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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1848.
Presidiu — O Em.mo. e R.mo Sr. Cardeal Patriarcha
Secretarios, os Srs.
Pimentel Freire.
Margiochi.
Aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde, estando presentes 31 D. Pares, sendo lida a acta da ultima Sessão, foi approvada — Concorreu o Sr. Ministro do Reino, e o dos Negocios Estrangeiros.
Mencionou-se a seguinte
CORRESPONDENCIA
1.º Um officio da Camara dos Sr. Deputados, acompanhando uma proposição de Lei, authorisando o Governo a mandar proceder ao lançamento das decimas e impostos annexos do anno economico de 1847 a 1848.
2.º Outro dito da mesma Camara, acompanhando tambem uma proposição de Lei authorisando o Governo a continuar a arrecadar os rendimentos do Estado até ao fim do anno economico corrente, e applicar o seu producto ás despezas publicas.
Ambas as Proposições passaram á Commissão de Fazenda.
O Sr. Presidente — Passaremos á ordem do dia, sobre a qual continúa a ter a palavra o D. Par D. de Saldanha, Presidente do Conselho de Ministros.
ORDEM DO DIA
Discussão da Resposta (1) ao Discurso da Corôa, começada a pag. 112, col. 4.ª, e seguida a pag. 117, col. 4.ª pag. 128, col. 4.ª, pag. 141, col. 4.ª pag. 151, col. 2.ª, pag. 154, col. 1.ª pag. 159, col. 2.ª, pag. 165, col. 1.ª, pag. 168, col. 1.ª, e pag. 172, col. 4.ª
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Sr. Presidente, hontem tive a honra de expor á Camara quaes eram as minhas idéas a respeito da situação em que nos achavamos no principio do mez de Outubro de 1846; expuz igualmente quaes eram os motivos fundados e legaes que o Governo teve para a suspensão das garantias: não só o estado de revolução continuava, como aqui mesmo se affirma, não só em algumas partes do Reino se tinha acclamado o Principe proscripto, mas ainda guerrilhas miguelistas infestavam parte do Paiz. Hontem apresentei e li á Camara os extractos da correspondencia official que havia aquelle respeito, mas ainda ha provas mais evidentes, se alguem duvidasse das participações officiaes, que são a correspondencia interceptada a Mac-donell, a qual se acha hoje na Camara dos Srs. Deputados, nella se acharam cartas de muitas notabilidades em que se prova que de Faro até Valença e de Almeida até Lisboa a conflagração era geral. Estes motivos, especialmente o ultimo, são a refutação da accusação que se me dirigiu pela suspensão das garantias no dia 7 de Outubro. Hoje continuarei respondendo como me cumpre ás arguições que me foram dirigidas e seguirei a sua ordem chronologica, deixando para o fim o que diz respeito á chamada revolta dos Marechaes.
Tem-se posto em duvida a legalidade das creação dos Batalhões, e a sua duração. Poucas palavras bastarão para nos justificarmos. O artigo 113.° da Carta Constitucional é bem explicado. (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — V. Ex.ª permitte que o interrompa...) Se o D. Par o exige não terei duvida. Mas julgo que a discussão nada ganha com similhantes interrupções que me parece mais conveniente ficarem reservadas para depois. Mas pelo que me diz respeito é-me absolutamente indifferente, porque como só digo aquillo que sinto, como só exponho as verdades de que estou penetrado, não serão por certo todas as interrupções que se possam imaginar, que me causem o menor embaraço (apoiados). (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Fallarei depois.) Todos os portugueses são obrigados a pegar em armas para sustentar a independencia, e integridade do Reino, e defende-lo de seus inimigos externos, e internos. O Governo entendeu que tinha chegado o momento em que era necessario que alguns portuguezes pegassem em armas para defender o Throno e a Constituição contra os inimigos internos. Assim o decretou, e como ao Governo pertence de necessidade o regular o modo como aquelles portuguezes deviam pegar em armas, ordenou a formação dos Batalhões. Não podemos por tanto pôr em duvida a legalidade da creação daquelles Corpos que pela sua decisão e constancia, coragem e disciplina tão assignalados serviços prestaram á Causa da Rainha e da Liberdade (apoiados repetidos). Quanto á sua conservação o §. 10.º do artigo 15.° diz que é das attribuições das Côrtes — Fixar annualmente, sobre a informação do Governo, as forças de mar, e terra ordinarias e extraordinarias. A Camara sabe que a Administração actual começou no dia 18 de Dezembro, as Côrtes reuniram-se no dia 2 de Janeiro, e o primeiro cuidado dessa Administração foi submetter ás Côrtes um projecto relativo á conservação desses Batalhões, o qual já hontem se discutiu, e creio continúa hoje a discutir-se na Camara dos Srs. Deputados: portanto, parece-me que quanto á conservação dos Batalhões o Governo fez quanto devia submettendo ás Côrtes um Projecto de Lei aquelle respeito.
