da segunda camara; o Sr. Branquinho tem a palavra.
O Sr. Branquinha Feio: - Sr. Presidente, levanto-me para tomar parte nesta interessante e difficil materia, não para illustrar, e menos convencer com minhas razões os nobres Deputados, que generosamente combatem no lado opposto, mas para emittir minha opinião franca e leal, filha de convicção intima, a fim de que o povo, a quem tenho a honra de representar, conheça qual minha crença política na organisação da camara senatoria. Está em discussão o artigo do projecto; que diz assim (leu). Este artigo é tal como o que se achava na Carta Constitucional, e só com a differença de haver a illustre Comissão mudado a palavra = pares = para senadores = e supprimindo a outra = hereditaria: já se vê por isso que a maioria da Commissão quer que o Congresso approve uma camara de senadores, vitalícia, de nomeação para do Rei, e sem numero fixo! A esta camara assim projectada me opponho eu, e conformo-me antes com o voto da minoria da Commissão, que a quer de eleição para do povo, temporaria, e limitada a certo, e determinado numero de representantes.
Se nós no projecto de Constituição estatuímos já que a soberania reside em a nação, donde dimanam todos os poderes políticos; se o mais sublime é da confecção das leis, porque tende a regular por um certo, e determinado modo as acções dos associados; se o sublime de um governo representativo consiste na independencia destes poderes políticos, e sua igual divisão, segue-se, como natural consequencia, que não convém, não é regular dotar a pessoa, ou pessoas, em quem se acha depositado algum dos outros poderes, com uma parte tão essencial daquelle: mas nós tambem já approvamos que a lei ha de ser feita pelos representantes da nação, e estes só se dizem taes, quando o povo lhe delega seus poderes, por isso é obvio que todos aquelles, que tiverem uma parte activa na factura das leis, devem ser especialmente incumbidos, delegados para tal fim, por quem tem o direito de o fazer; mas os senadores hão de concorrer para a factura das leis, logo é necessario que sejam delegados para isso, mas o meio para o serem é a eleição, por isso essa camara deve ser electiva: assim julgo eu ter respondido a um nobre Deputado, que julgou achar no artigo 4.º do projecto materia já vencida, e clara para mostrar que devia essa camara ser nomeada pelo Rei, por se dizer que o Governo de Portugal era a monarchia representativa, sem se lembrar que o artigo 16 era mais explicito e terminante, e sem que se possa inferir que o Rei seja tudo em comparação da nação, antes se deve inferir o contrario. Que essa camara deve ser limitada a determinado numero é obvio, por quanto, se os Deputados são eleitos em razão da população, não vejo razão para que os senadores, que, ou representam essas cathegorias marcadas no projecto, ou determinada propriedade, ou outras circunstancias o não devam ser: tambem é minha firme convicção que deve ser temporaria; e nem podia deixar de se-lo, logo que se vença a eleição; e nem vejo meio algum, para que o povo deixe de retirar sua confiança aos seus representantes, quando seus actos, sua conducta na camara não harmonisarem com os interesses publicos, mas tenderem antes ao contrario, senão a eleição, logo é preciso que se reproduza essa operação.
Porém diz um Sr. Deputado: nós decretamos a camara senatoria, como um corpo intermedio, que sirva de equilíbrio entre o povo e a corôa, por isso deve ser independente, e só o poderá ser quando for nomeado pelo Rei, e vitalício. Parece-me, Sr. Presidente, que a consequencia não é logica, por quanto se a camara dos senadores foi decretada com esse fim, se ella tem que interpor um juizo nas questões, que por ventura se levantarem entre o povo, e a corôa , é elle então considerado como juiz, e por isso não é regular, não é jurídico que esse juiz seja nomeado só á vontade duma das partes; julgo então que a conclusão, que o Sr. Deputado devera tirar era, que esse juiz fosse nomeado pelas partes divergentes. Diz-se: o povo tem uma grande tendencia para a oligarchia, convém por isso crear um corpo, que mantenha esse povo em seus deveres, no justo limite da conveniencia publica; mas não será sufficiente que esse corpo seja composto de anciãos, aonde as paixões não tem tanta força, aonde se observam os negocios com mais madura circunspecção? Mas porque seja necessario esse corpo circumspecto, deve logo inferir-se, seja nomeado pelo Rei?
Não, Sr. Presidente, porque se o povo tende para a oligarchia, o poder não tende menos para o absolutismo, e entendo por isso que não convém crear esse corpo homogene com o poder, o que era presumível s fosse nomeado pelo Rei, porque elle havia de escolher pessoas, de cujos sentimentos estivesse inteirado, e que fossem satellites do mesmo planeta. Este mesmo Sr. Deputado opinou para que acamara senatoria fosse proposta pela dos Deputados, e da escolha da coroa, ou vice versa; como o Sr. Deputado não explicou seu systema, delle por em quanto não formo cabal idéa; mas parece-me que jamais se poderia adoptar semelhante systema; pois que tendo para mim que o delegado não pode delegar.
Tem-se por vezes repetido nesta sala, e com enfase, que é necessario zelar os interesses da corôa! Confesso, Sr. Presidente, que não entendo tal doutrina; porque minha razão não póde conceber como a corôa deva ter outros interesses, que não sejam os dos subditos, os da nação em geral. Alguns nobres Deputados tem-se inclinado á opinião da maioria da Commissão, em razão do poço portuguez haver mostrado pouca affeição às eleições, em haver abandonado a urna! Parece-me porém que não tem tanta razão como querem inculcar, porque o povo é verdade que mostra seu enfado por tantas, e tão repetidas eleições, mas está em nossa mão limitar esse meio ao que é mais essencial, ao que é mais util: cortemos por uma vez essas enfadonhas eleições de juntas de parochia, de juizes eleitos, de administradores de concelhos etc. etc., e reservemos a uma para o essencial: se é verdade, o que os Srs. Deputados atfirmam, convém então que nem a Camara dos Deputados seja eleita; façam tudo hereditario, que é em meu entender, o que causa menos incommodo. Qual é, Sr. Presidente, o correctivo, que os nossos combatentes nos apresentam para a sua camara vitalícia, quando se tornar facciosa? Não o vejo: nova razão para a não adoptar: a passar a camara vitalícia via até grandes difficuldades para a coroa, quando esses senadores abandonassem esses interesses da mesma coroa; porque não lhe vejo recurso, alem da nomeação de novos senadores, mas podem haver circumstancias, em que fosse necessario nomear tantos, que não houvesse local, em que coubessem. Diz-se mais: queremos uma camara vitalícia, por ser mais estavel; mas aonde existe a camara da carta, que, alem de ser vitalícia, era hereditaria? Apenas existe em desejos de alguns portugnezes.
Acho mal fundados os receios de alguns Srs., que temem que as notabilidades úteis não venham ao seio da representação nacional, por quanto basta recordar-nos do que se tem passado em nossos dias, e veremos que o povo, a quem
SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. III. 48