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SESSÃO DE 17 DE MARÇO DE 1885 783

Hontem pretendi demonstrar que o estojo de que são feitos os tres mosqueteiros da dictadura ridicula de 19 de maio em nada se parece com o estofo de que são feitos os dictadores a valer; hoje espero convencer a camara do que
dictadura a que se refere o bill em discussão foi um acto esteril, desnessario e espaventoso. Esteril, porque não produziu nenhum beneficio publico; desnecessario, porque governo não carecia de faculdades legislativas em 19 de e maio para nomear uma commissão, nem de poderes extraordinarios em 31 de outubro, quando cinco dias depois se devia abrir o parlamento; espaventoso, porque apenas significa, que o sr. Fontes, por capricho, por vaidade, se é que não foi por interesse partidario, quiz demonstrar ao paiz que o seu poder pessoal não encontra limites em nenhum outro poder do estado. (Apoiados.)
Não precisava s. exa. de violar mais uma vez a lei e desrespeitar mais uma vez a independencia dos poderes definidos na carta, para que o paiz soubesse que o sr. presidente do conselho tomou de empreitada, e por tempo indefinido, a administração geral do estado. (Apoiados.)
Tambem espero convencer a camara de que não valia pena assumir poderes extraordinarios para realisar uma reforma tão... ordinária.
Ninguem deixa de reconhecer que a organização da nossa força publica estava e está carecendo de reforma, e eu sou o primeiro a reconhecer essa verdade; mas nego que a obra do sr. Fontes seja a reforma que o exercito deseja, mas nego que tal obra seja a ultima palavra da sciencia.
Em 1874 sustentava o sr. Fontes que não podia haver reforma duradoura e perfeita, sem uma boa lei de recrutamento e uma boa lei de promoções, e hoje esquece completamente as suas theorias de outro tempo, ou de proposito não quiz aproveitar o ensejo de as realisar. (Apoiados.)
Melhorariam de 1874 para cá os costumes, as condições, as circunstancias do exercito? Ninguem o dirá. Têem-se aggravado os inconvenientes reconhecidos ha dez annos e as pessoas entendidas no assumpto são concordes em affirmar que não póde haver bom exercito sem boa lei de recrutamento e de promoções, sem largas dozes de instrucção militar, sem que os serviços dependentes da administração militar estejam bem organisados, e finalmente sem que a justiça militar seja baseada na perfeita comprehensão dos deveres e dos direitos de officiaes e soldados. (Apoiados.)
Mas que succede, sr. presidente? O recrutamento, que, era defeituoso ha dez annos, ficou exactamente como estava. Os defeitos da nossa legislação, que podiam ser sanados pela introducção do voluntariado de um anno, como se observa na Allemanha, pelo recrutamento regional admittido n'alguns paizes, pelo recenseamento na terra da naturalidade em vez da terra do domicilio, pelo serviço obrigatorio e pessoal e pela extincção das remissões, continuam como dantas, offerecendo margem a fraudes e a iniquidades revoltantes.
Citarei uma d'essas fraudes por ser curiosa; e sinto que não esteja presente o sr. ministro do reino para lhe perguntar pelas providencias que s. ex.ª prometteu ao meu collega o sr. Francisco de Campos, quando este meu amigo lha pediu na primeira sessão do anno passado.
Vive no concelho de Tondella um mancebo que pretendeu livrar-se do serviço militar, allegando que era irmão de um recrutado que já havia pago o imposto de sangue. Ora tal irmão não existia, nem podia existir legalmente, nas condições especiaes em que se encontrava o pae, que é homem casado e não pôde perfilhar filhos adulterinos; mas verdade é que por artes escuras, por empenhos e ardis, o
mancebo em questão pôde provar perante a commissão districtal que tinha um irmão! E provou-o em attestados da junta de parochia, da camara municipal e da administração do concelho! Os attestados eram evidentemente falsos, mas foram tidos por verdadeiros, e o mancebo apurado conseguiu isentar-se do serviço. Em vista d'esta isenção fraudulenta, foi chamado o immediato, que teve de sujeitar-se ao onus que não lhe competia, vindo assim a pagar o innocente pelo culpado.
