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pouco foi votado por nós para occorrer aos encargos da emissão de novos titulos; póde o parlamento votar-lh'os; mas o desequilibrio que d'aqui ha de provir durará, pelo menos, em relação a um anno ou a um orçamento, porque os impostos levam tempo a discutir, votar, distribuir e arrecadar. Será facil semear; mas recolher, ha de ser mais difficil (apoiados).

«No calculo das receitas, diz o relatorio, é que as precisões do orçamento foram mais modestas com receio de exagerar.» Eu não condemno a modestia, mas prefiro a exactidão ou as probabilidades fundadas. Na condemnação dos orçamentos vale mais a exactidão do que a modestia, sentimento aliás digno e muito apreciavel em qualquer homem publico. E afianço ao nobre ministro que podia avolumar certas verbas de despeza sem escrupulo de exagerar. Para não accumular exemplos, citarei, por agora, só um.

A receita da alfandega municipal de Lisboa é computada no orçamento em 1.º 90:662$407 réis, receita já de si inferior á que figura nos mappas estatisticos do ultimo anno economico, na importancia de 1.109:621$948 réis. Mas a questão não é esta, porque a differença que se nota provém de figurar o producto do pescado em Lisboa, que se recebe agora por aquella casa, em outra verba do orçamento, onde está representada toda a receita do pescado do reino.

Se s. ex.ª tivesse notado a differença de 139:140$000 réis que se dá entre o rendimento de 1863-1864 e o rendimento de 1864-1865, veria que procede em grande parte do imposto sobre os cereaes estrangeiros. Com effeito se abatermos dos 139:140$000 réis, pouco mais de 17:000$000 réis que produziu o pescado nos primeiros seis mezes do anno civil de 1865, cobrados pela alfandega municipal, em virtude da ultima reforma das alfandegas; se abatermos perto de 50:000$000 réis, devidos ao augmento de despacho de liquidos e cereaes, o resto ou perto de 82:000$000 réis provém do imposto especial sobre os cereaes estrangeiros, creado por decreto do 11 de abril de 1865, que só começou a vigorar, creio eu, no principio de maio do mesmo anno. E a respeito d'este decreto é já tempo de o homologar (apoiados). Salvas as alterações de que precise, é urgente confirma-lo por lei (apoiados). Não podemos nem devemos continuar por mais tempo n'este estado provisorio e excepcional (muitos apoiados).

Não digo mais nada ácerca d'isto, porque não quero offender ninguem. As condições ou circumstancias especiaes em que foi publicado aquelle decreto são mais uma rasão para sairmos d'este estado indefinido e entrarmos no estado normal (apoiados).

Ora, como este decreto só começou a vigorar nos fins de abril ou principios de maio, os 82:000$000 réis são apenas a receita de dois mezes escassos, quer dizer, de maio e junho, proveniente do imposto sobre os cereaes estrangeiros. Já se vê pois que se não ha o proposito de prohibir a importação ou de supprimir o imposto, não seria exagerar se se computassem mais 150:000$000 réis, ou pelo menos réis 100:000$000 no rendimento futuro da alfandega municipal.

Para prova d'esta minha asserção, basta comparar a receita dos ultimos oito mezes do corrente anno economico, quer dizer, desde 1 de julho até 28 de fevereiro passado, com a de igual periodo do anno anterior, em que não houve importação de cereaes estrangeiros; a primeira é de réis 821:955$242; a segunda é de 680:960$263 réis; a differença a mais nos oito mezes do corrente anno é de réis 140:994$979. Esta differença procede em grande parte, do imposto especial sobre os cereaes. Estas apreciações não são materias de opinião; deduzem-se de factos, elementos estatisticos dos mappas que se publicam mensalmente no Diario de Lisboa, ácerca do rendimento das nossas tres principaes alfandegas.

