SESSÃO N.º 14 DE 29 DE AGOSTO DE 1905 163
racter do Digno Par, suppõe que n'um momento de irreflexão foi injusto, porque na sua accusação envolveu toda a magistratura portugueza.
A magistratura é um dos poderes do Estado.
Quer o Digno Par envolver n'uma atmosphera de suspeição toda a magistratura portugueza, só porque algum facto que o Digno Par conhece, algum ponto concreto, alterou ou desorganizou as normas estabelecidas?
Disse o Digno Par que ha tres ou quatro leis de excepção, sem se lembrar que ha dezenas de leis excepcionaes.
Sabe S. Exa. o que essas leis significam em relação á magistratura portugueza?
São outros tantos votos de confiança que lhe são dados pelo Parlamento, composto de todos os matizes politicos. A organização dos serviços judiciaes, a que muitos se referem, e que poucos conhecem, ajudou a implantar n'este paiz a liberdade, como os annaes historicos registam.
Com respeito á liberdade de imprensa, tem a dizer ao Digno Par que o seu desejo de que este assumpto seja discutido não é mais vivo nem mais intenso do que d'elle, orador. Creia S. Exa. que está ao seu dispor, para tratar d'este assumpto em occasião opportuna.
O Digno Par já annunciou uma interpellação e espera em Deus que, se não convencer S. Exa., o que bastante sentirá, ao menos ha de demonstrar á Camara que, no que respeita á censura previa, na sua execução, nunca se preteriram os preceitos consignados na lei e deve tambem declarar que nunca no seu Ministerio se deram quaesquer outras instrucções em relação a qualquer jornal. Tudo é que se tem dito é inexacto.
Na lei estão bem definidos os casos em que o agente do Ministerio Publico tem de proceder.
Espera, repete, em occasião opportuna dar á Camara esclarecimentos completos; se não convencer o Digno Par o Sr. Dantas Baracho, ha de provar á Camara que o Governo n'este assumpto procedeu por forma, não diz a merecer louvores, mas a que lhe não dirigissem as accusações de que tem sido alvo.
Tem grande empenho em discutir esse assumpto e não se poupará a aprecial-o, logo que tenha ensejo de o fazer. Pede á Camara desculpa do tempo que lhe tomou e ao Digno Par o Sr. Baracho dirá que, se não respondeu a todos os seus capitulos de accusação, referentes á gerencia da pasta a seu cargo, o fará n'outra occasião.
Vozes: - Muito bem, muito bem. (S. Exa. não reviu).
O Sr. Jacinto Candido: - Raras vezes, por certo, o Sr. Ministro do Reino era occasião de ver tão promptamente satisfeitas as suas pretensões a respeito de se discutir uma questão, como tio caso sujeito.
Pede o Sr. Ministro do Reino que nos restrinjamos, tanto quanto possivel, ao assumpto concreto da crise.
Vae collocar-se exactamente no terreno estricto, em presença da crise, das questões de alto interesse publico que a proposito e durante a discussão da crise se suscitaram n'esta e na oura casa do Parlamento, e que naturalmente apparecem ao espirito de quem vê n'ellas a symptomalogia de um estado latente que significa e que constitue, realmente, a pathologia politica de que enferma o funccionamento normal do nosso regimen constitucional.
Não quer definir mais uma vez quaes são os termos da crise que se debate. Acceita perfeitamente a situação, tal ella foi collocada pelo Governo, para n'esses termos a apreciar e, discutindo-a assim, parece-lhe estar perfeitamente de accordo com o que acabou de expor o Sr. Ministro do Reino.
Qual foi o aspecto que a crise manifestou perante o paiz? A crise revelou-se de dois modos: A crise ministerial e a crise parlamentar. Foi uma crise dentro do Governo e do Parlamento.
Porque foi essa crise? Qual a razão d'ella?
Os motivos que a determinaram foram diversos. Tivemos um motivo politico-partidario, um motivo politico-admistrativo e um motivo pessoal.
O Governo limita-se, simplesmente, a dizer que a crise foi de caracter partidario. Se elle é que lhe dá essa forma, sem bem a definir, não esquecendo os motivos, - não desenvolvendo,- não explicando, - insinuando apenas,- partidario é uma palavra, apenas, - partidario em quê? partidario, por quê? partidario para quê? Não o disse o Governo. Houve allusões, referencias vagas e indirectas, conjecturas, supposições. Assertos positivos, terminantes, não. Ao contrario. O mesmo Governo, dando parte da crise ás Côrtes, só se referiu ás divergencias administrativas. Esta foi a causa que se apresentou. Só mais tarde, depois, no calor apaixonado do debate, foi insinuado, - sem provas - sem mesmo affirmar terminantemente o aspecto partidario. Do outro lado, essa feição foi abertamente contestada, e foi só posta a questão com mero caracter administrativo.
Se, pois, as cousas assim se passaram, e n'estes termos estão submettidas á apreciação das Côrtes, manifesto é que o aspecto meramente partidario não tem que ser considerado. Afastado, pois o caracter partidario, e não querendo, porque entendia não dever, occupar-se da feição pessoal do incidente, fará somente a analyse do aspecto administrativo da crise.
Em que? No contrato dos tabacos. Porque? Por quererem separação de operações.
Para que? Para proceder de conformidade com esse principio. Aqui a divergencia. A maioria da commissão de fazenda da outra casa do Parlamento entendeu que devia manter a opinião que o partido progressista tinha sustentado na opposição, com respeito ao contrato dos tabacos, isto é, á separação das duas operações, e essa doutrina foi mantida.
O Sr. Ministro da Justiça d'essa epoca entendeu que, desde que aquella opinião vinha da maioria da commissão de fazenda elle, embora retirasse a sua acceitação ao projecto do Governo, devia seguir aquella orientação, acompanhando assim a maioria da commissão, retirando-se portanto dos Conselhos da Coroa. Era o melhor caminho que tinha a seguir.
Não tem que apreciar o procedimento da commissão de fazenda, nem a do ex-Ministro da Justiça que hoje tem logar nesta Camara.
Perante elle, orador, está apenas o Governo, que é o responsavel perante o Parlamento. Ao Governo pede contas do seu procedimento e não lhe compete, repete, apreciar nem o procedimento de um ministro que deixou o poder, nem o da maioria da commissão de fazenda, que pertence á Camara dos Senhores Deputados, e com a qual nada temos e que elle, orador, ali não pode discutir.
Portanto, Sr. Presidente, circumscripta fica a questão a dois pontos:
Por um lado temos uma divergencia de uma commissão parlamentar, seguida de uma divergencia ministerial, sobre uma questão essencial e substancialissima do contracto dos tabacos.
E, portanto, uma crise administrativa ou financeira.
Trata-se de uma divergencia de caracter administrativo e chamou-se-lhe pomposamente crise; porque d'isso resultou a saida de um Ministro dos Conselhos da Corôa.
Mas não discute se o Sr. Ministro saiu bem ou mal. Entende que saiu bem.
Não discute tambem a constitucionalidade da resolução da crise. Não é essa a questão, mas sim a de saber as outras condições especiaes em que esse facto decorreu, quando as circumstancias eram principalmente graves, notavelmente graves, porque se tratava de um contrato que affectava importantissimos interesses do Thesouro Publico.