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APPENDICE Á SESSÃO DE 8 DE AGOSTO DE 1890 1784-G

O sr. Francisco Beirão: - Sr. presidente, fui hontem surprehendido pelo bater das seis horas, pois imaginava que teria ainda tempo para concluir as despretenciosas reflexões que me propuzera expor, como em conversa parlamentar, ácerca do adiantamento que o ministerio mandou fazer ao governo inglez da quantia de 28:000 libras. Por isso, hoje, só mais algumas reflexões terei a acrescentar ás que hontem fiz.

Parece-me, sr. presidente, ter demonstrado que o governo praticou dois actos quanto a mim importantíssimos, e que por isso considero de extrema gravidade. O primeiro foi o de ter acceitado a arbitragem internacional entre tres potencias, para se liquidar a simples indemnisação devida a uma companhia portugueza, e o segundo, o de ter mandado adiantar ao governo inglez a quantia de 28:000 libras por conta d'essa indemnisação.

A rasão apresentada pelo governo para justificar os dois actos que praticou, foi simplesmente a de que, embora reconhecendo que só com a companhia portugueza é que devia tratar e por isso só com ella liquidar a indemnisação, se tinha encontrado, apesar d'isso, na impossibilidade juridica o até material de se entender com essa companhia, por isso que ella se não tinha nunca apresentado ao governo. E o motivo d'esse não apparecimento da sociedade foi, como vimos, a allegada falta de representação legal a que ella ficara condemnada em virtude da exoneração collectiva apresentada pela direcção de Lisboa.

Isto posto, parece-me ter demonstrado que na legislação portugueza havia os meios necessarios a empregar para que similhante estado anormal da companhia não podesse subsistir e que ao governo cumpria adoptar as providencias indispensaveis a que ella podesse ter a representação social a que era adstricta.

E eu não precisava de fazer tal demonstração, porque foi o illustre ministro dos negocios estrangeiros que, não só com a sua auctoridade de ministro - que é muita - mas com a sua auctoridade de jurisconsulto e especialista no assumpto - pois até em tempo apresentou uma proposta de lei ácerca de sociedades - e que por isso é muitissima - foi s. exa., digo, que nos veio dizer ter chegado a indicar quaes os meios pelos quaes, segundo a lei, a companhia portugueza se podia fazer representar para se liquidar esta questão!

Se, pois, isto está demonstrado, pergunto porque foi que o governo não lançou mão dos meios e recursos necessarios para que a companhia portugueza restabelecesse a sua representação social e readquirisse a sua entidade juridica a fim de se lhe fazer este adiantamento, se a elle tinha direito, visto ser ella, como aliás se reconhece, a entidade com que o governo portuguez devia liquidar qualquer pendencia?

Não é facil a resposta, sr. presidente.

Mas a rasão apresentada pelo governo não é só improcedente como ficou hontem demonstrado, senão que tambem é identica á invocada precisamente pelos interessados estrangeiros e - o que mais importa - pelo proprio gabinete inglez.

Demonstram esta proposição as reclamações apresentadas ao governo britannico pela Delagoa Bay e as notas trocadas entre lord Salisbury e o ministerio portuguez que hontem tive occasião de ler á camara.

E por isso concluía eu e com sobrada rasão que o governo portuguez entrara, para me servir de uma formula empregada em questões diplomaticas, nas vistas do governo inglez. Esta a responsabilidade grave e politica do actual ministerio. (Apoiados.) Não se trata só de um acto de simples administração. Accentúo este ponto. Trata-se de mais, e muito mais.

O governo portuguez pelo procedimento que adoptou com respeito a esta questão, isto é, pela sua politica internacional no tocante a este ponto, acquiesceu ao modo de ver e de apreciar a questão adoptado e seguido sempre pelo governo inglez. Esta a maxima responsabilidade do governo. (Apoiados.)

Bem sei eu que os membros do gabinete actual ou aquelles seus defensores que entrarem nesta discussão hão de procurar lançar os presentes actos á conta das responsabilidades do governo transacto. N'esta ordem de idéas ponderarão que o decreto da rescisão é de junho de 1889, que a exoneração dos directores portuguezes é de julho do mesmo anno, que a administração progressista só caiu em 1890, tendo assim decorrido mais de seis mezes sem que o governo providenciasse, como lhe cumpria, a fim de que a companhia se fizesse representar legalmente.

Mas, sr. presidente, uma simples rememoração de factos e uma rápida leitura de documentos mostrarão a improcedência desta allegação. O terreno em que o governo progressista se tinha collocado nesta questão, era precisamente aquelle de que o gabinete actual se afastou. Senão vejâmos.

Por mais fatigante que seja para a camara a leitura de documentos eu não posso deixar de ler ainda mais alguns para provar que o procedimento do governo progressista foi precisamente este: - reconhecer só e exclusivamente como pessoa legitima a companhia portugueza do caminho de ferro de Lourenço Marques para com elia tratar. E esses documentos, infelizmente, como bem disse o meu illustre amigo o sr. Emygdio Navarro, é necessario ir buscai-os a trabalhos estrangeiros, ao livro a tal respeito elaborado no Foreign Office e apresentado ao parlamento inglez!

Quando hontem o sr. ministro dos negocios estrangeiros disse que ao entrar no ministerio tinha encontrado uma correspondencia ou discussão diplomatica sobre este assumpto que não dera resultado, repliquei eu, que isso nada provava, que o que era necessario dizer á camara era o que havia escripto e sustentado n'essa correspondencia. Ora, sr. presidente, os documentos que vou ler á camara, bastarão para mostrar o sentido e a ordem de idéas em que essa discussão foi dirigida por parte do partido progressista.

Em 30 de junho de 1889, um telegramma da direcção da companhia portugueza dirigido de Lisboa para Londres, á companhia Delagoa Bay, telegramma a que já hontem me referi, dizia o seguinte que traduzirei para vulgar:

«Telegrammas confirmam resistencia do engenheiro e provavel intervenção forças inglezas. Nossa posição politica não nos permitte dirigir uma companhia em completa revolta contra o governo. As queixas e protestos da companhia devem sempre fazer-se perante os tribunaes. Lamentâmos o estado dos negocios mas é-nos impossivel continuar; não fariamos senão prejudicar a companhia e ao mesmo tempo faltar ao nosso dever como portuguezes. Sirvam-se substituir-nos.»

A rasão por que a direcção se exonerava é conhecida. Constava em Portugal haver-se levantado resistencia em Lourenço Marques contra a acção do governo nacional, rescindindo o contrato, e ter-se reclamado até a intervenção de força ingleza.

Comprehendendo, porém, logo de certo a responsabilidade que lhes podia impender por este seu acto se os interesses e até os direitos da companhia por que tinham obrigação de velar viessem a ficar completamente abandonados, os directores de Lisboa não se contentaram com a expedição do telegramma de 30 de junho, e logo no dia seguinte, 1 de julho, expediam para Londres outro em que se dizia o seguinte que tambem traslado para portuguez:

«Indispensavel convocar assembléa geral para acceitar as exonerações dos directores e conselho fiscal, e eleger outros; sirvam-se indicar dia.»

Era a propria direcção da companhia portugueza, note a camara, que não se contentava em pedir a sua demissão mas entendia que alem d'isso era preciso que ficasse al-

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