O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

202

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1848.

(Continúa de pag. 192, col. 1.ª do anterior Diario.)

O Sr. C. de Lavradio —.... (*)

O Sr. C. de Thomar — (Para uma simples explicação). Sr. Presidente, sinto ter de usar da palavra na occasião em que a Camara está com razão fatigada; não obstante ter pedido a palavra para uma explicação, muito teria eu que dizer; mas visto ter já dado a hora, terei de resumir-me.

A explicação, que tenho a dar, não versa sobre negocios politicos, tende a fazer conhecer cabalmente varios pontos, que respeitam especialmente á minha honra como individuo: é mister que eu neste mesmo momento destrua qualquer impressão, que possam ter feito algumas malignas insinuações que me foram dirigidas pelo Sr. C. de Lavradio. Não é minha intenção dirigir-me a ninguem particularmente; tractarei da minha defeza, e rebaterei accusações pouco leaes.

Occupar-me-hei primeiramente do objecto da minha expulsão de Madrid, e de meu irmão de Cadiz, ordenada pelo D. Par: bastaria chamar á memoria da Camara a longa exposição, que fez o Sr. C. de Lavradio, antes de chegar ao acto insolito que praticou, para demonstrar quanto foi mesquinho e miseravel o procedimento do Governo; mas quero deixar solemnemente esclarecido este ponto, e por isso não posso dispensar-me de fazer ainda algumas observações a tal respeito.

A Camara observaria, que o Sr. G. de Lavradio pertendeu envenenar-nos de que houve motivos fundados, para a desconfiança que existiu entre a Côrte de Lisboa, e a Côrte de Madrid, durante a época em que S. Ex.ª esteve no Ministerio: a esta desconfiança foi S. Ex.ª buscar as razões, com que pertendeu justificar as ordens dadas ao representante de Sua Magestade em Madrid, para reclamar verbalmente a minha expulsão. Poderão acaso ser-me imputados os motivos, que deram logar a essa desconfiança? Que culpa tenho eu, de que o Governo de Madrid olhasse mal a revolução deste paiz, e julgasse que della podiam resultar graves consequencias contra a tranquillidade do paiz visinho? Que culpa tenho eu, de que por um tal motivo o Governo hespanhol entendesse, que devia fazer aproximar da fronteira algumas tropas? Que culpa tenho eu, de que ás agoas do Tejo chegasse um navio carregado de soldados hespanhoes, que tendo-se revoltado contra o seu Governo, vinham pedir asylo entre nós? Como pertende o D. Par tornar-me responsavel por factos a que fui absolutamente estranho? Estava por ventura na minha mão impedir, que o Governo hespanhol olhasse mal para a revolução do Minho? Podia eu evitar, que as suas tropas se aproximassem da nossa fronteira? Poderia eu finalmente impedir, que o navio dos emigrados hespanhoes arribasse ao Tejo?

O que prova tudo isto? Prova que o D. Par, desalojado de todos os reductos em que pertendeu defender-se, foi buscar a causas que me são inteiramente estranhas, motivos e fundamentos para justificar a sua tyrannia!

O Sr. C. de Lavradio pertendeu ainda justificar o seu procedimento, com a circumstancia de haver-me feito apresentar a S. M. Catholica como seu vassallo. Em vista das explicações que eu havia dado anteriormente sobre este objecto, era de esperar da lealdade de S. Ex.ª que não voltasse a elle; mas visto que de novo quiz fazer uma maligna insinuação, devo declarar, que S. Ex.ª produzindo agora um tal motivo para a minha expulsão, lavrou a sentença da sua propria condemnação. Esse motivo, dado por S. Ex.ª, não se contém no officio dirigido ao Ministro de Sua Magestade em Madrid, antes pelo contrario se, diz nesse officio, que o motivo pelo qual se ordenava a minha expulsão era a certeza, que o Governo tinha de que eu e meu irmão, pertendiamos fazer uma revolução neste paiz; e no entanto eu achava-me a noventa legoas, porque residia em Madrid, e meu irmão estava era Cadiz, uma forte praça de guerra!

Em prova da nenhuma exactidão da affirmativa do Sr. C. de Lavradio, devo informar a Camara de que a ordem para a minha expulsão, já estava em Madrid quando teve logar a minha apresentação: posso assegurar á Camara que eu a vi nessa mesma occasião.

O Sr. C. de Lavradio pareceu querer fazer—se um merito, por haver ordenado que a reclamação fosse verbal: S. Ex.ª teve razão para assim o mandar. O facto é tão vergonhoso em si, mesmo, que foi mui conveniente, que delle não ficassem vestigios nas Secretarias do Governo hespanhol.

Ainda o D. Par veio fallar de novo nas minhas relações com varias personagens daquelle paiz; e pretendeu até fazer acreditar que eu estava em perfeita intelligencia com os Ministros de S. M. Catholica, para produzir uma revolução neste paiz. Sem entrar em explicações a tal respeito, direi sómente, que o meio de expulsão era o menos proprio para conseguir o fim que S. Ex.ª inculca tinha em vista, pois que se deixava ao arbitrio desses Ministros, o designar-nos os logares da nossa residencia; e em tal caso, em logar de Madrid ou Cadiz poderia designar-se Badajoz, ou Cidade de Rodrigo, quer dizer, pontos mais proximos da fronteira, e portanto mais adequados para se promover a revolução que se queria evitar.

