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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO DE 1848.

Presidiu — O Em.mo. e R.mo Sr. Cardeal Patriarcha

Secretarios, os Srs.

Pimentel Freire.

Margiochi.

Aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde, estando presentes 31 D. Pares, sendo lida a acta da ultima Sessão, foi approvada — Concorreu o Sr. Ministro do Reino, e o dos Negocios Estrangeiros.

Mencionou-se a seguinte

CORRESPONDENCIA

1.º Um officio da Camara dos Sr. Deputados, acompanhando uma proposição de Lei, authorisando o Governo a mandar proceder ao lançamento das decimas e impostos annexos do anno economico de 1847 a 1848.

2.º Outro dito da mesma Camara, acompanhando tambem uma proposição de Lei authorisando o Governo a continuar a arrecadar os rendimentos do Estado até ao fim do anno economico corrente, e applicar o seu producto ás despezas publicas.

Ambas as Proposições passaram á Commissão de Fazenda.

O Sr. Presidente — Passaremos á ordem do dia, sobre a qual continúa a ter a palavra o D. Par D. de Saldanha, Presidente do Conselho de Ministros.

ORDEM DO DIA

Discussão da Resposta (1) ao Discurso da Corôa, começada a pag. 112, col. 4.ª, e seguida a pag. 117, col. 4.ª pag. 128, col. 4.ª, pag. 141, col. 4.ª pag. 151, col. 2.ª, pag. 154, col. 1.ª pag. 159, col. 2.ª, pag. 165, col. 1.ª, pag. 168, col. 1.ª, e pag. 172, col. 4.ª

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Sr. Presidente, hontem tive a honra de expor á Camara quaes eram as minhas idéas a respeito da situação em que nos achavamos no principio do mez de Outubro de 1846; expuz igualmente quaes eram os motivos fundados e legaes que o Governo teve para a suspensão das garantias: não só o estado de revolução continuava, como aqui mesmo se affirma, não só em algumas partes do Reino se tinha acclamado o Principe proscripto, mas ainda guerrilhas miguelistas infestavam parte do Paiz. Hontem apresentei e li á Camara os extractos da correspondencia official que havia aquelle respeito, mas ainda ha provas mais evidentes, se alguem duvidasse das participações officiaes, que são a correspondencia interceptada a Mac-donell, a qual se acha hoje na Camara dos Srs. Deputados, nella se acharam cartas de muitas notabilidades em que se prova que de Faro até Valença e de Almeida até Lisboa a conflagração era geral. Estes motivos, especialmente o ultimo, são a refutação da accusação que se me dirigiu pela suspensão das garantias no dia 7 de Outubro. Hoje continuarei respondendo como me cumpre ás arguições que me foram dirigidas e seguirei a sua ordem chronologica, deixando para o fim o que diz respeito á chamada revolta dos Marechaes.

Tem-se posto em duvida a legalidade das creação dos Batalhões, e a sua duração. Poucas palavras bastarão para nos justificarmos. O artigo 113.° da Carta Constitucional é bem explicado. (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — V. Ex.ª permitte que o interrompa...) Se o D. Par o exige não terei duvida. Mas julgo que a discussão nada ganha com similhantes interrupções que me parece mais conveniente ficarem reservadas para depois. Mas pelo que me diz respeito é-me absolutamente indifferente, porque como só digo aquillo que sinto, como só exponho as verdades de que estou penetrado, não serão por certo todas as interrupções que se possam imaginar, que me causem o menor embaraço (apoiados). (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Fallarei depois.) Todos os portugueses são obrigados a pegar em armas para sustentar a independencia, e integridade do Reino, e defende-lo de seus inimigos externos, e internos. O Governo entendeu que tinha chegado o momento em que era necessario que alguns portuguezes pegassem em armas para defender o Throno e a Constituição contra os inimigos internos. Assim o decretou, e como ao Governo pertence de necessidade o regular o modo como aquelles portuguezes deviam pegar em armas, ordenou a formação dos Batalhões. Não podemos por tanto pôr em duvida a legalidade da creação daquelles Corpos que pela sua decisão e constancia, coragem e disciplina tão assignalados serviços prestaram á Causa da Rainha e da Liberdade (apoiados repetidos). Quanto á sua conservação o §. 10.º do artigo 15.° diz que é das attribuições das Côrtes — Fixar annualmente, sobre a informação do Governo, as forças de mar, e terra ordinarias e extraordinarias. A Camara sabe que a Administração actual começou no dia 18 de Dezembro, as Côrtes reuniram-se no dia 2 de Janeiro, e o primeiro cuidado dessa Administração foi submetter ás Côrtes um projecto relativo á conservação desses Batalhões, o qual já hontem se discutiu, e creio continúa hoje a discutir-se na Camara dos Srs. Deputados: portanto, parece-me que quanto á conservação dos Batalhões o Governo fez quanto devia submettendo ás Côrtes um Projecto de Lei aquelle respeito.

