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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 28 DE MARÇO DE 1865

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Joaquim Xavier Pinto da Silva

José de Menezes Toste

Chamada: — Presentes 71 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Affonso Botelho, Annibal, Quaresma, Brandão, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Fontes, Magalhães Aguiar, Barão do Vallado, Belchior Garcez, Pereira Garcez, Poppe, Carlos Bento, Cesario, Custodio Freire, Domingos de Barros, Quental, F. F. de Mello, I. Lopes, Lampreia, Gavicho, F. L. Gomes, F. M. da Cunha, Cadabal, Valladares, Pereira de Carvalho e Abreu, Guilhermino de Barros, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, J. A. de Carvalho, Gomes de Castro, J. A. de Sepulveda, Assis Pereira de Mello, João Chrysostomo, Ayres de Campos, Alcantara, Loureiro, Albuquerque Caldeira, Torres e Almeida, Noutel, Xavier Pinto, Correia de Oliveira, Tavares de Pontes, Carvalho Falcão, Alves Chaves, Frazão, J. M. Lobo d'Avila, Alvares da Guerra, Rojão, Sieuve, Toste, José de Moraes, Gonçalves Correia, Mexia Salema, Tiberio, Amaral Carvalho, Alves do Rio, Macedo Souto Maior, Sousa Junior, Leite Ribeiro, Tenreiro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, R. Lobo d'Avila, Carvalho e Lima, Pinto Pizarro, Thomás Ribeiro, Visconde de Lagoaça, Visconde dos Olivaes e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — os srs. Garcia de Lima, Braamcamp, Vidal, Abilio, Soares de Moraes, Camillo, Carlos da Maia, Gonçalves de Freitas, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pinto de Albuquerque, Faria Barbosa, Antonio de Serpa, Barjona de Freitas, Barão do Rio Zezere, Albuquerque e Amaral, Abranches, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Claudio Nunes, Delfim, E. Cabral, E. Cunha, F. J. Vieira, Bivar, Coelho do Amaral, Francisco Costa, Bicudo Correia, Mello Soares de Freitas, Blanc, Silveira da Mota, Abreu e Lima, Reis Moraes, Santos e Silva, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, Costa Xavier, Fonseca Coutinho, Mendonça Castello Branco, Barros e Cunha, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Tavares de Almeida, Teixeira Soares, Calça e Pina, Vieira Lisboa, Coelho de Carvalho, Matos Correia, Proença Vieira, Rodrigues da Camara, J. Pinto Magalhães, J. T. Lobo d'Avila, J. A. da Gama, Barbosa e Silva, Vieira de Castro, Sette, Coutinho Garrido, Homem de Gouveia, Oliveira Baptista, Julião Mascarenhas, Levy, D. Luiz de Azevedo, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Mendes Leite, Lavado de Brito, Marquez de Monfalim, Monteiro Castello Branco, R. F. da Gama e Teixeira Pinto.

Não compareceram — os srs. Adriano Pequito, Teixeira de Vasconcellos, Barros e Sá, Pinto Ferreira, Bento de Freitas, Diogo de Sá, Gaspar Pereira, J. A. Maia, Infante Passanha, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, D. José de Alarcão, Casal Ribeiro, J. M. da Costa e Silva, Barros e Lima, Mendes Leal, Julio do Carvalhal e Sousa Feio.

Abertura: — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta: — Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Uma declaração do sr. Tavares de Almeida, de que faltou ás sessões desde o dia 20 por motivo de saude. — Inteirada.

2.° Um officio do ministerio da justiça, acompanhando a nota, pedida pelo sr. Julio do Carvalhal, dos individuos nomeados para substitutos do juiz de direito da comarca de Macedo de Cavalleiros no corrente anno. — Para a secretaria.

3.° Do ministerio das obras publicas, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Reis de Moraes, sobre o rendimento do ultimo corte de madeira que se fez na mata de Chão de, Couce no anno de 1863-1864, e do rendimento das matas de Foz de Alge, no mesmo anno. — Para a secretaria.

4.° Uma representação da mesa do hospital do Espirito Santo, da cidade de Tavira, contra o projecto da desamortisação. — Á commissão de fazenda.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

NOTAS DE INTERPELLAÇÃO

1.ª Pretendo interpellar o nobre ministro da fazenda sobre a necessidade que se dá em se expedirem pelo mesmo ministerio os creditos para o pagamento dos ordenados a todos os empregados do tabaco addidos ás alfandegas dos Açores. = Sieuve de Menezes.