Estou já adivinhando a resposta que o nobre ministro ou o illustre relator da commissão me ha de dae. «Pois eu havia ir de encontro ao regulamento geral de contabilidade, que me manda no artigo 24.º calcular o futuro rendimento pela receita do ultimo anno?» Pobre regulamento! responderei eu. Tem sido esquecido em todas as suas disposições; mas servirá, pelo menos uma vez, para desculpar lapsos ou encobrir propositos que se sobredoiram com o pretexto da modestia! Se o sr. ministro augmentando o futuro rendimento da alfandega municipal e outros que estão no mesmo caso, dissesse francamente no seu relatorio que se afastava n'este ponto do regulamento, porque é inexequivel a respeito de certos rendimentos, apesar do artigo 33.º, que, se não completa, é antinomico com o artigo 24.º: eu, sem entrar na interpretação dos artigos, daria rasão a s. ex.ª O unico ponto, pois, em que s. ex.ª teria fundamento para saír do regulamento, foi aquelle em que o seguiu á risca.

Demais, sr. presidente, este facto de diminuir o calculo das nossas receitas, se é perfeitamente innocente emquanto ás intenções do governo, não é inoffensivo quanto aos resultados. Diminuir as receitas é augmentar o deficit. O paiz precisa saber qual é o seu deficit real, tanto quanto é possivel sabe-lo. Quando lhe pedirem dinheiro, quer saber quanto deve. Não augmentemos o deficit, diminuindo por modestia as nossas receitas; augmentemo-lo, sim, fazendo figurar no orçamento da despeza verbas sonegadas que lá não estão, como são os encargos do contrato Salamanca e outros.

Sr. presidente, continuando a folhear o relatorio que precede o orçamento, deparei, com grande pasmo e assombro meu, com um quarto deficit. Fiquei realmente bastante perturbado. O meu espirito é um pouco methodico, e eu queria, á força, classificar o novo deficit. Tinhamos o deficit provisorio, o meio provisorio e meio definitivo, e o deficit definitivo. Depois de um deficit definitivo é realmente querer apurar a paciencia, e pôr em torturas o espirito investigador de cada um, obrigando-o a inventar um nome para baptisar uma cousa que se atira anonyma e de surpreza para o publico. Mas tanto barafustei, sr. presidente, que encontrei o meu eureka. Achei o nome. É o deficit arredondado. Se o vocabulo definitivo tivesse superlativo, usado na nossa lingua, te-lo-ía preferido, porque em materia de deficit o superlativo é o menor, porque o menor é o melhor; mas como eu não tenho auctoridade para estender palavras, saí-me da difficuldade pela feliz inspiração de que acabo de dar conta á camara. O quarto deficit é pois de 4.600:000$000 réis. E aqui está achada a chave de um enigma que ainda não tinha podido decifrar. O relatorio tinha-nos logo a principio annunciado sommas redondas, e eu ainda não pôde encontrar senão fracções. Era preciso justificar o novo methodo financeiro. Foi o papel que se distribuiu ao deficit arredondado.

Sr. presidente, se ha creações de espirito, é realmente o quarto deficit. Não digo que sejam absolutamente inexactas ou falhas de todo o fundamento certas apreciações que se fazem no relatorio para chegar a este resultado; o que digo é que os variados processos que o nobre ministro empregou, as analyses a que desceu, e as comparações que forçou revelam claramente a luta que houve entre o presentimento da verdade, e a necessidade politica ou financeira de arredondar um deficit de 4.600:000$000 réis. E senão vejamos.

Diz o relatorio (leu). Ora realmente não é assim que se devem calcular despezas e deficits. Suppõe o sr. ministro, dadas certas hypotheses, que no primeiro semestre do anno economico, em que nos achâmos, se gastaram 10.320:734$744 réis; e suppondo tambem que se deve gastar igual quantia no semestre em que estamos, dá-nos uma despeza em todo o anno de 20.641:469$488 réis. É um calculo facil, multiplica-se a primeira verba por 2, e está tudo feito. Suppondo agora que no anno futuro se gasta igual quantia, temos o deficit, resultante da confrontação da receita com a despeza. De sorte que o deficit provavel do orçamento já não é o resultado das receitas e despezas calculadas, ou d'aquellas para que se pedem auctorisações, nas propostas de lei de receita e despeza. O deficit agora deriva das supposições que cada um queira fazer. Por esta fórma nunca é possivel haver um deficit approximado da verdade.