Quando se recorre a taes argumentos para justificar um acto tão insolito, como aquelle a que me tenho referido, prova-se evidentemente que nenhuma razão plausivel, antes sim um mesquinho espirito de vingança, decidiu o Governo a um tal procedimento. A Camara não terá esquecido, que no Officio cuja leitura fiz, o Sr. C. de Lavradio ordenava ao chefe, e mais empregados da Legação de Sua Magestade em Madrid, que se abstivessem de tractar comigo, não só como homens publicos, mas ainda como homens particulares. Pergunto — qual é o Governo que até hoje tem ordenado uma cousa igual! (Apoiados.) Passo a explicar-me sobre um objecto de maior gravidade.

Nos meus precedentes discursos havia eu explicado devidamente, e destruido completamente as accusações injustas, que no estrangeiro me haviam sido dirigidas. Eu tinha exigido que os meus adversarios politicos, largando o campo das banalidades, descessem ao das especialidades, porque eu estava aqui para defender-me, e destruir as accusações, que me fossem dirigidas: depois desta explicita declaração, eu esperava maior lealdade dos meus adversarios politicos, esperava uma accusação em logar de malignas insinuações. Se eu tivesse duvida de entrar neste debate, poderia limitar-me a devolver contra os meus adversarios as armas com que me atacam, e julgar-me-ia authorisado a perguntar-lhes donde lhes tinham vindo as herdades que possuem, as casas que habitam, e outras muitas commodidades de que disfructam. Mas eu não tenho duvida em entrar na explicação dos actos da minha vida, como homem publico, e como homem particular. O Sr. C. de Lavradio deu-nos conhecimento da justificação, que o nosso grande estadista Marquez de Pombal fez sobre os meios, porque adquiriu a immensa fortuna que chegou a possuir. O Marquez de Pombal poderia ter obrigação de justificar donde lhe tinha vindo a immensa fortuna que possuia; mas eu tenho por ventura alguma fortuna, que possa comparar-se com a desse grande homem? Tenho uma casa, tenho uma quinta, e tudo isto não chegou a custar-me 6:000$000 réis em metal: este negocio é facil de verificar. A quinta foi arrematada em hasta publica perante a Junta do Credito Publico; a casa, pela mesma fórma, perante a Junta do Deposito Publico. Não tenho além disto dúvida em affirmar, que por conta do preço da casa apenas tenho pago sómente 400$ réis, devendo o resto. Não disse eu já nesta Camara, que não obstante affirmar-se que as minhas propriedades rendem 28 a 30:000$000 réis annualmente, eu daria todas essas minhas propriedades, palacios e castellos por metade dessa somma? Como então vos atreveis a repetir malignas insinuações, sem que tenhaes a coragem de me accusar formalmente? Porque não imitaes o meu exemplo, explicando quaes são as vossas fortunas, e o modo porque as adquiristes? (Apoiados.) Seria mais conveniente que por uma vez acabassem estas scenas escandalosas, que vem em descredito do systema representativo, em descredito e desabono desta Camara. Se eu sou um homem criminoso, devo ser processado, julgado, e expulso destas cadeiras. Esta Camara não deve consentir no seu seio um homem corrupto; mas se não ha motivo para se me dirigirem accusações de tal natureza, então é mister, repito, que cesse um tal escandalo (apoiados).

O Sr. C. de Lavradio, a par das suas amaveis declarações de que não tem por fim insultar alguem, falla-nos da justificação do Marquez de Pombal, e do inventario de D. Estevão da Gama. Eu bem sei que o D. Par está dominado de um formidavel rancor contra mim, porque ainda não ha muitos dias declarou nesta Camara, que estava dominado de uma grande animosidade contra a minha pessoa. (O Sr. Conde de Lavradio. — Eu não disse isso.) A Camara toda se recordará, de que foram estas as expressões do D. Par. Por esta vez sómente declaro aos meus accusadores, que senão tem a coragem de me accusar em devida fórma, continuando no systema das banalidades insidiosas, e malignas insinuações, commettem um grande acto de cobardia. (Sensação).

Finalmente direi duas palavras sobre uma das accusações feitas á Administração de que fiz parte: fallo dos 500:000$000 dados de presente por aquella Administração á Companhia Lombré. O Sr. C. de Lavradio havia-se compromettido a entrar francamente neste debate; e a apresentar as provas da sua accusação; mas em logar disso acaba de mimosear a Camara com a leitura de um extenso parecer do Procurador Geral da Corôa; por outra, as provas promettidas por S. Ex.ª reduzem-se á opinião de um homem! (Apoiados.) Eu respeito muito a opinião do Procurador Geral da Corôa como Jurisconsulto; mas não o julgo muito competente para avaliar o merito dos contractos feitos sobre estradas. Em prova do que deixo dito está o facto, de que a Companhia Lombré é a primeira, que pede a annullação desse tão vantajoso contracto! Eu já declarei em uma das Sessões passadas, que estava authorisado pela Companhia para ceder em favor do Sr. C. de Lavradio os 500:000$000, de que S. Ex.ª diz fizemos presente á dita Companhia, com notorio prejuizo da fazenda publica. A somma não é para desprezar, e S. Ex.ª não deve deixar perder a occasião de obter uma tão grande fortuna! (Riso).

O Sr. C. de Lavradio comprometteu-se a tractar esta questão amplamente; pediu todos os documentos relativos a ella; prometteu apresentar as provas da sua accusação; a Camara tem direito a esperar de S. Ex.ª que cumpra a sua promessa: se o não fizer, a Camara e o publico julgarão da sinceridade com que o D. Par ataca os seus adversarios politicos.

Tendo pedido a palavra unicamente para uma explicação, não devo cançar por mais tempo a Camara. (Vozes — Vem — Bem.)

O Sr. Presidente — Ámanhã se proseguirá neste mesmo assumpto — Está fechada a Sessão. Eram quasi cinco horas.

(*) Não se publica este discurso pela razão porque se não tem publicado outros, como se tem notado competentemente.