2.ª Pretendo interpellar o nobre ministro da fazenda sobre a necessidade que ha em se fazer separadamente nas alfandegas de Lisboa e Porto o despacho do tabaco exportado para as ilhas dos Açores e Madeira, visto que a importancia dos direitos, que se tenha pago n'estas alfandegas, tem de ser deduzida da quantia de 70:000$000 réis que são addicionados ás contribuições d'aquellas ilhas. = O deputado, Sieuve de Menezes = Sá Camello Lampreia = Freitas Branco = João José Loureiro = Paula Medeiros = Teixeira Soares = Filippe do Quental = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Antonio Gonçalves de Freitas.

3.ª Desejo interpellar s. ex.ª o sr. ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda:

I Sobre quaes os motivos por que não foram ainda remettidas para a Madeira as ordens necessarias, a fim de que os empregados do antigo contrato do tabaco, que estão addidos á alfandega do Funchal, sejam pagos dos vencimentos a que têem direito;

II Sobre qual o destino que s. ex.ª tenciona dar aos guardas supranumerarios da alfandega do Funchal, alguns dos quaes contam quinze e vinte annos de valiosos serviços, e que não é de justiça sejam privados dos meios de subsistencia;

III Sobre a necessidade de reformar as tabellas das contribuições industrial e pessoal do districto do Funchal, que foram, innegavelmente, feitas sem o devido conhecimento das circumstancias especiaes d'aquelle districto. = Sá Camello Lampreia = Luiz de Freitas Branco.

Mandaram-se fazer as communicações respectivas.

REQUERIMENTOS

1.° Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio das obras publicas, uma nota indicando as verbas despendidas com fretamento de navios, para as carreiras de Africa, Açores e Algarve, depois que foi rescindido o contrato com a companhia união mercantil, e antes de se estabelecer o serviço provisorio das mesmas carreiras, como actualmente existe.

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Requeiro mais uma nota geral da despeza feita pelo governo, até á presente epocha, com o serviço provisorio das carreiras acima indicadas. = José Maria Lobo d'Avila, deputado pelo circulo do Guadiana.

2.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, se peça ao governo mande a esta camara todos os projectos, plantas e desenhos até agora feitos das obras do caminho de ferro do norte na margem direita do Douro, e para a estação na cidade do Porto, como tambem os da ponte que tem de ser construida sobre o mesmo rio, com os pareceres que tiverem dado os engenheiros Aguiar e Brandão, e o conselho das obras publicas. = Barão do Vallado.

3.º Requeiro, pela terceira vez, que, pelo ministerio das obras publicas, me sejam remettidos os seguintes esclarecimentos:

I Uma relação das cadeiras em effectivo serviço na escola regional de Evora;

II Uma relação nominal dos lentes que as regem.

III Uma relação nominal dos alumnos que as frequentam;

IV Finalmente, uma conta corrente da despeza annual d'esta escola. = Rojão.

Foram enviadas ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A carta de lei de 30 de junho de 1864, dando aos escrivães e officiaes de diligencias dos julgados não cabeças de comarca uma retribuição menor que a que estabeleceu para iguaes empregados nos julgados cabeças de comarca, deixou permanecer uma injustiça que é preciso emendar.

O emolumento ou salario deve ser ajusta retribuição do trabalho, e nenhuma consideração deve influir na designação do salario senão a quantidade do trabalho despendido pelo empregado, e o incommodo e despeza que o serviço lhe occasionou.

Quem não vê que uma legua de caminho percorrida por um empregado do juizo ordinario lhe occasiona o mesmo incommodo e despeza de transporte que uma igual distancia occasiona ao empregado do juizo de direito quando a percorre?

Quem não vê que uma escriptura qualquer dá ao tabellião igual trabalho e responsabilidade, quer o julgado em que elle exerce seja de direito, quer seja ordinario?

E os termos e autos de qualquer processo civil, orphanologico ou crime, lavrados pelo escrivão dos juizos ordinarios, não são em tudo similhantes a correspondentes termos, quando lavrados pelo escrivão do juizo de direito?

E notae, senhores, que igualando a remuneração de cada acto destes empregados, não ficam por isso iguaes os empregos, porque muitos actos e diligencias ha que sómente pelos empregados do juizo de direito podem ser praticados, e porque n'estes juizos é sempre maior o movimento judicial do que nos juizos ordinarios.

