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SESSÃO N.° 52 DE 10 DE ABRIL DE 1902 13

A venda do alcool está hoje entregue a uma sociedade (Bolag), organizada sob a inspecção das municipalidades e das prefeituras e os redditos d'esta industria teem applicação especial a obras de utilidade publica.

O alcool não é vendido a menores e nem se permittem tabernas junto dos logares onde estaciona a força publica.

A luta contra o abuso do alcool foi neste país um grande exemplo, que ha de por muitos seculos illustrar a historia do grande povo escandinavo.

O Sr. Ministro da Marinha empunhou em Portugal o labaro da redempção do povo, iniciando por uma forma tão brilhante a luta contra o alcoolismo em terras de alemmar.

Bem haja S. Exa.

Que o exemplo fructifique, são os meus mais sinceros votos.

Este projecto é tão humanitario e de tão reconhecida utilidade publica, que quebrou por completo o uso da impugnação. (Apoiados).

Folgo de registar este facto, que honra a nossa sinceridade parlamentar e faz inteira justiça á competencia do illustre Ministro, que, ainda ha bem pouco tempo, teve a satisfação de ver que uma outra medida da sua iniciativa, a criação de um hospital colonial, era coberta pelos applausos da Camara inteira. (Apoiados}.

Tomo sincera pares nos triumphos do nobre Ministro, a quem me prendem velhas relações de amizade e applaudo sem reservas a orientação patriotica, que revelam as suas medidas administrativas.

E se mais cedo não usei da palavra e me associei ás congratulações dos seus amigos, é porque a isso se oppuseram deveres de justificado melindre.

Em primeiro logar submetti-me á disciplina draconiana do nosso sympathico leader (Riso); e depois entendi que devia dar toda a preferencia aos novos e deixar que uma bella pleiade de brilhantes oradores, ainda ha pouco quasi desconhecidos, demonstrasse em bellas estreias que o partido regenerador, no presente e no futuro, tem callaboradores de valor para a resolução de todos os problemas. (Apoiados}.

Ainda outras razões me impediram; mas essas nem me atrevo a contá-las...

Discutia-se n'esta casa o Orçamento, e confesso com toda a sinceridade que não tive coragem para me embrenhar naquelle labyrintho de Creta!

Nem todos são para tudo. Ha occasiões, em que o medo não fica mal a ninguem; é uma forma de prudencia.

Depois, eu tinha excellentes companheiros.

O meu illustre amigo, o Sr. Dr. João Pinto, que reune a um bello talento apreciabilissimas qualidades pessoaes, tinha dado o exemplo, declarando á Camara que não ousava entrar no Orçamento, limitando-se a considerá-lo superficialmente!

O Sr. Dr. Montenegro, que é um orador de primeira ordem, sem occultar os receios da empresa, declarara á Camara que apenas faria uma viagem através do Orçamento!

O Sr. Conselheiro Alexandre Cabral, dispondo aliás de recursos de valia, disse-nos que não iria alem de um passeio pitoresco pelas provincias do Orçamento!

O Sr. Conselheiro Eduardo Villaça, a cujos altissimos dotes a Camara inteira presta homenagem, declarara tambem que entrava a custo neste mysterioso planeta, mas munido de dois guias...

Estava demonstrado que a empresa era só para heroes. Reclamava precauções extraordinarias; tinha de munir-me de bacamarte ou faca de mato!!

Mas estas mesmas difficuldades aguçavam-me a curiosidade, e eu perguntava a mim mesmo se não teria razão o meu illustre condiscipulo e velho amigo, o Sr. Dr. Luiz José Dias, quando, fazendo sua a phrase de um distincto parlamentar, dissera que o horrivel monsto era apenas um grande cetaceo!

Mas d'esse lado da Camara havia-se dito que o Orçamento era uma especie de evangelho, que devia ser considerado como cousa sagrada...

Ante semelhantes hesitações a minha coragem desfalleceu e desisti.

Eu suppunha que orçamento era uma conta corrente, demonstrativa da receita e despesa da grande casa Portugal; considerava-o um micro-cosmos, onde se reflectem as alegrias e tristezas de um povo, o seu bem-estar e as suas miserias...

Mas tantas e tão auctorizadas duvidas aconselhavam-me prudencia e segui o conselho.

Não perdendo, porem, de vista a marcha do grande cetaceo, acompanhei-o na mais solicita observação através do grande vau d'esta Camara.

Vi-o por vezes mergulhar, para a breve trecho reapparecer á tona da agua, ostentando volumosas lombadas e agitando violentamente a superficie, até ali serena, da morna discussão. Aqui inclinava-se para a direita, ali para a esquerda; alem parecia ir abaixo, mais ao deante erguia a cabeça, arrastando sempre com difficuldade o enorme peso e o collossal volume.

Tomei então a resolução de ir vê-lo á praia; quero dizer nos formosos areiaes da Thesouraria do Estado. Fui, e não posso bem descrever á Camara a surpresa que me esperava.

Mirabile visu!!

Um exercito de curiosos procurava approximar-se. A pesca estava feita e todos queriam examinar de perto as gorduras da enorme baleia. Por entre a multidão formigavam famintos esquimaus a quem deslumbrava a idéa de poderem em breve premer a ubere tumefeita do grande mamifero! Mas, cruel decepção!

Rasgado o ventre do famoso monstro, reconheceu-se logo que já não havia gorduras; a ubere estava sêcca e depauperada, o arcabouço do famoso cetaceo tinha apenas a forma de um transporte...

De subito, porem, irrompe a multidão. O multiplicado milagre de Jonathas impõe-se ao respeito de todos com a maxima das evidencias, e do ventre da baleia salta em terra a alegre carga... Generaes, que nunca tiveram exercitos, empregados publicos sem empregos, almirantes sem esquadras... Era uma verdadeira Babylonia! Eram progressistas a montes, regeneradores, miguelistas, francaceos, amigos do Sr. Dias Ferreira... e até republicanos de todas as côres e matizes!!

E então, confesso a V. Exa. e á Camara, o espectaculo commoveu-me. Não chorei como Cesar em Cadiz, mas tive a visão da minha insignificancia e cheguei a sensibilizar-me.

ccorreu-me então a historia do grande general, contada por Suetonio na sua biographia dos Cesares.

Regressado de Rhodes, Julio Cesar havia reconquistado o favor publico, fazendo esquecer a perseguição de Scylla, e fôra nomeado questor. Nesta qualidade foi enviado ás Hespanhas, a fim de superintender nas companhias romanas d'esta provincia, e fixara a sua residencia em Cadiz.

Começou por visitar nesta formosa cidade o templo de Hercules, aonde foi acompanhado pelo pessoal superior da questura.

Transpostos os humbraes do templo, deparou-se-lhe logo á vista a estatua de Alexandre da Macedonia; e o futuro guerreiro das Gallias commoveu-se por tal forma, ao contemplá-la, que, diz o historiador, não pôde conter as lagrimas ... Interrogado por alguem da comitiva a respeito do motivo de tal exaltação, respondeu:

«Pois não hei de commover-me ante este espectaculo grandioso!?

Não vêdes a estatua de Alexandre, attestando ao mundo que, na idade que eu hoje tenho, havia já praticado mil feitos heroicos e subjugado uma grande parte do mundo!?

E eu, o que tenho feito?!»