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94 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

scismatico da Russia, e ficaram ali existindo como se a bulla pontificia os não obrigasse lá.

O jesuitismo campea desaffrontado como nunca, querendo hoje collocar se na posição em que já esteve collocado, e ao partido liberal cumpre estar alerta e vigiar attentamente, e procurar espalhar por toda a parte a instrucção e ao mesmo tempo vigiando que á sombra das liberdades e immunidades da igreja se não propaguem as mais perigosas doutrinas em que se confundem a politica com a religião, como infelizmente se está fazendo.

O jesuitismo entre nós está tomando a fórma mais perigosa. Á sombra da legislação vigente instituem-se sociedades com varias denominações, que todas tendem a assenhorear-se da educação da mocidade, publicam se innumeros escriptos, contrarios ás nossas leis e doutrinas, e vendem-se por um preço tão modico que até me parece não cobre a despeza da publicação; em breve as nossas familias, os nossos filhos, as mães dos nossos filhos, as que lhes dão a primeira e a mais importante educação, que é a de coração, acham-se possuidas de um espirito anti-liberal, que lhes faz crear um odio á liberdade como anti-christã. Não será inopportuno dar conhecimento á camara de uma d’essas publicações, que anda ahi nas mãos do povo e que entra hoje como elemento obrigado da educação da mocidade. Recebi o hoje mesmo; o titulo do livro é o seguinte: «Póde-se ser catholico e liberal? Dedicado aos jovens catholicos, por monseigneur de Ségur».

Este livro levantou uma grave discussão nos jornaes chamados catholicos e que nada teem d’isso, porque a primeira obrigação dos catholicos é terem caridade com o proximo, e elles não têem alguma; um collega nosso, o sr. conde de Samodães, que julgou entrar para fins christãos numa d’aquellas sociedades, levantou a polemica n’um desses jornaes combatendo o folheto; pois, sr. presidente, sabe v. exa. o que lhe aconteceu? Foi responderem-lhe os seus associados, que elle não era catholico porque era liberal! E sem duviaa, taes são as conclusões logicas, tiradas das proposições da escola jesuitica.

A camara permittir-me-ha que lhe leia um trecho deste livro, que é quanto basta para fazer conhecida a sua doutrina. A epigraphe do capitulo é O sentimento liberal. Termina com a seguinte proposição:

«Para entrar no céu é mister, effectivamente, que tudo seja puro, tanto no espirito como no coração. Se no purgatorio ha liberaes, no paraizo não.»

E mais adiante, tratando da doutrina liberal:

«A doutrina catholico-liberal é uma alteração systematica da verdade, da fé e do direito. É uma alteração systematica das relações da igreja com as sociedades civis, é uma negação mais ou menos determinada do direito divinamente conferido á igreja de dirigir espiritualmente os governos e as sociedades, de inspirar as leis e as instituições publica». »

E mais adiante diz ainda, e será esta a ultima citação que farei:

«Mas eu não sou liberal senão em politica. Então em que querieis ser liberal? Em religião? Liberaes em religião são os protestantes. Sois catholico em religião e liberal em politica? Ah! É exactamente isso o que se chama ser catholico-liberal. Um catholico-liberal é um catholico que não é catholico em tudo, e que, nas questões politicas ou sociaes se furta aos ensinos e direcções superiores da igreja para seguir suas proprias idéas, isto é, suas falsas idéas, porque não ha verdade contra Deus e a sua igreja. Esta, recebendo de Deus, como dissemos, a missão de ensinar todos os homens, sem excepção, a cumprirem em tudo a vontade divina, os soberanos, os homens d’estado, os deputados, os governantes, os magistrados, e geralmente todos os que dirijam os outros, têem por dever, e primeiro dever, confirmar seus juizos e desejos com os ensinos da igreja no exercicio da sua auctoridade; sem isto não são catholicos, pelo menos por um lado.»

Basta, teria de ler o livro todo, porque todo é cheio de doutrinas perniciosas. São estas doutrinas que podem ser ensinadas aos fieis pelos seus pastores, que o estado tem obrigação de vigiar, e para os quaes a prerogativa da corôa é unica garantia, enquanto não chegarmos á independencia do estado e da igreja, a prerogativa da corôa insinuando um individuo do clero, significa que o governo temporal confia em que elle não é capaz de abusar da sua missão.

O sr. bispo de Vizeu disse que o partido liberal considera esta prerogativa como uma jóia, não considera tal, não é joia, é encargo onerosissimo do partido liberal; esta prerogativa vem da tempos monarchicos; pois que já então se sabia que o jesuitismo queria que todo o poder viesse de Deus, e que os thronos se sujeitassem a uma só vontade, que era a do papa ou antes á da sua ordem; a doutrina foi adquirindo tantos proselytos e a ordem tal poder, que chegou a pôr em perigo as instituições de diversos paizes.

Esta prerogativa veiu de lá, e de lá veiu a obrigação de vigiar a observancia dos canones e da disciplina.

Mas são estas as aspirações dos liberaes e dos verdadeiros crentes, manter estas lutas tão funestas? Não por certo; este ar que respira o homem liberal, e cuja falta asphyxiaria o progresso e a civilisação, estas vantagens que da liberdade póde auferir toda a associação, chega a insinuar-se nos animos de todos os verdadeiros catholicos, que desejam vera igreja tão livre que possa caminhar para o seu unico fim, que é na terra o exercicio da caridade e no céu a salvação das almas; mas essa hora ainda não chegou por emquanto; passa esta aspiração como heresia, e o jesuitismo com a sua ambição e intolerancia está compromettendo a igreja; como porém, adversus eam portae inferi non prevalebunt, esperâmos ver ainda expulsos do templo os que abusam da doutrina santa, e suas maximas condemnadas, como já foram.

É necessario olhar com toda a cautela para este empenho politico que atrás da igreja se está armando contra os governos liberaes.

Este desejo do clero, que deixa passar questões graves, que não faz o que diz o concilio de Trento, senão na parte era que este determina que os cabidos elejam os vigarios capitulares mostra-nos o latet anguis, mostra-nos o desejo pouco christão de trazer para cá a luta religiosa.

O concilio não existe senão para estas questões, para outras nada.

Escusado é, sr. presidente, referir que a origem deste direito que os cabidos têem de eleger quem governe a diocese, sede vacante, basta dizer que elle foi regulado pelo concilio de Trento; até ahi a disciplina não foi uniforme, acham-se exemplos de jurisdicção episcopal assumida, in sede vacante, pelo clero; igualmente se podem citar canones que dão ao metropolita o poder de escolher entre os bispos vizinhos do bispado vago um administrador interino da diocese; o que é certo é que o concilio de Trento, que seguramente é uma das mais notaveis assembléas ecclesiasticas que tem havido, não descurou este importante negocio.

Este assumpto é tratado, se a memoria me não falha, na sessão 24 de reformatione.

Não tenho por onde verifique, nem estava prevenido para a questão, mas creio que o que se exige é que o nomeado seja graduado em direito canonico, sendo possivel, mas não se impõe a obrigação de ser um conego; isto não diz o concilio, ousaria affirma-lo, se o meu amigo o sr. bispo de Vizeu, que sabe mais destas materias do que eu, não dissesse o contrario, mas parece-me que não estou em erro e o sr. bispo está equivocado; peço que me emendem os que souberem se estou em erro.

(Signal de approvação do sr. Martens Ferrão.)

O sr. Ministro da Justiça: — Não está em erro, não.

O Orador: — O cabido não podia eximir-se a acceitar o indi-