Este escandalo foi verberado na imprensa e o sr. deputado Francisco de Campos, que tinha nessa occasião assento n'esta assembléa, queixou-se da torpeza e pediu providencias ao sr. ministro do reino. Sabe a camara que providencias deu o ministro? Nenhumas. Deitou-se a dormir sobre o caso e nunca mais se lembrou, nem dos culpados para os punir, nem do innocente para lhe reparar os dannos. Aqui está o modo como se faz justiça em Portugal. (Apoiados repetidos.)
Aquelle que por lei não era obrigado a pagar o imposto de sangue, foi coagido a servir, ou a dar homem por si; e aquelle que por lei era obrigado a servir no exercito está a esta hora muito tranquillo em sua casa, reclinado á sombra amiga de protecções valiosas, sorrindo do desgraçado que por uma serie escandalosa de fraudes foi a victima expiatoria dos mandões da localidade!
Sr. presidente, em nome da lei offendida uno as minhas queixas, e junto as minhas reclamações, ás queixas e reclamações do meu collega o sr. Francisco de Campos, e lanço toda a responsabilidade deste feito á conta do sr. ministro do reino, visto que prometteu desaffrontar a lei e castigar os culpados e não o fez até hoje!
Sr. presidente, um facto isolado, uma fraude como esta, que poderá suppor-se como esporadico, bem sei eu que não destroe as hypotheticas excellencias das nossas leis sobre recrutamento; mas infelizmente existem mil maneiras de sophismar a legislação porque ella se presta a esses sophismas, e como é necessario que as leis sejam, quanto possivel, perfeitas, mórmente as que se referem ao imposto de sangue, muito seria para desejar que o governo, ao pensar nas cousas do exercito, pensasse logo na questão do recrutamento.
Não seria possivel ensaiar, por exemplo, o systema allemão do recrutamento regional? Entre nós já existe um simulacro extra-official desse recrutamento em artilheria n.º 3. Quasi todos os soldados que comprem aquelle regimento são recrutados no districto de Santarem. Pois saiba a camara que esse é o corpo onde é menor o numero de castigos por faltas disciplinares.
Quanto a promoções, tambem o sr. ministro da guerra e presidente do conselho se esqueceu das suas antigas opiniões, como já tive occasião de notar, e todavia tinha obrigação de lembrar-se do que existe no decreto do sr. marquez de Sá da Bandeira publicado em 1869, creio eu, no qual se allia a promoção por antiguidade com a promoção por merito. Esse decreto não está revogado, mas nunca se executou por falta de regulamento. N'este paiz, quando os ministros não querem cumprir uma lei, mas não se atrevem a derogal-a, recorrem ao expediente facil e commodo de não fazerem os necessarios regulamentos. Foi a sorte que teve o decreto de Sá da Bandeira!
Ora, não ha nada mais justo do que, sem prejudicar absolutamente o accesso por diuturnidade de serviço, admittir com as devidas cautelas e garantias o principio da promoção por merito devidamente comprovado. Se tal principio fosse lei deste paiz não soffreriamos a vergonha de ver á frente de moços intelligentes alguns generaes caducos provocando a gargalhada e a indisciplina pela falta de merecimentos intellectuaes, e d'essa auctoridade que só a intelligencia e a educação podem conciliar. (Apoiados.)
A disciplina nada lucra com a forçada conservação d'esses generaes de opereta nos altos postas onde o triste privilegio da velhice os guindou e mantem como objecto de motejos que provocam aos seus subordinados, perdendo assim a força moral que tão necessaria é a quem se encontra nas posições mais altas da hierarchia militar.
Se o governo tivesse a peito a questão militar não se esqueceria de remodelar a lei das promoções, pois que se