DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 325
dante do corpo, por causa de certas reflexões feitas por este.
Gosto de ser imparcial, e creio que o tenho sido. O sr. ministro da guerra, a quem não me canso de prestar a devida homenagem, não é infallivel, e permitta-me que chame a sua attenção para estes factos, que são importantes; como todos os que prendem com a disciplina no exercito; e um exercito disciplinado, desde a remota era de Cesar até ás de Frederico e Napoleão, fez sempre prodigios de valor, como d'isso deu sobejos provas o nosso exercito na guerra da peninsula.
Sr. presidente, sou de uma epocha em que o nosso exercito tinha ainda disciplina vigorosa: refiro me á epocha em que terminaram as campanhas da liberdade.
Assentei praça no batalhão de caçadores n.º 5, commandado então pelo sr. conde de Campanhã, que foi membro d'esta camara, e era um dos officiaes mais distinctos e valentes do nosso exercito, e pouco depois formava esse batalhão modelo para se applicarem mil e tantas varadas a um soldado. Fiquei horrorisado, e, se não tivesse já assentado praça, tinha-me dedicado a outra carreira e não á nobre profissão das armas, que exigia tão barbaros castigos, que, por iniciativa no nobre marquez de Sá, foram banidos.
A disciplina, na epocha a que me refiro agora, não estava tão frouxa. O sr. marquez de Ficalho, valente soldado do exercito libertador, sabe perfeitamente quaes eram as altas qualidades dos corpos d'aquella epocha memoravel.
O facto, porém, sr. presidente, é que a disciplina no nosso exercito foi afrouxando, e o sr. Fontes, sendo ministro da guerra, procurou tomar providencias para pôr termo a esse mal.
Ultimamente deu-se um facto grave em relação á disciplina: refiro-me ao attentado commettido pela praga licenciada na reserva, Antonio de Pina, que era correio do sr. ministro da justiça, e creio sel-o ainda.
O réu foi condemnado no minimo da pena. Disse-se então que elle dispunha de altas protecções, e que a pena havia de ser commutada. Era isto um caso grave, e eu não sei mesmo até que ponto seja costume solicitar do poder competente uma commutação quasi logo após a sentença. Respeito, porém, muito o alto poder a que essa faculdade incumbe, para que venha fazer aqui qualquer referencia.
Vendo, porém, reproduzido pela imprensa este boato, apesar de não acreditar n'elle, pelo considerar muito grave e por não julgar que se fizesse um tal pedido, chamei a attenção do governo, que estava, se bem me recordo, representado n'esta casa pelo sr. presidente do conselho, e s. exa. teve a bondade de responder me que o governo não tinha tal pensamento. Na camara dos senhores deputados o sr. ministro do reino foi muito mais categorico.
Mas o que é facto é que, passados alguns dias, com espanto de quem preza o mais vital principio da instituição dos exercitos, appareceu na ordem do exercito a commutação da pena d'este réu!
Sei que se argumenta, com relação a este ponto, que as praças da reserva não estão sujeitas ás leis militares. Mas eu responderia com o artigo 200.° do codigo penal militar, que diz:
"Artigo 200.° Estão sujeitos á jurisdicção dos conselhos de guerra permanentes, mas unicamente por crimes militares que perpetrarem, salva a disposição do artigo seguinte:
"4.° Os militares licenciados na reserva, quando não estiverem em serviço ou nas revistas ou nas reuniões de instrucção."
Foi por isso que eu pedi esses documentos pelo ministerio da justiça. Creio que s. exa. teve difficuldade em os enviar, assim como a houve em se remmeter a consulta do procurador geral da corôa, que me consta ter sido contraria á commutação da pena. Não sei se isto é exacto; mas é certo que se diz. A copia d'essa consulta não veiu aqui, como eu havia requerido, nem vieram outros documentos que tambem pedi, e é para notar este procedimento por parte de um governo que diz querer em tudo a maior publicidade, e não se furtar a fornecer todos os esclarecimentos que se lhe peçam; de um governo dos inqueritos, em que, dil-o-hei de passagem, fez completo fiasco, pelo menos nos já publicados.
Eu vou expor á camara o que se tem dito a tal respeito, sem garantir, comtudo, a veracidade dos factos. Parece que o sr. ministro da justiça, de quem esta praça era correio, lhe dispensava alta protecção, a ponto de mandar que se lhe continuasse a dar o vencimento de correio depois de preso e sentenciado; e não só lhe fez abonar esse vencimento, mas tambem não o demittiu.
Se este facto é verdadeiro, confesso á camara que o acho altamente contrario á moralidade publica, e, sobretudo, á disciplina do exercito; e peço muito encarecidamente ao sr. ministro da guerra, que não deixe a disciplina do exercito á mercê das influencias de qualquer secretario dos seus collegas, por mais respeitavel que seja.
Faço justiça aos motivos que poderiam levar s. exa. a propor a commutação da pena imposta á praça da reserva a que me refiro; mas estes precedentes, reputo-os eu altamente prejudiciaes á disciplina do exercito, acatando, comtudo, a sublime prerogativa da corôa.
as eu desejaria que os illustres defensores do réu a que me refiro, em presença dos seus argumentos, me dissessem: se esta praça fosse chamada ás fileiras do exercito, não poderia vir a concorrer com um superior seu, que, na vespera, houvera accommettido tão arrojadamente?
Desejo fazer justiça a todos, assim como condemno e deploro todas as injustiças.
Assim como condemnei o correio Antonio Pina, cuja situação sou o primeiro a lamentar, assim tambem condemno o principio de que os officiaes do exercito venham para a imprensa fazer representações collectivamente.
Isto não é permittido e o sr. ministro da guerra, n'esta parte, foi tambem muito benevolo, porque se contentou com uma advertencia, que o commandante da primeira divisão militar fizera n'uma ordem da divisão, segundo me consta.
Sr. presidente, referindo-me á opinião do governo em relação a melhorar as instituições militares, de modo que possam servir para assegurar a independencia do paiz, ainda vou apresentar á camara uma opinião tambem insuspeita, que é a do sr. ministro do reino, proferida na sessão de 2 de abril do anno passado.
S. exa. disse:
(Leu.)
Não julgue v. exa., sr. presidente, que eu estou fóra da ordem. Os pontos em que tenho tocado têem intima relação com o projecto que se discute.
Ora eu, sr. presidente, confesso a v. exa. e á camara que, se o contingente continua a ser cerceado como até aqui, por servir de arma eleitoral, sou da opinião do sr. Luciano de Castro, de que não é necessario exercito.
ouve uma grande illustração da imprensa, um athleta vigoroso, que pertence ao partido progressista, que disse por essa occasião; que deviamos fazer todos os sacrificios para termos um exercito de 150:000 a 200:000 homens.
(Leu.)
Eu não sou tão exigente, contento-me com muito menos, e com as forças do thesouro. Mas com o sr. ministro da guerra acontece uma cousa singular, que não faz senão o seu elogio. S. exa. é censurado pelos jornaes que apoiam o governo, e elogiado pelos da opposição, por lhe repugnar a reducção do exercito; e n'esta parte s. exa. está em perfeito desaccordo com o sr. ministro da justiça, que no anno passado propoz á camara que o exercito fosse reduzido a 13:000 homens.