Notae emfim que o que tenho a honra de propor-vos não é senão a applicação de um principio de justiça, já reconhecido pela lei, quando na tabella vigente acabou com as differenças de salarios entre os empregados das comarcas de Lisboa e Porto e os das outras comarcas.

Por estas rasões submetto á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os escrivães, tabelliães e officiaes de diligencias dos julgados não cabeças de comarca vencerão pelos actos da sua competencia o mesmo que para similhantes actos se acha taxado para os escrivães, tabelliães e officiaes de diligencias dos julgados cabeças de comarca.

Art. 2.° Fica assim alterada a carta de lei de 30 de junho de 1864, e revogada toda a legislação em contrario. = O deputado, Joaquim Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas.

Foi admittido, e enviado á commissão de legislação.

PROJECTO DE LEI

Senhores deputados da nação. — Sendo um dever dos poderes publicos velar pelos interesses, bem estar e commodidades de todos os cidadãos; sendo o primeiro objecto, sobre que se deve velar, o das subsistencias, objecto já considerado pelo governo de Sua Magestade, apresentando um projecto de lei permanente para admissão de cereaes e farinhas estrangeiras;

Mas porque um projecto de tal ordem, e que vae fazer uma completa revolução na agricultura do paiz, tem de ser cuidadosamente estudado, e séria e detidamente discutido, e que por isso não póde satisfazer de prompto á instante necessidade de momento;

Considerando que a unica rasão do augmento que tem havido ultimamente no preço do pão cozido fabricado de trigo, é proveniente da falta de trigos molles, vulgarmente chamados trigos ribeiros ou palhinhas;

Considerando que é d'este trigo tão sómente que se tem conhecido haver falta, por isso que a producção na colheita do anno passado foi bastante escassa, sem que seja preciso por esta occasião mencionar as causas;

Considerando igualmente que é d'este trigo que se faz muito uso, principalmente na capital de Lisboa, para mistura com os trigos rijos, mistura que está no gosto e uso dos habitantes;

Considerando igualmente que ainda vão quatro mezes até que chegue a colheita do corrente anno, e porque está conhecido não se poder fazer bom pão das farinhas feitas do trigo immediatamente acabado de colher;

Considerando que em nada affecta os interesses da classe agricola, quando é permittida a admissão de qualquer cereal, de que especialmente se careça, o que já está reconhecido pela pratica do que tem succedido em varias occasiões em que previdentemente assim têem sido feitas as admissões, senda a ultima, em que só foi admittido trigo e algum centeio, em o anno de 1860, admissão que nada prejudicou a classe agricola no anno seguinte: por todas estas considerações de conveniencia reciproca, tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a admittir a despacho todo o trigo que se achar em deposito até ao dia 31 de março do corrente anno.

Art. 2.° Este trigo que for despachado para consumo pagará um direito que a commissão de agricultura, de accordo com o governo, entenderem dever-lhe lançar, tendo em vista as circumstancias especiaes de momento.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara, em 24 de março de 1865. = O deputado pelo districto de Santarem, D. José Manuel de Menezes de Alarcão.

Foi admittido, e enviado á commissão de agricultura, ouvida a de commercio e a de fazenda.

O sr. F. M. da Cunha: — Mando para a mesa um requerimento do tenente de artilheria Antonio Eugenio Ribeiro de Almeida, e outro do major João Antonio Pereira; o primeiro pede para que o governo seja auctorisado a contar-lhe, como de serviço activo, os dois mezes que esteve doente por desastre occorrido em serviço; o segundo para que sejam concedidas a seu filho José Antonio Pereira, primeiro sargento aspirante de infanteria n.° 10, que se acha habilitado com o curso do real collegio militar, tendo estudado um anno como externo, as vantagens como se tivesse obtido todo o curso como alumno interno.

Ambas estas pretensões me parecem justissimas e têem precedentes auctorisados por esta camara, espero portanto que sejam resolvidas como merecem os requerentes.

Mando tambem para a mesa dez requerimentos de outros tantos almoxarifes de artilheria, em que pedem outra collocação n'esta arma. Sempre achei justa esta pretensão; mas, depois que foi discutida n'esta casa e votada a actual organisação do exercito, que extingue esta classe por se não coadunar a graduação de official com o serviço que lhe compete, eu declaro que a acho completamente justificada.