Depois do que se tinha passado, Sr. Presidente, confesso que me surprehendeu que fosse daquelle lado da Camara que se fallasse no Decreto dos fusilamentos: quem ha ahi que não saiba o que se passou aquelle respeito?! O Decreto dos fusilamentos era uma medida preventiva, não teve por fim fusilar os homens que se achavam com as armas na mão, mas evitar que outros fossem engrossar as fileiras da rebellião. No dia em que nos aproximámos a Santarem, com uma porção de gado, apanhámos tambem um paisano armado. Este homem disse-me que pertencia á gente armada de que era Commandante o Sr. Conde da Taipa. Segundo o Decreto de que tracto devia ser fusilado: e que lhe aconteceu? Meia hora depois ia caminho de sua casa com alguns vintens na algibeira. (É verdade, e apoiados do Sr. Visconde de Fonte Arcada.) A mesma sorte tiveram todos os outros, assim como os guerrilhas aprisionados em Torres Vedras desde o principio do combate. Todos, menos os Officiaes tiveram guias, dinheiro distribuido pelos Officiaes do meu Estado Maior pessoal para irem para suas casas (apoiados do Sr. Visconde de Fonte Arcada). Mas ainda mais, Sr. Presidente, os proprios aliciadores, convencidos, confessos, julgados em Conselho de Guerra, e condemnados á morte, nem um só mandei fusilar (apoiados). E não seria aqui o logar de fazer vêr o reverso desta medalha? Não o farei porque repito, o meu fim não é irritar, mas socegar os espiritos, e contentar-me-hei com o testimunho da minha consciencia que se de alguma cousa me accusa, é de ter sido talvez demasiado generoso.
O D. Par o Sr. Gomes de Castro attribuio principalmente á falta de um manifesto a má opinião que se estabeleceu contra nós nos paizes estrangeiros. O Ministerio não se esqueceu desta medida, mas hesitou entre ella e uma circular. Depois de graves ponderações preferio o ultimo expediente, e uma Circular que redigio o D. Par o Sr. José Antonio Maria de Sousa e Azevedo foi submettida aos Soberanos da Europa que mais immediatas relações tem comnosco; não houve por tanto omissão a este respeito.
A primeira consequencia do fatal acontecimento de Torres Vedras, como lhe chamou o D. Par o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães; e eu faço ao D. Par a justiça de acreditar que escolheo o adjectivo fatal, não porque aquelle acontecimento tornou inabalavel o Throno da Rainha, não porque elle acabou com um partido que reviveu, porque se encarnou no miguelista, não porque a Carta Constitucional ficou por elle intacta e livre das mãos profanas que a queriam destruir (muitos apoiados — O Sr. Fonseca Magalhães — Creio que expliquei) mas sim porque todas estas vantagens foram ganhas à custa de tanto sangue portuguez. A primeira consequencia daquelle acontecimento que por muitas vezes aqui se tem attribuido á fortuna e ao fado, e que eu desde logo attribui ao Senhor Deos dos Exercitos, como se vê da minha participação official; escrevendo tambem a minha mulher nesta mesma noute — «não acceites parabens — dá graças a Deos. — Taes feitos como os de hoje são superiores ás forças do homem; só a mão do Omnipotente os póde executar.» A primeira consequencia desse acontecimento, foi a Capitulação, como lhe chamou o Sr. Conde do Bomfim.
O nosso velho Bluteau diz no vocabulo — Capitulação — condições com que se faz qualquer cousa. — Muitas vezes adoça-se este termo chamando-lhe — Convenção como por exemplo a de Cintra em 1808, e as de París de 13 de Março de 1814 e 3 de Julho de 1815. Não tenho porém a menor duvida em concordar com o Sr. Conde de Bomfim chamando-lhe capitulação. O que julgo porém conveniente e necessario é que a Camara saiba quaes foram aquellas condições, das quaes lhe dará perfeito conhecimento a leitura dos documentos que passo a fazer.
«S. Ex.ª o Marechal do Exercito Duque de Saldanha, encarrega-me de intimar ao Commandante das forças estacionadas no Castello desta Villa que se rendam no praso de uma hora depois da recepção desta, com a condição unica de serem garantidas as vidas, a todos os individuos, e permittido ás praças de pret o continuarem no serviço de Sua Magestade a Rainha, na intelligencia que já se acha collocada a artilheria que deve bater o Castello, se dentro daquelle praso se não se tiver rendido. S. Ex.ª faz responsavel ao mesmo Commandante e aos demais Chefes, por todo o sangue portuguez, que sua obstinação fizer derramar. S. Ex.ª me encarrega igualmente de remetter as copias juntas das communicações interceptadas hontem á noute. De ordem do Sr. Marechal certifico ao mesmo Commandante que impreterivelmente começará o fogo no praso marcado se não se tiver rendido. — Quartel General em Torres Vedras, 11 horas do dia 23 de Dezembro de 1846. — De ordem do Sr. Marechal, Barão de Saavedra.»
«Ill.mo Ex.mo Sr. — Toda a minha vida servi com honra, assim como os Generaes, Chefes, Officiaes, e todas as praças que tenho a honra de commandar. Acceitarmos as condicções que nos são propostas, seria manchar a honra do Exercito Portuguez, em que tantos serviços te mos feito a Sua Magestade a Rainha, e ao Paiz, nem poderiamos esperar uma similhante proposta da parte de quem nos viu hontem com bater. Mas nenhuma duvida terei de me render com toda esta força dentro do prazo d'uma hora, concedendo-se-nos as honras que é de costume na guerra, e que eu não posso deixar de esperar de S. Ex.ª o Marechal Saldanha, a cujo lado combatemos tantas vezes gloriosamente.
