O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

pessoas de mau agouro disseram-lhe: os senhores vão soffrer um bluff; o Sr. Luciano de Castro não vem cá!

Felizmente essas pessoas enganaram-se e o programma tem-se cumprido regularmente.

Os oradores que o precederam no uso da palavra começaram por apresentar votos de congratulação pelas melhoras do estado de saude do Sr. Luciano de Castro, tratando seguidamente da materia politica.

Seguirá elle, orador, o mesmo caminho; mas segui-lo-ha com sinceridade e com a franqueza de que tem sempre usado em todos os actos da sua vida.

Se elle, orador, pudesse conciliar os deveres politicos com os deveres da humanidade, diria que desejava que os deuses immortaes se reunissem para impedir S. Exa. de subscrever, de hoje para o futuro, decretos e diplomas officiaes que desprestigiam os poderes publicos e de assignar contratos que ferem a economia nacional.

Ao mesmo tempo, no cumprimento dos deveres da humanidade, pediria, para S. Exa. umas pernas duras e firmes como o marmore e um estomago que pudesse digerir madeira e aço, e que acceitasse, sem repugnancia, desde a trouxa de ovos até á nauseabunda ponta-de cigarro.

Mas como não pode conciliar o politico com o cumpridor de deveres de humanidade, limita-se a dizer a S. Exa. que se um individuo se approximasse d'elle, orador, e dissesse: - Na sua mão está assignar um diploma que me restitue a saude, - por maiores aggravos que elle, orador, tivesse d'esse individuo teria a bondade de coração necessaria para pôr tudo de parte e assignar esse diploma.

Passa agora á politica. O Sr. Conselheiro Luciano de Castro e o illustre leader da maioria explicaram a crise com toda a sinceridade, é facto; mas a seu ver, assentando sobre um erro. A sua explicação é outra.

O Sr. Pereira de Miranda saiu do Ministerio porque não era maduro sufficiente, não tinha aquella madureza que o Sr. Presidente do Conselho quer, a madureza das peras que caem da arvore, sem ser necessario sacudi-la.

O Sr. Luciano de Castro imaginou de principio que o Sr. Pereira de Miranda reunia todos os requisitos necessarios para ser Ministro da Coroa; o Sr. Luciano de Castro suppoz que o Sr. Pereira de Miranda desempenharia bem as suas funcções, que, diga-se de passagem, não deixou muito de corresponder aos bons desejos do Sr. Luciano de Castro, e haja em vista o que S. Exa. fez em materia eleitoral.

E agora, que tocou neste assumpto, aproveita o ensejo para agradecer do intimo da alma aos seus amigos e correligionarios do districto de Beja que lhe concederam os seus votos.

O que naquelle districto se passou foi extraordinario.

Esperava elle, orador, que o Governo se desinteressasse na lucta entre os grupos da opposição, no que respeitava á eleição da minoria, e nesta esperança aguardou os acontecimentos.

Decorre tempo, e um dia um seu amigo dirige-se lhe, como que convidando-o para uma conversa particular. Se perguntarem a elle, orador, que impressão sentiu nesse momento, não o saberá bem definir. Foi-se approximando d'esse amigo; mas no curto intervallo que os separava foi subitamente assaltado por uma visão cruel! Afigurou-se-lhe ver o Sr. Conselheiro Luciano de Castro tendo ao lado o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro olhando para elle, orador, desapiedadamente, cruelmente. Perguntara então a si proprio que mal teria feito áquellas duas alminhas de Deus!

Parecia-lhe ainda estar ouvindo diversas vozes que diziam: toma cautela Luciano não te fies nas palavras do nosso chefe; não te fies nos telegrammas enviados pelo Governo ás auctoridades para se manterem numa attitude pacifica; não te fies nisso!

Confessa que ficou impressionado e perguntava a si proprio se aquillo seria um sonho enganador.

Nunca as saas visões foram atraiçoadas; e d'esta vez succedeu o mesmo.

Sabe a Camara qual foi a phrase que essa boca amiga soltou? Foi simples, mas profundamente elucidativa: "Luciano estás fusilado!"

Sentiu-se então invadido por uma colera inexplicavel. N'essa occasião quasi que desejou que caissem raios que o partissem a elle, orador, ao Sr. Luciano de Castro e ao Sr. Hintze Ribeiro; isto, é evidente, com a precedencia das idades e das posições. Mas a verdade é que não veiu o tal raio e o resultado da eleição foi o que por todos é sabido.

Voltando ao assumpto politico de que se trata, a recomposição ministerial, diz o orador que a situação é realmente esta:

O Sr. Presidente do Conselho e o illustre leader da maioria certificaram que o Sr. Pereira de Miranda estava bem com a maioria; os Srs. João Franco e Pereira dos Santos disseram não ser convincente essa razão; pois o Sr. Presidente do Conselho, que tem ajusta comprehensão do seu logar, como homem publico que faz o enorme sacrificio de sair de sua casa para vir ao Parlamento cumprir o seu dever, senta-se na sua cadeira; e o Sr. Pereira de Miranda, que todos os dias é visto passeando pelas ruas, frequentando as Secretarias de Estado ainda na qualidade de Ministro, sae do Governo por estar doente! A razão pois allegada, alem de não corresponder á verdade, chega a ser injuriosa para o caracter de S. Exa.

Todos se lembram, por certo, de que Lisboa e seus arredores se preoccuparam durante muitos annos com o problema: "Porque saiu o Camara?"

Quando se organisou o Ministerio progressista, todos perguntavam: "Porque não entrou o Pereira de Miranda?" Seguidamente houve uma crise ministerial, e todos perguntavam se S. Exa. entraria; vendo, porém, o contrario, a pergunta foi: "Porque não entrou o Pereira de Miranda?" A isto respondia-se: "Deixem estar, deixem estar". Outros mais intimos accrescentavam que S. Exa. andava a armazenar experiencia, andava augmentando o seu já grande peculio de sciencia governativa.

Por fim o Sr. Pereira de Miranda entrou para o Ministerio; mas comprehende-se bem que tendo-se S. Exa. resignado a occupar um logar nos Conselhos da Coroa, tendo chegado até 1904 numa situação verdadeiramente excepcional como a actual, podia estar doente, ter um ou outro aggravamento de rheumatismo, mas não chegou por isso a pedir a sua demissão. Fazendo-o agora, certamente que outras razões imperaram no seu espirito, porquanto continua sendo encontrado em toda a parte, sem incommodo nenhum apparente, e até em condições apparentemente superiores áquellas em que se encontra o Sr. Presidente do Conselho, que não teve motivos para não deixar o seu lar, vindo para as fadigas parlamentares.

Ainda ha pouco tempo, quando os jornaes faziam referencias á questão dos tabacos, disseram que o Sr. Pereira de Miranda declarara ter toda a sua responsabilidade vinculada ao respectivo contracto. Mas então S. Exa. faz essa declaração na reunião das maiorias parlamentares, e quatro dias depois sae do Governo, sem assumir essa responsabilidade, que S. Exa. queria e devia tomar para si só?! Não, não se comprehende que S. Exa., conhecendo por inteiro o seu dever politico, praticasse uma brejeirice d'essa natureza. Se dá este nome a tal facto, que alias é improprio, é por não achar o termo exacto de que necessita para definir um acto de tal natureza.

A razão, portanto, da saida do Sr. Pereira de Miranda - repete - é outra.

Todos ouviram S. Exa. na Camara dos Dignos Pares e se perguntassem a elle, orador, se pela forma por que S. Exa. falava estava contente e satisfeito com tudo o que