O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

478

Em virtude da resolução da camara dos dignos pares do reino, tomada na sessão de hoje, publica-se a seguinte

PROPOSTA DE LEI PARA A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO EM TODAS AS COLONIAS PORTUGUEZAS

As relações que nas provincias ultramarinas existiam entre os escravos e os seus senhores, receberam nos annos de 1854, 1856 e 1858, grandes modificações; todas tendentes a melhorar a sorte dos escravos e a habilitar o governo a propor ás côrtes, com a possivel brevidade, a completa abolição da escravidão em toda a monarchia.

Entre as medidas tomadas para este fim, merecem ser mencionadas com especialidade as seguintes:

1.ª O decreto de 14 de dezembro de 1854 que ordenou o registo de todos os escravos;

2.ª A lei de 24 de julho de 1856, que determinou que fossem de condição livre todos os filhos de mulheres escravas, nascidos depois da publicação da mesma lei;

3.ª O decreto de 29 de abril de 1858, que mandou que sejam de condição livre todos os individuos escravos existentes em territorio portuguez no dia em que se completarem vinte annos, contados da data do mesmo decreto.

Também cumpre lembrar aquellas que aboliram a escravidão na cidade de Macau, na ilha de S. Vicente de Cabo Verde, e em todo o territorio da provincia de Angola situado ao norte do Rio Lifune, no qual existem as povoações e fortes do Ambriz, Bembe, S. Salvador do Congo e outros.

E tambem deve ser citado o decreto de 3 de novembro de 1856, que prohibiu a continuação do barbaro abuso, que existia em alguns dos districtos de Angola, de serem forçados os negros livres a prestar aos commerciantes e a outros individuos o denominado serviço de carregadores.

Para se poder apreciar a importancia das disposições do decreto que estabeleceu o registo, bastará apontar as seguintes: 1.ª a que declarou livres todos os escravos pertencentes ao estado; 2.ª a que determinou que nenhum individuo possa ser considerado legalmente como escravo sem que se prove que elle fóra registado, dentro do praso marcado no mesmo decreto; 3.ª a que concedeu aos escravos o direito de obter a sua alforria, independentemente da vontade de seus senhores, com tanto que paguem a estes uma indemnisação fixada por arbitros; 4.ª a que tirou aos senhores o direito de infligir em seus escravos castigos corporaes; 5.ª a que lhes prohibiu separar, em caso de venda de escravos, as mulheres de seus maridos e os filhos menores de suas mães. Quanto á lei que ordenou que todos os filhos de mulheres escravas nascessem de condição livre, o seu alcance é tal que pelo simples effeito d'esta disposição havia de acabar o estado de escravidão, ainda quando nenhuma outra medida fosse tomada para esse fim.

E pelo que respeita ao decreto de 29 de abril de 1858, para se avaliar a sua importancia será sufficiente lembrar que elle fixou o dia 29 de abril de 1878 como o ultimo da existencia da escravidão em toda a monarchia.

Estas medidas, tomadas no curto espaço de quarenta mezes em beneficio da infeliz classe a que se referem, foram grandes passos dados no caminho que conduz ao fim que se tem tido em vista, a abolição da escravatura. Cumpre pois que n'elle continuemos a progredir com prudencia igual áquella que até aqui tem sido empregada; o que podemos fazer, prestando attenção, com espirito de equidade, aos interesses dos individuos que presentemente são escravos, aos interesses dos seus senhores e á utilidade do estado.

Parece-me que se poderá obter este resultado se for approvada a proposta de lei que tenho a honra de apresentar & camara, na qual se estabelece que o estado de escravidão ficará abolido em toda a monarchia desde a publicação da lei; que todos os individuos escravos passarão ao estado de libertos, no qual, em conformidade com o decreto de 14 de dezembro de 1854, hão de permanecer sete annos; e que os senhores dos escravos serão indemnisados.

Por esta fórma Portugal poderá conseguir a prompta extincção da escravidão em todas as suas colonias, sem que o systema de trabalho que ali está em pratica experimente alterações repentinas nas suas condições; prevenindo-se assim a eventualidade de occorrencias analogas ás que em colonias estrangeiras tiveram logar em seguimento á publicação do acto de completa e instantanea emancipação dos escravos; e tambem sem que o thesouro nacional seja obrigado a despender, desde logo, as consideraveis quantias a que os senhores de escravos têem direito.

Pelo decreto de 29 de abril de 1858, os donos de escravos que forem emancipados têem direito a indemnisações equivalentes ao valor d'estes, realisaveis no anno de 1878, isto é, d'aqui a treze annos; mas esta realisação deverá effectuar-se no fim do sete annos, se a presente proposta de lei for approvada. A differença dos prasos, que é de seis annos, será em seu beneficio, visto que o numero de escravos registados, unicos que dão direito a indemnisações, não teria de soffrer a reducção que, n'este espaço de tempo, necessariamente havia de occorrer, proveniente de fallecimentos, deserções e outras causas; e por isso elles teriam maiores quantias a receber em sete annos do que em treze.