«Á vista do exposto contamos que nos será concedida capitulação, conservando os Officiaes de linha, e bem assim os dos Batalhões Nacionaes, e Empregados Civis as suas espadas, cavallos e bagagens, e ás praças de pret as suas mochilas.
«Deos Guarde a V. Ex.ª Castello da Villa de Torres Vedras 23 de Dezembro de 1846, ao meio dia. — Ill.mo Ex.mo Sr. Barão de Saavedra. Conde de Bomfim.»
«Factos não se podem negar. É um facto que as tropas portuguezas dos dois lados se bateram hontem heroicamente, é um facto que a tropa reunida no Castello desta Villa merece as honras militares, mas é tambem um facto que eu não posso ir contra as determinações de Sua Magestade a Rainha. Necessito portanto uma resposta cathegorica e clara, em que se me diga se se entende pela conservação das espadas a conservação das patentes, e neste caso não posso annuir; mas se só se pede a conservação das espadas como honra militar, e sem relação á conservação das patentes, não tenho a menor duvida em as conceder a quem tanto as mereceu, assim como as bagagens e mochilas. — Duque de Saldanha.»
«Ill.mo Ex.mo Sr. — Tenho a honra de responder ao officio que V. Ex.ª me dirigiu sobre a proposta de capitulação das forças reunidas no Castello de Torres Vedras, e cumpre-me communicar a V. Ex.ª que estou authorisado pelo General Conde de Bomfim, na qualidade de seu Chefe do Estado Maior, a declarar que pela conservação das espadas aos Officiaes da Columna de seu commando só se entende a conservação das honras da guerra, pois que pelo que respeita a quaesquer disposições que Sua Magestade tem tomado a respeito dos referidos Officiaes estão promptos a obedecer em tudo ás Suas Determinações, pois que nunca deixaram de respeitar nos seus actos publicos a Pessoa da Mesma Augusta Senhora.
«Deos Guarde a V. Ex.ª Torres Vedras 23 de Dezembro de 1846. — Ill.mo Ex.mo Sr. Marechal Saldanha. — José Bento Valdez, Chefe d'Estado Maior da 2.ª Columna de Operações.»
E proseguiu — A situação em que se achavam as forças que occupavam o Castello era desesperada. Quem tem alguma pratica de guerra sabe qual é a sêde ardente que devora o soldado depois de um combate em que tem mordido muitos
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cartuxos. No Castello não havia uma gola d'agoa, Os homens estavam amontoados; a artilheria que os ia anniquillar, estava em bateria, a sabida era impossivel. Foi nestas circumstancias que lhes concedi as condições que me pediram. Mas dir-se-ha: muitas vezes se faz da necessidade virtude, e tu concedestes-lhes aquellas condições porque desejavas apressar o momento de se renderem, receoso de ser atacado por outras forças inimigas. Não, Sr. Presidente, não tinha tal receio. Além de outros motivos tinha na noite antecedente interceptado a communicação que vou lêr:
«O General ficou em Tagarro, e espera noticias para seguir o seu movimento, e sua tenção é se o Saldanha retirar sobre o Sobral effectuar a juncção, e se elle retrocede sobre nós retirar sobre Rio Maior, e alli tomar posição esperando a segunda columna seguirá de perto o Saldanha. Desejo tambem noticias circumstancias das da segunda columna, e a miudo por este mesmo portador, e por quantos possam mandar. O General deseja com empenho effectuar a juncção com a segunda columna. Desculpe da fórma de communicação por que não ha outro meio aqui. Cadaval, 22 de Dezembro.»
«Meu tio. Nós aqui estamos bons e peço que se poderem mandem dizer para nossa casa, que nós aqui estamos bons. A nossa força acha-se hoje em Tagarro, Alcoentre e Cercal, e nós viemos aqui colher noticias. Adeos até á vista. = Seu sobrinho, Fernando.
E proseguio: — A minha resolução foi unicamente motivada por não querer humilhar um inimigo vencido; porque quiz honrar a bravura com que haviam combatido.
Seguio-se a ida dos prisioneiros para Angola. Sr. Presidente, o D. Par o Sr. Sousa e Azevedo já pedio a palavra e naturalmente entrará nas explicações relativas ás conferencias que tiveram logar antes daquella resolução, e eu só direi que quando me constou qual era a intenção do Governo escrevi ao D. Par o Sr. Sousa Azevedo expondo-lhe quaes eram os inconvenientes que via na ida dos prisioneiros para a Africa, as vantagens que haveria em que elles fossem antes para a India, e S. Ex.ª respondeu-me no mesmo dia declarando que approvava completamente as minhas idéas, mas no dia seguinte apresentando o D. Par a minha carta em Conselho de Ministros, e quando alli se tratava daquelle objecto o Ministro da Marinha apresentou correspondencias da India pelas quaes se mostrava ter havido alli uma tentativa de revolução.
Nestes termos tornou-se indispensavel a ida para Angola que eu approvei e de cuja responsabilidade partilho com aquelle Ministerio. Foi nesta Sala que eu ouvi pela primeira vez fallar das instrucções dadas ao Commandante do Brigue Audaz e enviadas ao Governador d'Angola.
