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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

executores de alta justiça dois cavalheiros tolerantes e liberaes.

Sr. Presidente: eu podia, se quisesse (e peço a attenção da Camara), deixar de responder aos argumentos produzidos contra o projecto, condensando numa só proposição o valor da proposta do Governo.

O illustrado Ministro da Marinha, ao organizar a proposta que ora se discute, transformada em projecto de lei, teve em vista dois fins: occorrer, com a ampliação do mercado africano, á crise de abundancia que torna angustiosa a vida do viticultor na metropole, e salvar a vida do indigena pela restricção do abuso do alcool.

Se a primeira parte não carece de demonstração, a segunda é por sua natureza igualmente evidente.

Aberto ou ampliado um novo mercado para os vinhos da metropole, o mal-estar da agricultura deve encontrar na medida proposta um remedio efficaz. Mas o consumo dos nossos vinhos, em Africa, presuppõe a existencia de uma numerosa população trabalhadora, porque sem trabalho não ha riqueza e, por isso, tambem não poderá haver consumo; logo é indispensavel procurar todos os meios de engrandecer o continente negro, evitando o depauperamento e a ruina da população indigena, sem a qual não poderá subsistir a agricultura em terras de Africa. D'ahi a segunda parte ou a providencia complementar do projecto.

Se a Camara acceita, pois como demonstrado que a cultura do continente africano carece, em absoluto, do trabalho do indigena; se é hoje doutrina corrente que o abuso do alcool importa o definhamento e por isso a curto espaço a extincção da raça negra, fica demonstrado que a defesa das industrias que porventura agora soffram, assim como a defesa da agricultura e do commercio africano, dependem da adopção d'esta lei, que, alem da sua virtude eminentemente altruista, importa de uma forma indiscutivel a salvação dos nossos mais importantes interesses coloniaes.

Se é verdadeira a these, todos os seus consectarios são verdadeiros.

O Dr. Riant, no seu excellente livro L'Alcool et Le Tabac, diz que o alcool mata em Argelia mais soldados franceses do que as balas dos arabes; e o Padre Berthoud, citado por um meu distincto collega em um magnifico livro de vulgarização scientifica O Tabaco e o Alcool, diz: «que o excessivo uso do alcool nas possessões africanas produz acção tão deleteria, que dentro em pouco a raça negra trabalhadora estará exterminada, se não lhe acudirem com remedio prompto».

Consequentemente, se o solo africano não é cultivavel sem o braço do indigena, e se a vida d'este não pode assegurar-se com a continuação do uso e abuso do alcool, ha um unico meio de salvação: e este é o que o nobre Ministro da Marinha submetteu á approvação da Camara!

Que importa que soffra S. Thomé, que soffra Angola, se sem a vida do indigena ha de desapparecer por completo toda a possibilidade de cultivar a Africa e de nella ensaiar industrias de qualquer natureza que ellas sejam!

Este raciocinio dispensaria mais largas considerações; mas não quero preterir os deveres que me impõe a cortezia, que devo aos illustres Deputados que me antecederam neste debate.

Não me faço cargo de responder a cada um dos argumentos com que foi debatido o projecto, mas não posso dispensar-me de considerar as observações feitas pelo meu amigo e douto collega o Sr. Dr. Kendall, começando por prestar ao caracter e lealdade de S. Exa. a homenagem a que tem direito e que a Camara inteira lhe tributa. (Apoiados).

Antes, porem, consintam-me V. Exa. e a Camara que eu me refira a algumas considerações feitas pelo meu illustre patricio e amigo o Sr. Conde de Penha Garcia, um trabalhador consciencioso e muito correcto (Apoiados), as quaes, devo confessá-lo, me causaram profunda estranheza.

S. Exa., ao examinar o projecto, com cujos principios aliás concordou, como todos os membros da opposição, disse que ia na esteira do Sr. Conselheiro Villaça, accusando todavia o Sr. Ministro da Marinha de se ter deixado possuir de um idealismo humanitario exagerado!

Não comprehendi bem onde e illustre Deputado encontrou o exagero humanitario do illustre Ministro!

S. Exa. dá ao indigena, pela sua proposta, o mais e o menos que lhe podia dar, querendo-o conservar.

Deixando o morrer, não carecia de dar-lhe cousa alguma.

E o proprio illustre Deputado já foi, e creio que ainda é, da minha opinião.

Reveja S. Exa. a bella conferencia que fez em 1896 na Sociedade de Geographia de Lisboa, e ahi verá que (sic) «na politica colonial, Portugal tem uma grande tarefa a levar a cabo. Explorar e melhorar as terras africanas, onde tremula o glorioso pendão das quinas; abrir ao mundo culto as regiões uberrimas, onde chega a nossa influencia; fixar e civilizar as raças indigenas sob a nossa protecção, etc.».

Que differentes processos terão o illustre Deputado e o seu partido, para fixar e civilizar as raças indigenas!

Não comprehendo bem até onde deveria ir o idealismo não exagerado do Sr. Ministro da Marinha, querendo conservar a vida do indigena, que reputa necessaria e imprescindivel á cultura do solo africano.

Depois de extincta a raça, tudo seria certamente desnecessario.

Isto faz-me lembrar uma passagem de Suetonio, a respeito de um dos imperadores romanos.

Falando das suas qualidades, descreve-o sanguinario, feroz, parecendo, por vezes, deliciar-se com os supplicios que mandava infligir. Entretanto, diz o historiador, ás vezes parecia benigno e clemente, pois deixava aos condemnados a faculdade de escolherem morte menos affrontosa, e até lhes dava tempo para se despedirem de pessoas queridas!

O Sr. Ministro da Marinha, que aliás é um caracter diamantino, com cuja amizade muito me honro desde longos tempos, não podia na verdade conceder aos indigenas menos do que a vida, se realmente elles são indispensaveis para o cultivo do solo africano.

Não comprehendo, pois, onde está o exagero idealista.

Entende ainda o Sr. Conde de Penha Garcia que não ha razão para este cuidado com a população de Africa, quando é certo que na Europa o alcoolismo é maior do que no continente negro, apesar de todos os esforços empregados para o debellar.

termo de comparação é infeliz e innexacto. Na Europa tem-se lutado e tem-se obtido muito. O viver africano é menos apreciavel para um estudo consciencioso e nem ha estatisticas africanas completas.

Mas, o Sr. Conde de Penha Garcia fechou as suas considerações sobre este ponto com uma anecdota, que attribuiu á Suecia. Eu tenho em grande conta a illustração de S. Exa., mas devo dizer-lhe que não vejo nos livros que se occupam da Suecia, vestigios d'essa anedocta, que me parece infantil. E parece-me que o illustre Deputado escolheu mal a Suecia para termo de comparação, porque este país é talvez o argumento vivo de maior valor que eu poderia contrapor ás affirmações de S. Exa.

Não conheço país na Europa aonde a luta contra o alcoolismo fosse maior e onde os resultados obtidos sejam tão proficuos e brilhantes.

Proponho-me fazer rapidamente esta demonstração, soccorrendo-me das estatisticas publicadas pelo Estado da Suecia numa brilhante monographia, que mandou á ultima Exposição de Paris e que se intitula Suède.

Existe um exemplar na bibliotheca d'esta Camara!