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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de ferro, o vapor, a telegraphia, e os institutos de ensino popular. Tinha-se então o arrojo de dizer que a estrada e o caminho de ferro serviam melhor o povo do que o barranco; que o navio a vapor cortava mais velozmente as ondas do que o cahique; que a telegraphia facilitava a communicação do pensamento; que a luz valia mais do que as trevas, a instrucção mais do que a ignorancia; isto era mais do que um erro, era um crime.

Um dia caíu esta administração obnoxia; era de suppor que a alegria voltasse ao semblante do povo, que o paiz respirasse desassombrado, que renascesse a esperança de ver expungidos os vestigios da sua passagem funesta pelo poder. Engano, sr. presidente, o povo tinha tomado o amor ao estudo, tinha-se costumado a viajar depressa e commodamente.

Continuou-se pois no systema do fazer estradas e caminhos de ferro, de promover a navegação a vapor, de collocar novos fios electricos e de instruir o povo, até que pela rotação natural da politica voltaram outra vez ao poder os apostolos genuinos d'esta parcialidade politica.

Cuida v. ex.ª que, admoestados pela adversidade e ensaiados pela experiencia, se apresentaram arrependidos e dispostos a ensaiar methodos e planos differentes? Não, senhor.

Havia em diversas zonas do paiz vastissimos tractos de terreno cobertos de pantanos e de culturas insalubres; ainda hoje quem atravessa o Alemtejo, e lembro-me bem d'isso porque ha alguns annos o atravessei para ir visitar o meu amigo o sr. Santos e Silva; presenceia um espectaculo doloroso. Os homens com as faces cavadas pelo soffrimento, extenuados pela febre, e sem vigor para os penosos lavores do campo; as mulheres, lividas) sem força para amamentarem os filhos e com a indifferença da desesperação desenhada no semblante macerado; as creanças, inertes, sem vida, sem sangue, arrastam-se pelo chão, e morrem envenenadas pelos miasmas que respiram! O aspecto da população desastroso, a physionomia das familias é sinistra. Estes desherdados não pensam não podem, não sabem, não exigem cousa alguma; soffrem e resignam-se; mas houve um reaccionario que entendeu que no fundo de todas estas inconsciencias estava o direito; um inimigo da humanidade á cujos ouvidos chegou syllaba por syllaba o murmurio surdo d'estes infelizes, e publicou se uma lei tendente a destruir estas causas permanentes de insalubridade e a desenvolver a riqueza agricola, regando e enxugando as terras e approximando os capitães do solo.

Este foi o primeiro acto do sr. Corvo.

Depois d'este vieram as sociedades anonymas; a organisação do credito agricola e industrial; e a concessão da existencia juridica ao principio cooperativo nas suas variadas fórmas.

E a par de todas estas abominações veiu a reforma administrativa do sr. Mártens Ferrão, que ao mesmo tempo que consolidava a unidade politica do reino, tratava de restituir ás localidades a gerencia dos negocios que naturalmente lhes pertencia.

Estes foram os grandes escandalos praticados pelo partido regenerador.

Em presença d'estes factos eu declaro que não chego a comprehender como é possivel, com espirito de justiça, attribuir tendencias conservadoras a homens que praticaram actos d'esta natureza.

As palavras devem significar idéas. Quando se fazem censuras a um homem ou a um partido qualquer, é preciso provar que os actos d'esse homem ou d'esse partido estão e accordo com as idéas representadas por essas palavras.

Isto o que não acontece; e por consequencia porecem-me injustas similhantes accusações.

Eu declaro franca e categoricamente á camara que tenho a mais absoluta confiança nos homens que estão sentados n'aquellas cadeiras (as do ministerio); que esta confiança é filha da apreciação dos seus actos passados, do conhecimento das suas altas qualidades, o da convicção profundissima que tenho de que s. ex.ªs têem verdadeiro amor patrio e são incapazes de sacrificar a qualquer capricho as conveniencias publicas (apoiados).

O sr. Rodrigues de Freitas: — Os cavalheiros, que se acham sentados n'estas cadeiras (as do ministerio), são dos mais illustrados e talentosos do reino. Desejo que s. ex.ªs satisfaçam ás necessidades publicas e governem de modo que alcancem gloria, e a popularidade os acompanhe.

Dito isto, não posso deixar de fazer algumas reflexões ácerca do modo por que foi formado o ministerio, cujos actos aguardo, com vivo desejo de que sejam taes que possam todos apoia-los.

O sr. marquez d'Avila declarou na sexta feira passada que não se retiraria das cadeiras ministeriaes, emquanto a camara não votasse uma moção de clara censura.

Comtudo o governo demissionario, para morrer da mesma maneira por que tinha vivido, falleceu de uma contradicção, e a contradizer-se pereceu; porque o ex-presidente do conselho, em vez de provar á camara que cumpria fielmente a promessa, mostrou pelo contrario que se contradizia, retirando se e não esperando pela moção de censura (apoiados).

Já um dos cavalheiros que formaram a administração anterior, o sr. Carlos Bento, se levantou para responder ás perguntas que lhe foram feitas por um illustre membro d'esta casa.

S. ex.ª disse que a quéda do gabinete dera resposta a uma pergunta que repetidas vezes lhe fôra feita n'esta casa. Estas palavras, porém, não são cabal explicação dos factos.

A opposição queria que o gabinete se retirasse, mas que na retirada se houvesse honrada e dignamente; queria tambem que as indicações parlamentares fossem observadas na solução da crise politica.

O sr. Alves Passos: — Peço a palavra.

O Orador: — A este respeito foram feitas algumas perguntas aos membros do ministerio demissionario; dos que são deputados, nenhum veiu hoje a esta casa senão o sr. Carlos Bento; ora, s. ex.ª respondeu de um modo que não é realmente satisfactorio.

O cavalheiro que acaba de pedir a palavra, e que, creio, apoiou sempre o governo anterior, explicará, conforme entender, a solução da crise; mas, qualquer que seja a opinião de s. ex.ª, é certo que o antigo ministro da fazenda já definiu a posição do partido do antigo ministerio em presença do actual governo, quando disse que sustentava a doutrina da moção do sr. Barjona de Freitas, isto é, que não tinha confiança no governo, nem d'elle desconfiava! (Apoiados.)

Creio que, se as praticas e indicações parlamentares fossem verdadeiramente observadas, não teriamos presenciado tantos factos lastimaveis, a contar da dissolução da camara transacta.

A moção do sr. Barjona de Freitas era, em verdade, uma especie de censura ao governo, e como tal a votei, embora todos os outros membros da opposição, levados pelas declarações do sr. presidente do conselho, entendessem rejeita-la.

Mas é extraordinario que, depois de ter o governo votado com o partido regenerador, seja este que succede aquelle governo! (Muitos apoiados.)

Sei que tal partido affirmou n'esta casa a sua individualidade completamente distincta do grupo que outr'ora apoiava o governo; mas apesar d'estas declarações, certo é que votou de accordo com o governo; o ministerio, que rejeitara todas as moções, vinha alegre e apressadamente sentar se n'estas cadeiras (apontando para as do governo), e o sr. presidente do conselho declarava patriotica e ministerial a moção, acrescentando que não podia deixar de vota-la.