O D. Par e meu amigo e collega, em mais de um logar o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães quasi que me elevou á honra de fundador da coallisão. Daquella coallisão que S. Ex.ª por mais de uma vez tanto tem elogiado e á qual declarou que não pertencia, que não queria pertencer. S. Ex.ª não estranhará por tanto que eu não acceite aquella honra. Quando S. Ex.ª tratando da coallisão deu a noticia de eu haver proposto a formação de um ministerio de dois Cartistas, dois setembristas, e dois realistas, ninguem deixaria de acreditar que era proposta moderna. Ella data porém de 1840.
A navegação do Douro e o intempestivo adiamento das Côrtes tinha complicado as nossas relações com o Governo Hespanhol. Fui alli mandado em missão extraordinaria. Publicou-se na Gazeta de Madrid quando eu alli estava, um artigo do qual pedi satisfação dada na mesma Gazeta ou os meus Passaportes em 48 horas. Todo o Corpo Diplomatico julgou a guerra inevitavel mas a satisfação appareceu; as negociações continuaram e terminaram felizmente.
Foi no momento em que se julgava a guerra inevitavel, que eu escrevi dizendo que talvez a Providencia nos quizesse dar aquelle meio para unirmos a Familia Portugueza; que no coração dos Portuguezes predominava sobre tudo o amor da independencia nacional: (apoiados) que um manifesto de Sua Magestade chamando ás armas a todos os Portuguezes a fim de tractarmos unicamente de defender a nossa independencia, e formando um Ministerio de dois cartistas, dois setembristas e de dois realistas, serião esses os meios com que poderiamos resistir á invasão que parecia imminente. S. Ex.ª o D. Par Rodrigo da Fonseca Magalhães que então era Ministro dos Negocios Estrangeiros horrorisou-se com aquella idéa, e levado da sua amisade para comigo escreveu-me que guardaria della o mais inviolavel segredo. É depois daquella promessa guardada por sete annos que S. Ex.ª vem publica-la era pleno Parlamento; e não posso portanto deixar de me persuadir que o tempo produziu o seu effeito e que o D. Par approva hoje a minha idéa que então condemnava. Muito agradeço a S. Ex.ª a revelação daquelle meu pensamento do qual muito me honro, assim como do profundo sentimento portuguez donde elle emanou (apoiados). No partido chamado realista ha duas fracções bem distinctas uma dos sectarios do Principe proscripto, outra dos amigos da Velha monarchia, mas que reconhecem como legitima a Dynastia Reinante. Era destes, com quem me honro de ter relações, e amisade, que eu queria dois no Ministerio (apoiados).
A coallisão que S. Ex.ª tem elogiado compõe-se de dois elementos. Os realistas que foram para ella por ordem positiva que receberam do Principe proscripto que lhes mandou por uma chamada carta regia, de que eu tive em meu poder copia authentica, que obdecessem ao general Povoas. Do outro elemento nada direi porque não foram os senhores que lhes pertencem que o trouxeram á discussão e porque o meu fim não é exacerbar os animos. E agora poderá a Camara avaliar se ha a minima paridade entre á minha proposta e a coallisão elogiada pelo D. Par.
Bella e persuasiva foi a parte do discurso do D. Par o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães quando provou as vantagens da opposição legal, os inconvenientes da opposição armada, Tambem eu sigo aquella doutrina, ainda que caro me tem custado.
Em 1834 e 1835 tive a honra de pertencer á opposição da Camara de Deputados. Opposição legal, conscienciosa e respeitavel. Appareceu porém o dia era que a pressa de chegar ao poder ganhou os animos, e um dos membros daquella opposição veiu uma manhã a minha casa annunciar-me que tudo estava prompto para lançarmos pela força o Ministerio abaixo, e que só faltava que eu me fosse pôr á testa do movimento. Perguntei-lhe se estavamos em Constontinopola para fazermos revoluções de serralho? Instou dizendo que pelos meios legaes nunca checaríamos ao poder, e que se eu não queria o movimento se faria sem mim. Assegurei-lhe que me encontrariam do outro lado com a espada na mão. — «Juro-lhe que acabou a sua carreira politica.» — Me disse o mesmo Deputado e sahiu. Foi esta a causa que me levou a acceitar naquelle anno a missão de París.
Desde então aquelle ex-Deputado tem-me feito uma guerra atroz, apresentando-me com sessenta, setenta, oitenta caras, que sei eu? De todo o coração lhe perdo-o; e porque, Sr. Presidente? Porque sei que foi elle quem, mesmo a risco da sua popularidade, efficazmente coadjuvou o meu antigo amigo, o Sr. Passos Manoel, na ardua, mas gloriosa tarefa, de evitar, em 1836, procedimentos que teriam deshonrado o partido a que pertenciam.