Mando pois para a mesa uma proposta renovando a iniciativa de um projecto de lei, que apresentei o anno passado n'esta camara, para que, pelo menos, elle sirva de base á discussão que sobre este assumpto deve necessariamente haver nas respectivas commissões.

O sr. Albuquerque Caldeira: — Pedi a v. ex.ª a palavra para renovar um requerimento que fiz ha vinte dias (leu). Este negocio já não é meu, mas da camara, porque tendo pedido pelo ministerio das obras publicas a copia de um documento que se torna necessario para uma discussão, parece-me que devia ser attendido por aquella repartição. Peço portanto a v. ex.ª que faça nova requisição nos termos que julgar convenientes.

O sr. Pereira Garcez: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. F. L. Gomes: — Sr. presidente, ausente do paiz e do parlamento por longos mezes, e entregue a cuidados inteiramente estranhos á politica, vejo-me hoje face a face com tres questões, todas antigas, mas que não envelhecem nem hão de terminar nunca. A indifferença da curia romana e os ardis da propaganda adiam indefinidamente umas, e outras recebem das paixões todos os dias novo vigor.

Não espere a camara que eu faça um longo discurso. O estado da minha saude não m'o permitte, e nem sempre encontrarei a generosa Madeira disposta a perdoar os meus desatinos. Tenho pois de contrahir em poucas palavras o muito que tenho a dizer.

Entre as questões a que se referiu o nobre deputado, que acabou de fallar, ha uma em que eu não podia deixar de tomar parte, porque fui eu quem a tratou pela primeira vez n'esta casa. Tenho de sustentar o que então disse, e combater os argumentos do nobre deputado que me precedeu na tribuna. Fa-lo-hei com essa serenidade do animo que é triste privilegio dos que ha dois annos lutam com a enfermidade, e que n'esta luta tem consumido todas as suas forças, todas as suas aversões e todas as suas ambições, e que hoje só aspiram a cumprir o seu dever para estarem bem com a sua consciencia, e não descerem do nivel da estima dos seus concidadãos. A desgraça purifica o homem como as vagas lavam o rochedo que açoutam. (Vozes: — Muito bem.)

Seguirei a ordem do discurso do nobre deputado que levantou este incidente. Começou s. ex.ª por lamentar como deputado e filho das provincias ultramarinas que n'este anno, no discurso da corôa, fossem estas provincias completamente esquecidas. Acompanho-o cordialmente n'este seu justo reparo, e sinto esta omissão, que contrasta principalmente com os largos periodos que nos discursos do imperador da França e da rainha da Inglaterra occupam as suas colonias. As provincias ultramarinas são a historia do passado e a esperança do futuro d'esta terra (apoiados).

Quando eu li o discurso da corôa e se me deparou essa falta, lembrou-me o celebre dito do grande orador da França, que exclamara nos ultimos momentos da sua vida: «Levo commigo o luto da monarchia». Pois acaso, dizia eu, o sr. Mendes Leal levou comsigo o luto das provincias ultramarinas? (Apoiados.)

A camara está lembrada de que eu tratei n'esta casa largamente a questão dos quatro ecclesiasticos de Bombaim, interdictos pelo breve Probe nostis; questão de justiça para as quatro victimas, de dignidade para a nação, de brio para todos nós (apoiados).

A camara estará lembrada de que propuz um voto de censura ao governo que abandonara á vingança da propaganda aquelles quatro ecclesiasticos que, collocados no doloroso dilemma de escolherem entre as exigencias da propaganda e a fidelidade á nação, de escolherem entre Portugal e Roma, preferiram aquelle a esta. Eis-ahi a sua culpa, o seu grande crime.

A camara finalmente estará lembrada de que n'essa occasião fui severo com o sr. Mendes Leal, de quem era e sou ainda amigo e admirador, que ha pouco desceu dos bancos do poder com a rara fortuna de ter o paiz inteiro - attento ao ruído da sua gloriosa descida (apoiados); e que hoje envolvido nas sombras da sua honestíssima impopularidade, espera que a gratidão e a justiça tardia, mas infallivel, do futuro, lhe levantarão um pedestal de gloria, juntando essas pedras que as facções e os despeitos lhe atiraram, e que o não feriram nunca, porque a cegueira não sabe ser destra.

A severidade a que me refiro, e outras que tenho tido com os altos funccionarios do meu paiz, são os pesados tributos que a minha austera consciencia exige do meu coração.