Depois do que se tinha passado, Sr. Presidente, confesso que me surprehendeu que fosse daquelle lado da Camara que se fallasse no Decreto dos fusilamentos: quem ha ahi que não saiba o que se passou aquelle respeito?! O Decreto dos fusilamentos era uma medida preventiva, não teve por fim fusilar os homens que se achavam com as armas na mão, mas evitar que outros fossem engrossar as fileiras da rebellião. No dia em que nos aproximámos a Santarem, com uma porção de gado, apanhámos tambem um paisano armado. Este homem disse-me que pertencia á gente armada de que era Commandante o Sr. Conde da Taipa. Segundo o Decreto de que tracto devia ser fusilado: e que lhe aconteceu? Meia hora depois ia caminho de sua casa com alguns vintens na algibeira. (É verdade, e apoiados do Sr. Visconde de Fonte Arcada.) A mesma sorte tiveram todos os outros, assim como os guerrilhas aprisionados em Torres Vedras desde o principio do combate. Todos, menos os Officiaes tiveram guias, dinheiro distribuido pelos Officiaes do meu Estado Maior pessoal para irem para suas casas (apoiados do Sr. Visconde de Fonte Arcada). Mas ainda mais, Sr. Presidente, os proprios aliciadores, convencidos, confessos, julgados em Conselho de Guerra, e condemnados á morte, nem um só mandei fusilar (apoiados). E não seria aqui o logar de fazer vêr o reverso desta medalha? Não o farei porque repito, o meu fim não é irritar, mas socegar os espiritos, e contentar-me-hei com o testimunho da minha consciencia que se de alguma cousa me accusa, é de ter sido talvez demasiado generoso.

O D. Par o Sr. Gomes de Castro attribuio principalmente á falta de um manifesto a má opinião que se estabeleceu contra nós nos paizes estrangeiros. O Ministerio não se esqueceu desta medida, mas hesitou entre ella e uma circular. Depois de graves ponderações preferio o ultimo expediente, e uma Circular que redigio o D. Par o Sr. José Antonio Maria de Sousa e Azevedo foi submettida aos Soberanos da Europa que mais immediatas relações tem comnosco; não houve por tanto omissão a este respeito.

A primeira consequencia do fatal acontecimento de Torres Vedras, como lhe chamou o D. Par o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães; e eu faço ao D. Par a justiça de acreditar que escolheo o adjectivo fatal, não porque aquelle acontecimento tornou inabalavel o Throno da Rainha, não porque elle acabou com um partido que reviveu, porque se encarnou no miguelista, não porque a Carta Constitucional ficou por elle intacta e livre das mãos profanas que a queriam destruir (muitos apoiados — O Sr. Fonseca Magalhães — Creio que expliquei) mas sim porque todas estas vantagens foram ganhas à custa de tanto sangue portuguez. A primeira consequencia daquelle acontecimento que por muitas vezes aqui se tem attribuido á fortuna e ao fado, e que eu desde logo attribui ao Senhor Deos dos Exercitos, como se vê da minha participação official; escrevendo tambem a minha mulher nesta mesma noute — «não acceites parabens — dá graças a Deos. — Taes feitos como os de hoje são superiores ás forças do homem; só a mão do Omnipotente os póde executar.» A primeira consequencia desse acontecimento, foi a Capitulação, como lhe chamou o Sr. Conde do Bomfim.

O nosso velho Bluteau diz no vocabulo — Capitulação — condições com que se faz qualquer cousa. — Muitas vezes adoça-se este termo chamando-lhe — Convenção como por exemplo a de Cintra em 1808, e as de París de 13 de Março de 1814 e 3 de Julho de 1815. Não tenho porém a menor duvida em concordar com o Sr. Conde de Bomfim chamando-lhe capitulação. O que julgo porém conveniente e necessario é que a Camara saiba quaes foram aquellas condições, das quaes lhe dará perfeito conhecimento a leitura dos documentos que passo a fazer.