O D. Par, o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, fez pouco favor á memoria de um dos nossos homens de Estado, o Conde da Barca, quando fallou do Exercito portuguez antes da ida de El-Rei D. João 6.° para o Brasil. O Conde da Barca tinha dado uma boa organisação ao Exercito, e o Exercito estava bem vestido, bem equipado, subordinado, e disciplinado; mas esse Exercito foi dissolvido por Junot, e os nossos dous melhores Generaes, o Marquez de Alorna, e Gomes Freire, e muitos outros Officiaes e Soldados, receberam a gloriosa missão de ir fazer conhecido no norte da Europa o valor portuguez; o rosto desappareceu. Uma sublevação popular expulsou os francezes em 1808. Reuniu-se logo um Exercito que era uma quasi informe aglomeração de homens sem subordinação nem disciplina. Foi nesta situação que o Marechal Beresford tomou o commando do Exercito portuguez. Este insigne General, o homem mais justiceiro que tenho conhecido, a quem Portugal deve tanto, a quem o Exercito tanto deve, e eu mais do que nenhum outro individuo, teve a habilidade de causar no Exercito uma tal methamorphose, que nessa batalha do Bussaco, a que o D. Par alludiu, e na qual eu tive a honra, de idade de dezenove annos, de commandar um Batalhão, e de receber em consequencia uma Medalha de honra do Principe Regente de Portugal, e outra do Principe Regente da Grã-Bretanha, depois Jorge 4.°; nessa memoravel batalha, aonde o Anjo da victoria, Massena, crestou pela primeira vez as suas azas, a conducta do Exercito portuguez foi tal, que o Marechal de França escreveu, que o General inglez, para o illudir, tinha feito vestir os Soldados inglezes com as fardas portuguezas. O Soldado portuguez e o typo da perfeição; á coragem fria e reflectida do Soldado inglez, reune o enthusiasmo de que é susceptivel o Soldado francez; juntando a estas qualidades a circumstancia; e paciencia no soffrimento, sem que as maiores privações o levem jamais a faltar ao respeito devido aos seus superiores (apoiados geraes e repetidos); honra, pois, ao Soldado portuguez (muitos apoiados). A posição do Bussaco flanqueada, veio o Exercito occupar as linhas de Torres Vedras, aonde a Aguia franceza achou, pela primeira vez, uma barreira que a fez parar no seu voar glorioso — outro fatal acontecimento de Torres Vedras, mas que tambem, como o moderno, não foi fatal ao Soberano legitimo destes Reinos, mas aos seus inimigos. Mas não foi só Lisboa que achou naquellas linhas a sua defeza, não foi só Londres, mas a Europa inteira (apoiados).
De traz dessas linhas não havia só o exercito que (as defendia, havia tambem refugiada a população de Provincias inteiras, que ainda não desmoralisadas tinham obedecido á voz de seus chefes, que tinham abandonado as suas casas, lançado fogo aos generos que não podiam conduzir, perdendo tudo menos a sua independencia.
Quando Napoleão em 1812 invadiu a Russia á frente de 600 mil bons soldados, o Imperador Alexandre, esse Principe excellente, esse homem delicado e cavalheiro, que tive a honra de conhecer, proclamou aos seus povos apresentando-lhes o exemplo dos portuguezes. Elles obedeceram, abandonaram as suas casas, destruiram os seus generos, lançaram fogo ao Kremlin, Moscow ardeu, mas o Imperio Russo foi salvo, mas o prestigio de Napoleão desapareceu, mas a Europa foi resgatada; e ao exemplo dado pelos portuguezes se devem tão grandes feitos. Honra e gloria eterna á Nação Portugueza (muitos apoiados). E terei eu Sr. Presidente, eu, que tenho a honra de pertencer a uma tal Nação, terei eu medo do çapato castelhano? da alpargata aragoneza? ou do borzeguim francez?! (apoiados). Não Sr. Presidente, mil vezes não. Una-se a familia Portugueza como eu tanto desejo, moralizemos o Povo, tenhamos uma boa organisação militar, e a nossa independencia não correrá o menor perigo (extrepitosos apoiados). — Não foi só o D. Par o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães que estabeleceu a differença entre medeação e intervenção, tambem eu a fiz desde o principio, mas a discordancia é grande a este respeito entre mim e o D. Par. S. Ex.ª só queria medeação, e eu só queria intervenção. A medeação, elevava a junta rebelde ao nivel de soberana; a intervenção, dava á Soberana a força necessaria para reduzir á obediencia os seus subditos rebellados (apoiados). Não serei mais extenso a este respeito porque outro D. Par que então estava no Ministerio tractará a fundo desta questão.
Sr. Presidente, accontecem ás vezes cousas que difficilmente se acereditam, desta ordem é a que vou expor á Camara: nunca puz as mãos, nunca lancei os olhos a esse livro chamado azul: porque não pude vencer a impressão que me causou o que me disseram relativamente aos horrores que nelle se continham; mas esse livro foi causa que nesta casa se fallasse no nome de um meu amigo, e não posso deixar de dizer alguma cousa a seu respeito: Lord Howard de Walden residio entre nós por mais de treze annos, e em muitas occasiões e em grandes crises o vi animado pelo mais vivo interesse, pela causa de Sua Magestade a Rainha, e das nossas liberdades; prestando-nos grandes serviços a risco de incorrer em graves comprometimentos: muitos casos poderia apresentar á Camara que justificassem esta minha asserção.