Depois da interpellação que fiz ao governo voltei ao silencio, porque não desejava crear embaraços ao sr. arcebispo de Goa, porque me aconselharam que o silencio tambem era um meio. Enganei-me. Segundo a narração que acaba de fazer o sr. Garcez, e que é exacta, os quatro ecclesiasticos não foram reintegrados nem nos seus beneficios nem na plenitude das suas funcções. Estão expiando o crime do patriotismo, como muito bem disse o sr. Garcez.

As nossas questões com a curia romana só tem uma solução; solução triste, mas verdadeira! É a morte dos individuos a quem as mesmas questões dizem respeito. Assim acabou a questão da confirmação do bispo de Cabo Verde, assim ha de acabar a questão dos quatro ecclesiasticos de Bombaim.

O sr. Garcez: — Um d'elles é ainda novo.

O Orador: — Lá chegará.

Se nós admittirmos que podem ser excommungados quantos sustentem os direitos da corôa, observem as concordatas, cumpram os breves e bullas de tantos summos pontifices, acompanhadas de beneplacito regio, e que os breves em que são impostas taes excommunhões não carecem de beneplacito, porque se referem a materia espiritual, então devo dizer que o estado fica absorvido pela igreja. Nullas, inteiramente nullas, se tornam as garantias da mutua independencia, que o são tambem da mutua alliança.

Eu espero (ainda esperar!) que o governo, não por palavras, mas por obras sustentará os nossos direitos, os nossos interesses, a nossa dignidade. Que seja terna e respeitosa a sua linguagem com o pae commum dos fieis, mas nunca timida nem duvidosa. Sua santidade attende nos quando temos rasão. A verdade difficilmente chega aos seus ouvidos. É necessario que lh'a enviemos forte e energica (apoiados).

Referiu-se o sr. Garcez á necessidade que ha de ser nomeado o mais breve possivel o commissario pontificio, para se proseguir na circumscripção do padroado; e creio tambem que fallou na outra necessidade, não menos urgente, qual é — de ser nomeado o ecclesiastico que deve substituir o sr. arcebispo de Goa, quando s. ex.ª não possa por qualquer motivo exercer a delegação apostolica de que se acha investido. Concordo plenamente nas considerações com que o nobre deputado reforçou as suas instancias.

Lembra-me que o sr. Mendes Leal respondeu, quanto á segunda parte, que = tinha pedido uma proposta ao arcebispo, a qual já tinha chegado, e que ficava de a enviar para Roma para ver se se podia conseguir esta nomeação. E quanto á outra questão, a da nomeação do commissario pontificio, tinha mandado instrucções ao nosso embaixador em Roma, e esperava que em breve esse cavalheiro responderia e diria as difficuldades que se têem offerecido á nomeação d'esse commissario =.

Eu sinto que o illustre ex-ministro da marinha não esteja presente, porque a s. ex.ª competia dar os esclarecimentos necessarios ao parlamento. Ainda mais sinto a ausencia do sr. duque de Loulé, que nos podia informar do andamento que tem tido este importante negocio.

No que eu insisto, e entendo que a camara não póde deixar de ter em muita consideração, é na nomeação do commissario pontificio, porque emquanto não for nomeado o commissario pontificio a concordata não póde ter vigor; e as difficuldades, os embaraços hão de crescer sempre com grande magua de todos os portuguezes, e, o que é mais, com grande prejuizo da religião.

Não posso terminar esta parte do meu discurso sem dizer duas palavras, que as questões e os graves successos do dia estão provocando. Eu sinto que Roma, que foi sempre á frente de todas as emprezas da civilisação e liberdade como a columna de fogo do deserto, que refreou pela bôca de Gregorio VII a barbara tendencia e a supremacia feudal dos Cesares da Germania, pareça hoje estar em desaccordo com o presente, que condemna as aspirações do progresso e todas as liberdades, que são as condições do unico governo em que é realisada na terra a igualdade perante Deus, e applicados praticamente os principios da caridade mutua e as maximas salutares do Evangelho (apoiados). Roma é poderosa, porque tem o sceptro das consciencias. Roma é poderosa, porque brilha n'ella o reflexo da Providencia, que é mais forte do que todas as forças humanas. Roma é poderosa menos na sua importancia! (Vozes: — Muito bem.) Roma será invencivel quando tiver por arma a palavra de Deus que é immortal, e por apoio o braço do povo que é infatigavel.