«S. Ex.ª o Marechal do Exercito Duque de Saldanha, encarrega-me de intimar ao Commandante das forças estacionadas no Castello desta Villa que se rendam no praso de uma hora depois da recepção desta, com a condição unica de serem garantidas as vidas, a todos os individuos, e permittido ás praças de pret o continuarem no serviço de Sua Magestade a Rainha, na intelligencia que já se acha collocada a artilheria que deve bater o Castello, se dentro daquelle praso se não se tiver rendido. S. Ex.ª faz responsavel ao mesmo Commandante e aos demais Chefes, por todo o sangue portuguez, que sua obstinação fizer derramar. S. Ex.ª me encarrega igualmente de remetter as copias juntas das communicações interceptadas hontem á noute. De ordem do Sr. Marechal certifico ao mesmo Commandante que impreterivelmente começará o fogo no praso marcado se não se tiver rendido. — Quartel General em Torres Vedras, 11 horas do dia 23 de Dezembro de 1846. — De ordem do Sr. Marechal, Barão de Saavedra.»

«Ill.mo Ex.mo Sr. — Toda a minha vida servi com honra, assim como os Generaes, Chefes, Officiaes, e todas as praças que tenho a honra de commandar. Acceitarmos as condicções que nos são propostas, seria manchar a honra do Exercito Portuguez, em que tantos serviços te mos feito a Sua Magestade a Rainha, e ao Paiz, nem poderiamos esperar uma similhante proposta da parte de quem nos viu hontem com bater. Mas nenhuma duvida terei de me render com toda esta força dentro do prazo d'uma hora, concedendo-se-nos as honras que é de costume na guerra, e que eu não posso deixar de esperar de S. Ex.ª o Marechal Saldanha, a cujo lado combatemos tantas vezes gloriosamente.

«Á vista do exposto contamos que nos será concedida capitulação, conservando os Officiaes de linha, e bem assim os dos Batalhões Nacionaes, e Empregados Civis as suas espadas, cavallos e bagagens, e ás praças de pret as suas mochilas.

«Deos Guarde a V. Ex.ª Castello da Villa de Torres Vedras 23 de Dezembro de 1846, ao meio dia. — Ill.mo Ex.mo Sr. Barão de Saavedra. Conde de Bomfim.»

«Factos não se podem negar. É um facto que as tropas portuguezas dos dois lados se bateram hontem heroicamente, é um facto que a tropa reunida no Castello desta Villa merece as honras militares, mas é tambem um facto que eu não posso ir contra as determinações de Sua Magestade a Rainha. Necessito portanto uma resposta cathegorica e clara, em que se me diga se se entende pela conservação das espadas a conservação das patentes, e neste caso não posso annuir; mas se só se pede a conservação das espadas como honra militar, e sem relação á conservação das patentes, não tenho a menor duvida em as conceder a quem tanto as mereceu, assim como as bagagens e mochilas. — Duque de Saldanha.»

«Ill.mo Ex.mo Sr. — Tenho a honra de responder ao officio que V. Ex.ª me dirigiu sobre a proposta de capitulação das forças reunidas no Castello de Torres Vedras, e cumpre-me communicar a V. Ex.ª que estou authorisado pelo General Conde de Bomfim, na qualidade de seu Chefe do Estado Maior, a declarar que pela conservação das espadas aos Officiaes da Columna de seu commando só se entende a conservação das honras da guerra, pois que pelo que respeita a quaesquer disposições que Sua Magestade tem tomado a respeito dos referidos Officiaes estão promptos a obedecer em tudo ás Suas Determinações, pois que nunca deixaram de respeitar nos seus actos publicos a Pessoa da Mesma Augusta Senhora.

«Deos Guarde a V. Ex.ª Torres Vedras 23 de Dezembro de 1846. — Ill.mo Ex.mo Sr. Marechal Saldanha. — José Bento Valdez, Chefe d'Estado Maior da 2.ª Columna de Operações.»

E proseguiu — A situação em que se achavam as forças que occupavam o Castello era desesperada. Quem tem alguma pratica de guerra sabe qual é a sêde ardente que devora o soldado depois de um combate em que tem mordido muitos