O D. Par o Sr. Conde das Antas fez saber á Camara que eu tinha combatido nas ruas de París durante os tres dias da revolução de Julho; certo que combati, e permitta-me S. Ex.ª que lhe diga que o fiz, como o faço sempre, e que entre outras cousas fui um dos primeiros a entrar no Hotel de Villo. É aquelle sem duvida um dos mais celebres episodios da minha vida, era que me aconteceram cousas verdadeiramente extraordinarias, pelas minhas relações com o mais virtuoso de todos os homens que tenho conhecido, o General Lafaiette. Alguns portuguezes que existem ainda hoje em Lisboa indo em deputação aquelle General lhe ouviram dizer = tenho um unico filho, e não sei a quem amo mais se a elle se ao General Saldanha. = Para a Camara fazer idéa da situação era que eu estava então em París, direi que fui o unico individuo sem ser Deputado que assistiu á discussão em que se decidiu a mudança de Dynastia. Mas, Sr. Presidente, deixaria eu nesses tres dias de combater pela liberdade da minha Patria? Deixaria eu nesses tres dias de combater pelo Throno da minha Rainha? (Muitos apoiados.) Sem a victoria que alcançamos naquelles tres dias teriamos acaso podido derribar o Throno do usurpador? (Muitos apoiados e o Sr. Marquez de Ponte de Lima — de certo que não.) Muito me honro por tanto da parte activa que tomei naquelles acontecimentos. Mas S. Ex.ª o Sr. Conde das Antas disse que por essa causa eu não devia estranhar que S. Ex.ª se tivesse posto á frente do ultmo movimento popular, julgando S. Ex.ª causa mais forte o mais justificada para aquelle movimento o Decreto da suspensão das garantias e a Proclamação de 6 de Outubro, de que foram as celebres Ordenanças de Carlos X. (O Sr. Conde das Antas — Perdoe V. Ex.ª na Proclamação não senhor, porque nella não via senão doutrina sagrada, e que eu desejava vêr seguida por todos os Ministros) Pois bem deixarei a Proclamação, e direi em primeiro logar, que S. Ex.ª não podia duvidar da legalidade daquelle Decreto, por isso que sabia que o usurpador já tinha sido acclamado em algumas terras do Reino, e que guerrilhas corriam em seu nome. Segundo que tendo S. Ex.ª appellado para os precedentes, tendo passado em revista os seus relevantes serviços á causa da Rainha e da Carta, para lançar de si o labeo de republicano. Aqui repetirei as palavras de um celebre orador hespanhol o Sr. Pacheco, que ha pouco foi Presidente do Conselho de Ministros em Madrid na discussão da Regencia durante a menoridade da Srs. D. Isabel II, o qual principiou o seu discurso dizendo = Eu não sou republicano por duas razões, a primeira porque sou hespanhol, a segunda porque a Hespanha está na Europa = Só loucos podem pensar em similhante fórma de Governo no nosso Paiz. Mas não seria S. Ex.ª extremamente injusto esquecendo-se dos meus presedentes a favor da causa da liberdade? Não tocaria S. Ex.ª a meta da mais acrisolada injustiça comparando-me com Polignac? (Apoiados.) E que fez S. Ex.ª comparando Carlos X, o inimigo inveterado da liberdade da sua Patria, á nossa excelsa Rainha, tão identificada com o Codigo Sagrado que seu Pai nos outhorgou, tão decidida a manter a Carta Constitucional, como o mais extrenuo defensor das nossas liberdades?! (Apoiados.) Sr. Presidente, as Ordenanças de Carlos X foram a causa da revolução de Julho, a consequencia foi a queda daquelle Monarcha a expulsão da sua dynastia. O D. Par o Sr. Conde das Antas, considerou o Decreto da suspensão das garantias causa mais forte de que aquellas Ordenanças, promoveu por elle uma revolução, qual seria a consequencia?.. (Apoiados — o Sr. Visconde de Laborim — Muito bem — Muito bem).
S. Ex.ª fez uma terrivel accusação ao Coronel Lapa, Barão de Villa Nova de Ourem. Este Official não precisa da minha voz para o defender. Elle o fará em outro logar, e eu só direi que elle é um dos mais bellos ornamentos do Exercito Portuguez, de qualquer modo que se considere, e que se eu fosse Napoleão já o tinha feito Tenente General. Tres vezes achando-se destacado a grandes distancias, e em crises melindrosas escreveu-me pedindo instrucções. Respondi immediatamente, mas o apuro cresceu, e foi necessario tomar prompta resolução; o Coronel Lapa assim o fez participando-me logo a resolução que havia tomado. Os portadores cruzaram-se no caminho, e as resoluções tomadas pelo Coronel Lapa foram a execução das ordens que elle ainda não tinha recebido. Deste facto verá a Camara qual é a razão porque faço daquelle Official um tão subido conceito,
S. Ex.ª fez outra accusação grave, gravissima, atroz. Disse S. Ex.ª que em quanto durou o armisticio a linha do Sul havia sido atacada. Sr. Presidente; desdenho entrar em promenores para repellir tal accusação, porque tenho o orgulho de estar convencido que a Camara, o resto do Exercito que alli se não achava, e a Nação acharão a mais completa refutação daquella accusação, sabendo que era o Marechal Saldanha, que era eu quem alli commandava (estrepitosos apoiados).