Agora vou entrar na outra questão, que é a dos arrendamentos da provincia de Satary. Mas antes d'isso permitta-me a camara que eu diga que, quando chamei aqui a attenção do governo para as violações das leis praticadas pelo governador geral da India, não foi minha intenção denegrir a sua reputação, nem duvidar da sua incontestavel probidade, ou negar os serviços relevantes por s. ex.ª presta

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dos ao meu paiz, serviços de que dei testemunho já na imprensa, já n'esta casa. O meu fim era chamar a attenção do governo para que se fizesse respeitar a lei, que é uma das primeiras necessidades n'uma sociedade bem constituida. Hoje o meu proposito limita-se a uma simples defeza do que eu disse então.

O nobre deputado fez a descripção da provincia de Satary e em apoio d'esta descripção leu um trecho de, um discurso seu, pronunciado em outra occasião, e parece-me que se referiu tambem a um jornal de Bombaim. Eu estive quasi cinco annos n'aquella provincia, e não houve aldeia que não visitasse, montanha que não subisse. O que ha hoje n'esta provincia não sei, mas o que havia então posso dize-lo á camara. Não encontrei ali uma civilisação; mas não vi lá esse covil de feras em que fallou o sr. Garcez. Vi extensos arrozaes, vi culturas da areca, vi muitos pagodes.

O pagode é a civilisação que desce de Deus para a terra. O arrozal é a civilisação que sobe da terra para Deus. Uma só religião é verdadeira; mas todas partem da idéa e amor de Deus, que só por si refreiam os instinctos brutaes, esclarecem os espiritos e purificam os corações.

Esta provincia pertenceu a uma familia chamada Rans, as quaes por vezes tem assignado termo de vassallagem á corôa portugueza; mas que os esquecem quando a occasião se lhes mostra propicia, para se levantarem contra o estado, e com ameaças e violencias conseguem ser acompanhados n'estas revoltas pelos habitantes da provincia.

Ora são estes revoltosos que em 1844 cortaram o nariz a uma mulher, na aldeia Tanem Boccal; mas em 1853 quando se levantaram de novo, incendiaram a aldeia, roubaram, mas não me consta que cortassem narizes e orelhas, como affirma o nobre deputado. Posso até affirmar á camara que não matavam Os prisioneiros que faziam. Elles são barbaros, quando se quer pintar a provincia como barbara, mas são civilisados quando assignam representações a favor do sr. conde de Torres Novas! Assignaturas que se invocam como testemunha e prova da excellencia do governo de s. ex.ª! São feras os que sabem escrever, e dão a sua opinião ácerca de um governo?

Eu não sei que exigencias fizeram estes estrangeiros que aforaram os terrenos, mas o que posso dizer ao illustre deputado é que os aforamentos foram feitos por um modo absurdo, injusto e illegal.

Foram feitos por um modo absurdo, porque não houve nem medições nem confrontações. Ha apenas uma designação vaga de limites. A camara se quizer pôde verificar que foi assim.

Onde é que se fazem arrendamentos por este modo? Posso assegurar á camara que nunca vi limites tão confusos, nem tanta precipitação n'um contrato.

Por um modo injusto, porque os portuguezes Antonio Mathias Gomes e Caetano de Mello já tinham pedido alguns terrenos n'aquella provincia, e haviam-lhes sido recusados debaixo do fundamento de que não estava acabada a tombação, tombação que não acabou ainda.

O que é a hasta publica? A hasta é a justiça. A hasta é a igualdade perante a lei. A hasta é o maior interesse da fazenda. Quaes serão os resultados da hasta? Ou os mesmos estrangeiros ficavam com os terrenos, ou os nacionaes viriam a substitui-los (apoiados).

Foram feitos por um modo illegal, porque os arrendamentos a longo praso são prohibidos por lei, os aforamentos por aquelle modo são contra a lei de 1856. - Emquanto a esta parte o illustre deputado citou um alvará, que eu não tive a fortuna de encontrar; mas não tendo s. ex.ª tido o cuidado de dizer o que esse alvará estabelecia, eu ainda insisto na mesma idéa de que os arrendamentos foram feitos contra a expressa determinação da lei.

Não sou só eu quem achou illegaes os arrendamentos.

Ahi está a opinião do conselho ultramarino, tribunal que o. sr. ministro da marinha consultou para dar uma prova do seu zêlo e do seu escrupulo, a comprovar o que eu digo.

