1262 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Nós temos uma larga experiencia de como se costuma attender a certas contestações que se levantam. Todos sabemos que ha fiscaes do governo, nas aguas, nos caminhos de ferro, nas companhias do navegação, emfim, em muitas cousas ha fiscaes do governo; pois é sabido e é corrente, que as secretarias d'estado estão atulhadas de reclamações d'esses fiscaes! E o que faz o governo d'ellas? Nada, absolutamente nada!...
Crie v. exa. um tribunal de recurso, em que o proprio ministro por melindre ou por outros motivos proprios da sua pessoa, entende que não deve resolver, o que acontece é que a questão levantada entre os revendedores ou operarios e o concessionario não tem solução, isto é, o concessionario illude os revendedores. Elles reclamam, gritam, queixam-se, o governo não resolve, e emquanto não resolve o governo vão soffrendo os reclamantes.
Por ultimo, pergunto se estas prescripções com respeito ás garantias que se dão aos operarios e revendedores não são observadas pelo concessionario, ha porventura a pena lidado de poder ser rescindido o contrato? Digo isto porque o caso de rescisão não está decidido taxativamente e por consequencia nunca póde ser rescindido o contrato, embora o concessionario falte a todos os compromissos. Tem multas? Tambem já sei o que são as multas e sei por uma rasão muito simples. É porque tenho observado por diversas vezes, em presença dos individuos que pleiteiam por direito o que são as multas. Eu pertenci a uma corporação que lançava tambem muitas multas e outra, a que eu não sei se pertenço ou não, tambem as tem lançado. Sei que não só consegue o pagamento senão quando o multado quer pagar.
Em elle querendo pleiteiar, temos pleito para larguissimo tempo e as multas nunca se pagam.
Geralmente é preciso chegar a um accordo para se pagarem as multas.
Esse recurso ás multas não é sufficiente, não serve. A verdadeira multa seria a que impedisse que a empreza podesse continuar.
O que o governo estabelece a este respeito no sou projecto, não acautela de um modo seguro a execução das prescripções n'elle comprehendidas.
O illustre relator do projecto não tratou d'estes ultimos pontos, não deu umas certas respostas, ou, pelo menos, eu não as ouvi.
O sr. Fuschini alludiu, por exemplo, ás estações de fabrico. Não sei se o sr. relator deu resposta a este ponto e se s. exa. concorda ou não em que ellas se supprimam.
O sr. Fuschini apresentou os inconvenientes que tinham essas estações e o sr. relator devia naturalmente mostrar as vantagens d'ellas; mas não me parece que mostrasse.
Pelo que me disse um collega nosso, porque n'esse momento me escaparam as palavras do sr. relator, parece que a commissão disse que se estudará isto depois.
Eu segui as respostas dadas pelo illustre relator do projecto a uma parte do discurso do sr. Fuschini e agora apresentei algumas considerações tendentes a provar que a commissão só tinha empenhado principalmente em melhorar a situação do concessionari o e a estabelecer com respeito a outros pontos certas garantias que não eram eficazes em minha opinião.
Mas entremos na outra parte d'este debate. Vou diligenciar expol-a á camara, embora não o possa fazer com o brilho que seria para desejar; mas quero esquivar-me por todas as fórmas a apresentar folhas e folhas de calculos ou a pleitear como pleiteou o sr. Fuschini, para que houvesse uma pedra onde se fizessem os calculos; vou diligenciar apenas pôr em evidencia que é o objectivo dos calculos apresentados quer por parte do sr. Fuschini, quer por parte do sr. relator da commissão.
O sr. Fuschini abriu o debate dividindo a questão em duas partes, questão social e questão financeira.
Como é que s. exa. considera a questão financeira? É evidente que as questões financeiras têem dois aspectos, assim como as medalhas têem anverso e reverso.
Com as questões complicadas e que têem muitos aspectos acontece muitas vezes haver uma illusão optica, proveniente da maneira por que se encara a questão, e não da maneira porque ella é posta.
O sr. Fuschini fez um trabalho, e como o classificou o sr. relator? Pegou na moção do sr. Fuschini que propõe a manutenção da régie por não estar ainda feita a experiencia d'ella, e em vez de tratar desta proposta, tratou de procurar quaes eram os lucros do concessionario.
Ora eu não creio que o sr. Fuschini tivesse esto intento, mas comprehendo que o sr. Pedro Victor classificasse assim o trabalho feito peio sr. Fuschini, porque quando aqui veiu a questão das obras do porto de Lisboa, qual foi o objectivo do sr. Pedro Victor?
Foi dizer real a real, que os lucros do empreiteiro eram de tantos contos de réis, e o meu illustre collega, engenheiro distincto como é, e sabendo como se fazem estes trabalhos, não hesitou em vir dizer perante a camara, onde sabia que havia muitos engenheiros, e dizel-o com toda a superioridade do seu talento, que os lucros do empreiteiro eram de tantos réis, até aos ultimos 5 réis.
Ora eu vejo que o illustre deputado, com esta capacidade que o distingue, e que não tem, porque não é facil encontrar, imitadores, olha para o trabalho do sr. Fuschini, e diz: O que é que elle vem cá fazer com este trabalho? Vem ver quanto ganha o concessionario, e, por consequencia, o que poz em sua mente foi saber positiva e terminantemente quanto elle ganhava.
O sr. Fuschini chegou ao fim e enganou-se; mas no outro dia, correcção feita, veiu dizer-nos: aqui está como as cousas realmente se passam, e isto reduz-se a fazer um emprestimo de 7.200:000$000 réis e a pagar 11 por cento de juro por esse emprestimo. O sr. Pedro Victor disse logo: Está errado.
Ora vejãmos o que fez o sr. Pedro Victor.
No primeiro momento olhou para o facto e ficou, digamos a verdade, um pouco desnorteado, permitta-me que lh'o diga, e isto acontece, principalmente quando a gente vê que alguem pude ganhar tanto; fica-se deslumbrado.
Quando a gente tem trabalhado toda a sua vida, quando tem consumido vinte, trinta, trinta e cinco annos a trabalhar, sem ganhar absolutamente nada senão para comer, e mal; evidentemente surprehende-se ao ver quem quer que seja, dotado de não se: que faculdades, ganhar de um instante para o outro uma fortuna enorme.
E depois da surpreza, vem naturalmente a muitos este pensamento: Quem me dera ter essas faculdades!
Mas ás vezes a gente diz: Tomára eu não ter essas faculdades!
Mas digo: o que fez o sr. Pedro Victor diante das conclusões a que chegou o sr. Fuschini?
Passado o primeiro estonteamento, fez logo de pé para a mão, digãmos assim, um primeiro jogo malabar, como diria o illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas, e encontrou logo a maneira de mostrar que o calculo do sr. Fuschini estava errado, e disse: O sr. diz que o governo recebe tanto! Pois olhe que recebo mais tanto, porque recebe isto e aquillo, e além d'isso recebe mais 1.600:000$000 réis, o que equivale a fazer um emprestimo gratuito e ainda receber dinheiro.
Eu estava perto do illustre deputado, e disse logo: essa é que é a solução; ahi é que deve estar a verdade; empréstimo gratuito, e ainda ganha dinheiro; isso é que é a obra mais maravilhosa! O illustre deputado deixou passar quarenta e oito horas, poz de lado esse argumento e parecendo á primeira vista que achava mau o caminho seguido pelo sr. Fuschini diz: «Esperem, aqui ha de haver cousa; vou-lhe na pista». (Riso.) E então o que fez?
Primeiro, vem com uma d'estas observações que se fa-