Só me resta fallar da revolta dos Marechaes, e muito agradeço ao Sr. Conde do Bomfim o haver dado occasião para o fazer. Em Julho de 1836 tive a honra de acompanhar Sua Magestade El-Rei á Provincia do Minho. Quando de volta chegavamos a Leiria, o meu parente amigo e Collega o Duque da Terceira, que então era Presidente do Conselho, disse-me em alta voz, porque íamos um pouco distante = Ganhámos as eleições = e eu respondi-lhe logo = Pois preparem-se para uma revolução = Poucas semanas depois a minha profecia estava cumprida. Sempre que uma revolução se verifica é difficil saber a quem pertence a honra, tantos são os que a reclamam. Não acontece porém assim na que teve logar em 9 de Setembro de 1836. Tal foi a sua natureza que ainda até hoje não ouvi que alguem reclamasse a honra de ser o seu author. O movimento teve logar em Lisboa, não houve porém uma Cidade, uma Villa uma Aldèa que o seguisse, e só depois de se receber a ordem do Poder Executivo é que nas differentes terras do Reino deixou a Carta Constitucional de ser a Lei Fundamental do Paiz.
Retirado de Lisboa inteiramente convencido de que aquella revolução tinha sido anti-nacional, escrevi ao Ministro da Guerra, dizendo que eu não prestava juramento á nova ordem de cousas, porque queria reservar-me a faculdade de a combater.
No mez seguinte chegou a Lisboa vindo de Madrid o Sr. Tenente Coronel Barreiro, hoje o Brigadeiro Barão da Luz, foi-me visitar a Penha Longa, e disse-me quaes eram as disposições em que tinha achado alguns dos Ministros, e outras pessoas influentes naquella situação. Immediatamente lhe disse que eu não curava de pessoas, mas das cousas, e que se se restabelecesse a Carta Constitucional qualquer que fosse o Ministerio eu lhe daria o meu apoio.
Continuou o Sr. Barão da Luz a ser o intermedio entre mim, e aquelles Srs. E tendo vencido as difficuldades do Sr. Visconde de Sá que mais se oppunha, foi por recommendação do mesmo Sr. Visconde entender-se com o Sr. Julio Gomes de Silva Sanches. Para não cançar a Camara só direi que para se concluir aquelle importantissimo negocio foi o Sr. Antonio Aluixio Jervis de Atouguia a Penha Longa convidar-me para ir a Oeiras ter uma conferencia com o Sr. Marquez de Loulé, a fim de combinarmos o modo por que se havia levar a effeito o restabelecimento da Carta Constitucional.
Os Srs. Passos Manoel, Antonio Cezar de Vasconcellos, Julio Gomes da Silva Sanches, assim como o Sr. Conde de Lumiares, além dos Srs. Marquez de Loulé, e Sá da Bandeira que já mencionei, estavam todos de accordo a este respeito. (O Sr. Visconde de Sá: — Confesso que me não recordo do que V. Ex.ª allude a meu respeito.) O Sr. Barão da Luz está vivo elle responderá pela exactidão do que acabo de referir; isto são cousas muito serias, e eu tive o cuidado de antes de vir aqui, e já ha alguns dias, convidar o Sr. Barão da Luz para verificar se eu conservava na memoria com exactidão quanto se havia passado a tal respeito, e elle repetiu-me exactamente o que acabo de dizer.
Para o restabelecimento puro e simples da Carta Constitucional exigiu-se que duas pessoas fizessem um sacrificio, o de renunciar ao Pariato. Esses Srs. (um já não existe, o outro está hoje auzente de Portugal) souberam do que se tractava, e segundo me disseram foram os que promoveram e levaram a effeito o triste acontecimento conhecido pelo nome de Belemzada. Do qual como se deduz do que acabo de expor eu não tive o menor previo conhecimento. Sem embargo ainda me coube o fazer algum serviço como se vê do Decreto de 6 de Novembro de 1836.
Fui com plenos poderes tractar com os Deputados do Povo. Estes Srs. em numero consideravel reunirão-se comigo na casa do D. Par o Sr. Conde da Ribeira Grande, e alli pude conseguir que a nova Constituição tivesse por base a Carta Constitucional e a Constituição de 1822. Não embarquei, montei ccavallo e voltei para a minha rezidencia. Alli me achava tranquillo quando teve logar em 1837 um movimento promovido especialmente por uma das pessoas que compunham agora a Junta do Porto. O nome dos Marechaes foi envocado para chamar a tropa, e ainda que nada de commum tinhamos tido com esse movimento, vendo um grande numero de nossos amigos compromettidos, sahimos a campo quinze dias depois d'aquelle movimento ter começado, não obstante o estado quazi desesperado em que se achava. Mais de dous mezes durou aquella celebre campanha, e a Camara me permittirá que diga que de todos os meus trabalhos militares, é aquelle de que mais me honro.
Os Srs. Generaes Baião da Varzea do Douro, Barão de Leiria, e o Sr. Jerves d'Attouguia julgaram dever esperar o inimigo em Ruivães, não obstante terem a certeza de que os Marechaes se lhe reuniam n'aquella tarde. Foram balidos pelo Sr. Conde das Antas, e dalli se seguiu a Convenção de Chaves. Emigrei, voltei para París, e alli o Sr. Conde de Bomfim, então Ministro da Guerra, lembrando-se da nossa antiga amizade, me escreveu, pedindo-me que prestasse juramento á Constituição que se ia fazer, a fim de poder mandar pagar os meus soldos. Recusei-me ainda outra vez. Mas depois que duas eleições me fizerão accreditar que a Nação tinha adoptado aquella Constituição, como queria o quero ser Portuguez, prestei-lhe juramento. E fui-lhe fiel, Sr. Presidente, e resisti a grandes tentações.
Devo declarar que como eu tambem, é meu nobre Collega Duque da Terceira e a maior parte dos Officiaes que nos acompanharam em 1837, não tinham prestado juramento á nova Ordem de cousas.