Pelo que respeita aos escravos, as vantagens que da lei proposta hão de tirar consistem: 1.°, em obterem a sua alforria passando á condição de libertos; 2.°, em deverem passar á classe de pessoas completamente desobrigadas da prestação de serviços no fim do praso de sete annos, isto é, seis annos mais cedo do que estatuiu o decreto de 29 de abril de 1858; 3.°, em poderem passar a esta ultima classe, sempre que tenham adquirido meios de satisfazer o valor dos serviços que ainda se achassem obrigados a prestar como libertos; 4.°, em terem a probabilidade de receber melhor tratamento da parte das pessoas a quem os seus serviços pertencessem na qualidade de libertos, do que aquelle que recebem dos senhores de que são escravos, e isto por effeito não só das prescripções beneficas do decreto de 14 de dezembro de 1854, mas tambem pelo proprio interesse d'essas pessoas, pois que o seu direito ás indemnisações pecuniarias terá do ser fundamentado na apresentação dos libertos que foram rejeitados como escravos, e no resultado da inspecção sobre o estado physico em que elles se acharem quando forem apresentados.

As circumstancias, em que o citado decreto colloca os escravos que passam á condição de libertos, são similhantes áquellas em que estão os libertos provenientes dos navios capturados por se empregarem no trafico da escravatura, as quaes se acham especificadas no regulamento relativo ao tratamento dos negros libertos, que é um dos annexos ao tratado para a suppressão do trafico, concluido entre Portugal e a Gran-Bretanha em 3 de julho de 1842.

N'este regulamento declara-se que elle tem por fim «assegurar aos negros libertados bom tratamento permanente, e uma plena e completa alforria na conformidade das humanas intenções das altas partes contratantes ». Entretanto os libertos de que trata o referido decreto ficam em circumstancias ainda mais favoraveis; e que, até certo ponto, podem comparar-se áquellas em que estão os chinas e os cules ou trabalhadores da India que, por contratos voluntarios, se ajustam para irem servir, durante alguns annos, nas colonias inglezas e francezas. Todos os estados da Europa que têem colonias, com excepção de dois, aboliram a escravidão que n'ellas existia, e Portugal é um dos exceptuados. E no continente americano ha apenas dois estados em que existem escravos.

A nação portugueza que, entre todas as da Europa que povoaram terras d'alem mar, foi a primeira que aboliu a escravidão em algumas d'essas terras, resultado obtido por effeito do alvará, para esse fim publicado em 16 de janeiro do 1773, não será seguramente a ultima que adopte uma medida que tem por objecto pôr termo a um estado de cousas que se acha em opposição com o espirito das instituições que ha mais de trinta annos são a base de todas as suas leis; e que igualmente está em contradição com o estado da civilisação da Europa, onde em menos de um seculo muitos milhões de individuos que viviam na condição de servos têem sido chamados ao gremio dos homens livres.

Os interesses economicos do nosso paiz tambem reclamam a abolição da escravatura, por isso que esta medida deve concorrer poderosamente para a repressão do trafico da escravatura, o qual pelos lucros que produz tem sido o mais formidável inimigo que desde seculos se tem opposto á prosperidade e á civilisação das provincias portuguezas do continente africano. Tão convencido estava d'esta verdade o governo da Rainha a Senhora D. Maria II, que por um acto espontaneo seu, para o qual não concorreu a minima sugestão estranha, preparou e publicou o decreto de 10 de dezembro de 1836, pelo qual foi prohibida a exportação de escravos pelos portos das colonias portuguezas, sem excepção alguma.

Tomando esta medida, o governo teve em vista, não só a abolição do trafico da escravatura, mas tambem a alteração completa do systema por que então o commercio se regulava nas possessões portuguezas do Africa; o qual, tendo sido estabelecido quando o Brazil era uma colonia, com o fim exclusivo de favorecer a sua agricultura e o seu commercio, havia reduzido aquellas possessões a simples mercados de escravos; o que constituia um obstaculo permanente a todas as tentativas que tivessem por objecto melhorar a condição, ou aproveitar os recursos, das terras africanas.

Fez-se em 1836 o que o governo de Portugal devia ter feito, quando pelo tratado de 29 de agosto de 1825 reconheceu a independencia do Brazil. Cumpria que após este acto fosse prohibida a saída de trabalhadores d'aquellas colonias e se promovesse o emprego d'estes na cultura do seu solo; e que ao mesmo tempo se modificassem as pautas das alfandegas com o fim de promover as relações commerciaes entre a metropole e as colonias.

Até á publicação d'aquelle decreto era licito o commercio em escravos nos portos situados ao sul do equador, e todos os annos se exportavam de Angola e de Moçambi-