A camara sabe quaes são os meios que o governo destina para fazer face ao deficit até quasi aos fins de janeiro de 1867. É a receita de quasi 3.000:000$000 réis, provenientes do contrato de 14 de outubro ultimo, e o beneficio que nos ha de advir da consolidação da divida fluctuante com penhor. O nobre ministro, respondendo na ultima sessão ao illustre deputado que encetou o debate sobre o orçamento, disse-nos aqui que = estes meios não eram phantasticos, eram reaes e effectivos =.

Peço licença a s. ex.ª para não acreditar absolutamente na realidade d'esses meios. Acredito nos 3.000:000$000 réis; mas nos beneficios que hão de vir ao thesouro dos 1.120:000$000 réis provenientes da consolidação da divida fluctuante, posso deixar, de acreditar. Não sei quaes serão as oscilações que se darão no nosso mercado quando se lançarem para a praça 16.000:000$000 réis de inscripções. Se o seu valor baixar, o beneficio não será tão grande como s. ex.ª suppõe.

Não faço mais extensas observações, sobre esta operação financeira, e restrinjo-me a desejar que seja prospero e venturoso o governo n'estas suas previsões, porque a final de contas quem lucra é o paiz.

Saíndo exactos os calculos do relatorio, ficam a descoberto, desde janeiro até junho de 1867, dois mil e alguns contos mais. Quaes são os meios que se apresentam para saldar aquelle deficit? Nenhuns!

Sr. presidente, é talvez esta a primeira vez, depois que ha entre nós systema constitucional ou orçamentos regulares, que apparece um deficit sem recursos para o equilibrar. Até n'este ponto foi esquecido ou esbulhado nas suas loucas pretensões o infeliz regulamento geral de contabilidade, que ensina, no artigo 42.º, os meios de que se deve lançar mão para supprir a differença entre a receita e a despeza.

E a respeito do regulamento geral de contabilidade, sejam-me permittidas ainda duas palavras. Convem saber se este regulamento é ou não lei do estado. Vejo-o alterado em tanta parte, sem nem a elle se alludir, nem da revogação de seus artigos se fazer especial menção, que é permittida a duvida se o dito regulamento está ou não em vigor. O exemplo que acaba de nos dar o relatorio será ou não argumento para que qualquer funccionario, repartição ou corpo do estado despreze ou deixe formalmente de cumprir uma prescripção qualquer do citado regulamento? É um ponto que desejo ver esclarecido pelo nobre ministro da fazenda.

Voltemos porém ao deficit dos 2.000:000$000 réis. Se o governo não indica meios para o extinguir, não se esqueceu d'elles a commissão. A illustre commissão cortou por todos os receios e abusões; tomou o governo pela mão, subiu ao alto da montanha, e mostrou-lhe ao longe a terra da promissão. Tivera o governo a veleidade de vaguear por algum tempo no deserto; mas a prophecia que aqui lhe fiz na discussão do contrato de 14 de outubro ha de cumprir-se. O credito e as inscripções batem-nos ás portas! (Muitos apoiados.)

Os esforços de todos os ministros da fazenda em todos os paizes onde ha deficits applicam-se a desentranhar da propria pratica e sciencia financeiras, da consciencia do seu dever, e das serias obrigações que lhe impõe o cargo, os meios racionaes de saldar o deficit. Entre nós aconselha-se o estudo, convida-se á propaganda, appella-se para o tempo; mas esquece fazer parar o sol, como fez Josué. Se nós podessemos adormecer ou hybernar por alguns mezes, se conseguissemos supprimir os negocios publicos, o movimento e trafego da vida social, a acção do tempo e as despezas impreteriveis do thesouro; se nos fosse dada a magica trombeta que fez caír aos seus sons estas verdadeiras muralhas de Jericó, seriam aceitaveis os conselhos. De outro modo não vejo rasão para render graças a Jehovat ou pedir a corôa civica em premio de um grande serviço.