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Como sei que temos sido taxados de pouco explicites no discurso da Corôa, direi duas palavras a respeito da Administração a que tenho a honra de Presidir. O Ministerio está resolvido, e nisto estou certo que será firmemente apoiado por esta Camara, a sustentar á custa de todos os sacrificios, o Reinado da Senhora DONA MARIA II, (apoiados) a Sua Dynastia, (apoiados) a independencia nacional, (apoiados) a Carta Constitucional da Monarchia; (apoiados) e a esmagar com mão de ferro a cabeça da hydra revolucionaria em qualquer parte que appareça (apoiados geraes.)
E não deixarei de apresentar aqui a opinião de um auctor francez De Meunier, que não póde ser suspeito aos mesmos radicaes, o qual sustenta — que nas grandes calamidades physicas, moraes, ou politicas a paciencia e a moderação nos chefes populares, é o melhor de todos os remedios; e sem esta moderação e paciencia, por mais consiliador e generoso que seja o Governo, como póde elle deixar de lançar mão de medidas fortes para evitar a anarchia, o peor de todos os males?
O Ministerio deseja que na Carta Constitucional se façam as alterações que o tempo e a experiencia tenham mostrado necessarias; mas pelo methodo marcado na mesma Carta, (apoiados) porque nunca consentirá que um simples Decreto possa alterar a Lei Fundamental do Paiz (apoiados). E de passagem direi que de todos os actos da opposição o mais incomprehensivel para mim é a insistencia do Decreto de 10 de Fevereiro de 1842, (apoiados) elevando por esse modo o bel-praser do Monarcha e dos Ministros acima da Constituição do Estado (muitos apoiados).
Mas desconheceriam acaso os individuos que hoje formam a Administração qual era a enorme tarefa de que iam encarregar-se? Teriam acaso a stulta presumpção de fazerem algum dos innumeraveis milagres de que se tem occupado a imprensa periodica? Teria eu acaso o miseravel orgulho de me julgar com os talentos e a sciencia que as circumstancias do Paiz exigem? Não, Sr. Presidente. Eu sentia arder no meu peito um puro amor da Patria — não suffocado pelo capricho, pela inveja ou pela vingança; uma profunda convicção das nossas necessidades; e a verdadeira coragem civica para virmos apresentar ao Parlamento e á Nação, o verdadeiro estado em que nos achamos (repetidos apoiados).
O Ministerio está decidido a tractar a questão economica com toda a sinceridade, franqueza e verdade (apoiados). Não proporemos medidas que paliando, ou fazendo desapparecer por alguns mezes o estado morbido do Paiz preparem uma reapparição da molestia que decida da sua existencia (apoiados).
Faremos vêr com a maior clareza o estado da Fazenda Publica, e sem nos esquecermos de que somos uma nação independente e uma monarchia, á custa de todos os sacrificios buscaremos reduzir no anno economico futuro, a despeza, não á receita imaginaria, mas areal e effectiva (muitos apoiados).
Da sabedoria das Camaras espera o Ministerio a mais efficaz cooperação na destribuição dos sacrificios que todos teremos que fazer, a fim de que sejam geraes, proporcionaes e por tanto justos (seguidos apoiados).
As questões de administração, de politica, de instrucção publica e ecclesiastica serão tractadas debaixo dos mesmos principios. E quando chegue o momento de sahir do Ministerio, se não tivermos obtido os elogios dos contemporaneos, recolher-nos-hemos com a consciencia tranquila, e com a persuasão de havermos administrado com sinceros desejos de contribuir para o bem da nossa Patria (muitos apoiados. — Muito bem, muito bem).
O Sr. V. de Sá da Bandeira — Eu pedi a palavra unicamente para responder, ao que o illustre Marechal acaba de dizer. Creio que S. Ex.ª se referiu a 1836, antes da Belemzada: não tenho conhecimento nenhum do que disse o nobre Marechal, passado no gabinete; e ainda que proferiu o meu nome, declaro que não tive conhecimento disso, e antes todas as vezes que se fallava na restauração da Carta, me oppuz e dizia aos que fallavam nisto, que se abstivessem de tal, porque havia ter consequencias funestas; e quando entrei para o Ministerio com a condição de ser esse regimen, eu respondi que acceitava com a Constituição estabelecida, porque depois de ter promettido não havia faltar á minha palavra.
O Sr. Presidente do Conselho — Objectos de uma ordem tal como este, não se podem tractar de leve. Antes de hontem, depois de ter pensado sobre este negocio fiz convidar a minha casa o Barão da Luz, e elle disse-me que S. Ex.ª fóra o intermedio. (O Sr. V. de Sá — A minha Ex.ª não — riso.) O Sr. Barão da Luz, antes de hontem me certificou tudo quanto acabo de dizer, e accrescentou que foi em V. Ex.ª que encontrára maiores difficuldades, e depois de instar muitas vezes, V. Ex.ª disse — pois bem já se entendeu com Julio Gomes?...
O Sr. V. de Sá — Se alguem disse alguma cousa, a minha resposta foi — depois de entrar para este serviço, a minha obrigação é levar as cousas para deante.
N. B. Por falta de espaço não é publicada hoje a Sessão em toda a sua integra, o que terá logar opportunamente.