Mas diz o illustre deputado que = os arrendamentos de Satary eram de tanta utilidade, que devem ser desculpadas todas as illegalidades. Quando porém dois individuos portuguezes pediram os terrenos, não havia utilidade em lh'os arrendar; a utilidade começou só na occasião em que os estrangeiros pediram esses terrenos. Não comprehendo.

Creio que o nobre deputado se referiu a mim quando fallou em fanatismo pelos principios. Eu não nego que tenho amor aos principios.

O accordo e a união do justo e o util são as aspirações da actual sociedade. Já lá vão os tempos em que a utilidade foi a rasão e a desculpa do absolutismo e do despotismo. Hoje são os principios que governam (apoiados).

Vivem as provincias com os principios. O que são as provincias senão o util? O que são os principios senão o justo? O que é o util senão, na phrase de Proudhon, o aspecto pratico do justo e o justo aspecto moral do util?

Se os grandes meios de que dispunham os estrangeiros eram garantia de grandes emprezas agricolas, e motivo para se infringir a lei, como é que, pergunto eu, foram concedidos terrenos com iguaes condições a D. Jorge de Mello, ajudante de ordens do sr. conde de Torres Novas, o qual vendeu depois o seu contrato por 1:000$000 réis? Já se vê que os arrendamentos eram vantajosos.

Não sei até que ponto é verdadeira a metamorphose da provincia de Satary, não sei se á patriótica imaginação do nobre deputado ella. se afigura maior do que realmente é; mas, para a minha questão, resta provar que essa metamorphose era impossivel quando a lei fosse observada, que para essa metamorphose não deviam ser chamados não só os estrangeiros, mas tambem os portuguezes.

O bando dos salteadores (diz o nobre deputado) desappareceu de Satary, e quer ver n'este desapparecimento mais uma prova da metamorphose. Sr. presidente, durante o governo do sr. José Ferreira Pestana, a provincia de Satary esteve em perfeito socego. Antes mesmo dos arrendamentos a tranquillidade estava restabelecida n'aquella provincia, graças ás maneiras conciliadoras do sr. conde de Torres Novas, e á boa harmonia em que s. ex.ª esteve com as auctoridades inglezas.

Tambem na Africa se requereram terrenos com iguaes condições. Que fez o governo? Vendo que não podia conceder esses terrenos, propoz uma lei para esse fim, e os terrenos foram concedidos em virtude d'essa lei. Pois não se podia fazer o mesmo emquanto aos terrenos da provincia de Satary, e conciliar-se assim a justiça com a utilidade?

Eu não contesto que houvesse utilidade na concessão dos terrenos, nem tão pouco me opponho aos meios de remediar as illegalidades praticadas. O meu fim é provar que houve esquecimento das formas as mais essenciaes n'estes arrendamentos.

Disse o nobre deputado que = o governador geral da India tinha sido censurado pelo poder injustamente =. Eu apresentei algumas violações da lei praticadas na India, provei-as com documentos authenticos, e o sr. ex-ministro da marinha Mendes Leal, teve a lealdade de dizer que as minhas asserções eram exactas, e que não se podia consentir que na monarchia portugueza houvesse dois réis =. Esta resposta de s. ex.ª, axiomatica e incontestavel, foi censurada como falta de senso politico, como se a politica fosse um sophisma, fosse uma hypocrisia.

A politica, e falla um grande poeta, o propheta do progresso, que no seu sereno exilio de Aristides gosa já das honras da posteridade; a politica, diz Lamartine, é a rasão, é a moral, é a virtude. Sympathiso com esta politica (muitos apoiados), que é serena como a philosophia, elevada como os principios que a inspiram, fervorosa como a religião. Do alto d'este Sinai se disfructam as grandes, visões da liberdade. Só ali o homem é digno de si, da humanidade e de Deus.

Vozes: — Muito bem.

Esta é a politica do Evangelho, é esta a politica do povo. Mal das sociedades, mal de todos se os ministros n'aquellas cadeiras não podessem fallar a verdade. Quando um ministro não falla a verdade, é accusado; quando a falla, tem falta de senso politico. Tristissimo dilema é este! O sr. ex-ministro da marinha não podia deixar de dizer o que disse, e deu uma prova da sua lealdade e do seu amor á verdade.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado.)

O sr. Claudio José Nunes: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia.

O sr. Pereira Garcez: — Eu tinha pedido a palavra para responder ao sr. deputado.

O sr. Presidente: — Sem uma deliberação da camara não posso dar-lhe, a palavra.