Sr. presidente, não sei se os homens d'estado, se os, chefes politicos, se os chefes de partido do meu paiz, têem ou não obrigação, quando estão na opposição, de confeccionar projectos, ou de elaborar propostas para apresentar, ao parlamento, quando são chamados ás regiões do poder. O que eu sei é que os partidos, quando o são, têem idéas fixas, e principios determinados; e que os chefes, quando estiveram por muitos annos accusando situações, atacando medidas, e revelando a maneira de as substituir, vindo ao poder, tinham obrigação de fazer (senão tudo) pelo menos alguma cousa (apoiados).

Sr. presidente, dou sinceros e cordiaes parabens ao nobre ministro da fazenda, por ter arvorado e levantado tão alto a velha bandeira das economias, que em outro tempo tão desprezada, injuriada, ridiculisada e insultada foi.

Saudo sempre com emoção essa bandeira, porque foi a de um partido a que sempre pertenci!! Ainda não ha muito tempo, aqui n'esta casa, assistiu o paiz a uma luta travada principalmente entre dois distinctos membros do parlamento (nenhum dos quaes era então ministro), a respeito da celebre questão das economias; atacaram se e defenderam-se com denodo as economias (apoiados); e atacaram-se como atacam os chefes de partido, quando têem voz auctorisada, como é a do illustre caudilho, a quem me estou referindo.

S. ex.ª fallava em nome da sua escola, e defendia calorosamente o seu passado.

Não censuro hoje o sr. ministro das finanças, pela sua rapida conversão; dou-lhe apenas os meus cordiaes parabens.

Sr. presidente, o deficit é uma cousa bastante séria nas finanças do paiz. Despreza-lo é pôr em sobresalto a opinião, e dar logar a graves apprehensões na consciencia da nação.

O povo, a sociedade, precisa respeitar, e ter confiança na entidade — governo; derivam d'aqui os principaes elementos da segurança e ordem publica. Urge sempre ter tranquilla a nação, e mostrar-lhe que os homens d'estado têem a peito resolver as grandes difficuldades da governação, ainda que nem sempre sejam os melhores, os alvitres que cada qual apresenta. E n'este caso está o deficit.

Tenho sido longo de mais, e sinto necessidade de concluir, porque estou fatigado, e a camara deve-o estar tambem. Não posso porém terminar sem fazer algumas observações a respeito do parecer da commissão de fazenda.

Só por incidente tenho a elle alludido, e a rasão é muito simples.

Para mim o programma do governo está no relatorio do governo, e nas considerações n'elle expendidas. Tenho por muito sensatas e judiciosas as observações da commissão, nem outra cousa havia a esperar da illustração dos cavalheiros que a compõem. Mas as opiniões da commissão podem não ser as do governo, porque n'estas materias basta haver accordo quanto ás conclusões. Creio não haver n'estas palavras offensa a alguem. Nem em mim podia haver tal proposito. Respeito collectivamente a illustre commissão; estimo individualmente cada um dos seus membros, e até de alguns tenho a honra de ser amigo ha muitos annos.

Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Não sei se deu a hora.

Vozes: — Não deu ainda.

O sr. Presidente: — Faltam dois minutos.

O Orador: — Se v. ex.ª me desse licença e a camara m'o consentisse, eu ficava com a palavra para ámanhã (apoiadas).

Não posso concluir hoje e incommodaria muito a camara se pretendesse faze-lo. Pedia este favor (apoiados).

O sr. Presidente: — Fica com a palavra reservada para ámanhã.

Vozes: — Muito bem. — Apoiados.

(O orador foi comprimentado, no fim do seu discurso, por um grande numero de srs. deputados de todos os lados da camara).