O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO N.° 17 DE 4 DE SETEMBRO DE 1905 201

E eu lamento que a mesma arma de suspeição que serviu aos adversarios do Governo anterior seja adoptada pelos Adversarios do Governo actual.

É necessario, de uma vez para sempre, quebrar esta arma terrivel e envenenada.

Declaro com franqueza á Camara que, desde que o Parlamento dê o alto exemplo de não querer empregar essa arma, ella deixará de ser usada pela imprensa, porque, continuo a dizel-o, o Parlamento faz a imprensa: tal Parlamento, tal imprensa.

Sr. Presidente, vou entrar na famosa questão dos telegrammas.

A Camara, para os avaliar no seu respectivo valor, precisa de attender ás datas d'esses dois telegrammas; á data da pergunta, e á data da resposta.

A data da pergunta é 9 de janeiro, e a da resposta, 10 do mesmo mez.

O telegramma de Lisboa foi expedido ás 10 horas da noite; o telegramma de Paris ás 4,45 da tarde.

A 9 de janeiro, nem o contrato dos tabacos se achava denunciado, nem o concurso estava aberto: por consequencia as negociações não tinham principiado.

O conhecimento d'estes factos devo-o á imprensa, como tambem só pela imprensa soube a declaração de que, n'essa mesma occasião, o Governo mandara consultar ácerca da capacidade juridica da Companhia dos Phosphoros para concorrer ao contrato dos tabacos.

Que perguntava o Governo?

Se, caso tivesse de contratar com outra companhia, que não fosse a dos tabacos, a conversão das obrigações seria ou não cotada na bolsa de Paris.

Nada mais, e nada menos.

Creio não haver n'isto affronta, ou desaire algum, para o paiz.

É apenas uma consulta de caracter confidencial, o pedido de uma informação reservada, como as que os Governos costumam dirigir aos agentes diplomaticos, com o fim de sondarem cautelosamente o terreno.

A resposta do nosso Ministro em Pariz foi a seguinte:

«Presidente Conselho, Lisbonne. - Concessão cotação novas obrigações depende alem questão Reilhac outras circumstancias representam (?), como ser adoptada régie, ser dada concessão actual companhia ou a outra, envolver operações emprestimo ou neto; sem haver conhecimento exacto do arranjo projectado Governo é impossivel obter informações, que em todo o caso será difficil alcançar com precisão, visto cotação depender de haver accordo entre Ministro da Fazenda, Ministro dos Negocios Estrangeiros, Camara Syndical, todos tres independentes. = Sousa Rosa».

Que informações deu, pois, o nosso Ministro em Paris?

Posso dizer que nenhumas: apenas apontou com o seu criterio as condições de que poderia depender a cotação que se desejava.

O Sr. Presidente do Conselho não ordenou ao Ministro em Paris que procurasse o Governo Francez, nem no espaço que mediou entre a data da pergunta e da resposta havia tempo para o Sr. Rosa ouvir as tres entidades a que o seu telegramma se refere.

A verdade é que, se o nosso Ministro em Paris tivesse consultado o Governo Francez, elle o diria, e não disse absolutamente nada, não procurou obter informações directas ou indirectas do Governo Francez; apenas emittiu a sua opinião individual, e o Governo Portuguez, que não queria de maneira nenhuma, nem podia, n'essa occasião, dizer o que resolveria, guardou completo silencio, desde então até hoje. (Apoiados do Sr. Presidente do Conselho).

Poderia vir por esses telegrammas algum embaraço para a nossa administração?

Supponhamos mesmo que o Governo fazia directamente a pergunta ao Governo Francez? Seria esse um caso novo, novissimo entre nós? Não sei, mas presumo que se formos procurar documentos d'esta ordem, e outros ainda mais explicitos, nas nossas Secretarias de Estado, lá se hão de encontrar, não digo a respeito d'esta questão, mas de muitas outras, de contratos, emprestimos, etc.

Por consequencia os dois telegrammas não teem valor, a não ser para a questão historica das datas.

Que é que o telegramma de Lisboa indica?

É que o Governo, ou o Sr. Presidente do Conselho, tinha o mais escrupuloso cuidado em não favorecer a Companhia dos Tabacos, porque, evidentemente, a pergunta não era por causa da Companhia dos Tabacos; o que se desejava saber, o que se julgava indispensavel saber, para interesse do paiz, e para que a concorrencia fosse efficaz, era se o Governo Francez permittiria a cotação das novas obrigações, porque, como V. Exa. muito bem sabe, para um emprestimo de tal importancia, era necessario assegurar-lhe a cotação.

Portanto, a pergunta, em vez de indicar qualquer proposito de favorecer esta ou aquella companhia, mostra o desejo de attender aos interesses do paiz, o desejo de preferir o concorrente que offerecesse mais vantagens.

Pelo adeantado da hora, omitto muito do que tinha a dizer; no entanto, quero ainda falar da liberdade de imprensa, apesar de, a esse respeito, já ter apresentado algumas considerações.

A imprensa tem usado da maior liberdade na apreciação das cousas e dos homens do nosso paiz.

A proposito, narro á Camara um facto historico.

Em tempos, abriu-se uma campanha contra um dos nossos mais notaveis estadistas, a quem a imprensa fez as mais injuriosas accusações, até o ponto de lhe chamar «bandido da Serra Morena».

N'essa occasião appareceu na nossa capital um emigrado italiano, de appellido Gatay, que muitos dos que me ouvem ainda conheceram, o qual, tendo estado em. muitos paizes da Europa, chegou a exprimir-se n'uma linguagem que se parecia um pouco com a que devia falar-se na Torre de Babel.

Esse emigrado, estando uma occasião n'um café de Lisboa, pegou no jornal que abrira a campanha que me refiro e, tendo-o lido, perguntou quem era o homem contra quem essa campanha se dirigia, ao que lhe responderam que era o Ministro do Reino.

Pois consente-se isto! Exclamou elle. Então fico aqui: este passa a ser o meu paiz, já não quero outro.

A este respeito ainda lembrarei outro facto.

Fallecido esse notavel homem de Estado o jornalista que mais o havia atacado, declarou na imprensa que se penitenciava de tudo quanto tinha dito contra elle, pois estava convicto do contrario do que antes havia affirmado.

Este jornalista, que muitos de nós conhecemos, foi mais tarde um habil empregado do Estado, e membro de uma das casas do Parlamento.

Já se vê que a imprensa, educada e alentada pelo exemplo do Parlamento, não muda de costumes, nem muda de processos; e não é facil mudar, porque a empurram para deante, e ella não quer, naturalmente, ir ficando para traz.

Actualmente, a imprensa tem dito e escripto quanto quer.

Ás vezes, até eu me convenço de que estou n'um mundo que não é real, porque o que se passa n'este ou n'aquelle logar, onde nós estivemos e a imprensa não esteve, é depois descripto por ella de tal modo, que chegamos a crer n'uma allucinação do nosso proprio espirito.

A imprensa diz o que entende, apesar de todas as perseguições, apesar da Bastilha da Estrella. (Apoiados).

O que eu não sei é o que ella diria mais, se porventura não fosse perseguida.

Não quero por forma alguma referir aqui o que a imprensa tem dito, o que está dizendo todos os dias; e notem bem, muitas vezes esta liberdade não fere só este Governo, ou este lado da Camara; fere todos, fere sempre, fere em tudo.