Vozes: — Amanhã, ámanhã.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DA PROPOSTA DO SR. FONTES

O sr. Presidente: — Tem a palavra sobre a ordem o sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro da Fazenda (Mathias de Carvalho): — Sr. presidente, agradeço á camara o ter-me concedido a faculdade de dizer algumas poucas palavras. (Vozes: — Falle, falle.)

Não teria pedido, sr. presidente, para ser ouvido immediatamente pela camara, se a minha dignidade não exigisse que eu, antes de saír d'esta casa, erguesse a voz para destruir todas as insinuações injuriosas, que me foram dirigidas pelo sr. deputado que acaba de fallar.

Compare a camara o modo por que procedi me discurso, que hontem tive a honra de pronunciar n'esta assembléa, com as arguições que hoje me foram dirigidas pelo sr. Lobo d'Avila.

Usei da palavra, sem dirigir aggressões ao caracter de s. ex.ª e soube manter-me dentro das boas regras parlamentares (apoiados). Ainda hoje, num jornal serio, que faz opposição a este governo, e que por consequencia é insuspeito, se diz que = as minhas respostas são urbanas e que, no combate contra o adversario, sei respeitar sempre o seu caracter =. E será esta a maneira por que s. ex.ª se houve para commigo?

Tenha s. ex.ª a certeza que estou superior a todas as insinuações que me dirigiu. Todos os homens de bem desta terra, que me conhecem, fazem pouco caso do que s. ex.ª disse (muitos apoiados).

Referindo-se ao tempo em que era ministro da fazenda, disse s. ex.ª que = tinha havido um empregado do seu ministerio que lhe tinha pedido augmento de gratificação =. Quereria s. ex.ª referir-se ao director da casa da moeda? Ainda bem que o meu relatorio sobre a reforma d'este estabelecimento existe hoje na secretaria da camara, e desde já peço para que seja publicado no Diario de Lisboa.

Acerca da retribuição que se deveria conferir ao director, escrevi eu n'esse documento que = por motivos que facilmente se comprehendem, me abstinha de tratar de tal assumpto =; e no quadro que apresentei designando os ordenados que deviam ter os differentes empregados, deixei em branco o logar em que devia achar-se a retribuição do director. Quem disser o contrario d'isto falta á verdade.

Em pontos de dignidade, nem s. ex.ª nem ninguem é capaz de me ensinar qual é o caminho que deve seguir o homem que se preza (apoiados).

S. ex.ª, julgando que denegria o meu caracter, começou a fallar de gratificações dadas por emprezas particulares. Ainda bem que não acabou a phrase. Alludiu á minha ida a París, para conferenciar com os srs. Pereires sobre a licitação do tabaco.

É verdade que fui a París para este fim.

Considera s. ex.ª deshonrosa a associação entre o capital e o trabalho para uma empreza licita e honesta? (Muitos apoiados.)

É verdade que fui a París com este intuito, e ainda bem, porque, se d'ahi não tirei vantagem propria, fiz com que á praça viessem concorrer aquelles licitantes, do que resultou beneficio para o thesouro, porque é sabido que os seus lanços contribuiram para que o preço da arrematação fosse tão subido (apoiados). Onde está aqui a deshonra?

(Interrupção do sr. Lobo d'Avila, que não se ouviu.)

O Orador: — Nunca recebi gratificações de emprezas particulares; diz uma falsidade quem affirmar o contrario. Para ir a París quando quizer, e gastar o meu dinheiro como me aprouver, não tenho necessidade de dar satisfações a ninguem.

Quem, á falta de argumentos, usa d'estes meios mostra claramente que a justiça não está do seu fado (apoiados).

Protesto contra todas as insinuações injuriosas que me foram dirigidas. Não temo accusações sobre os actos da minha vida; se alguem quizer faze-las traga provas e tome a responsabilidade do que disser (apoiados).

Sr. presidente, duas palavras ainda, e termino. O ministro que está fallando, entrou para aqui pobre, mas honrado (muitos apoiados), e póde a camara ter a certeza que ha de saír pobre e honrado (muitos apoiados.) O meu passado n'esta parte é garantia para o futuro.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O Orador: — Tive por herança um nome sem macula (apoiados); não permitto e não permittirei nunca que alguem pretenda denegrir esse nome honrado, que é o mais rico patrimonio que se póde receber de um pae (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por um grande numero de senhores deputados).

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quasi quatro horas e meia da tarde.

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