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O sr. Presidente: — Fica então suspensa a sessão por meia hora, mas peço aos dignos pares que se não retirem para continuar a discussão da materia, e tambem para se apresentar o parecer.

Eram tres horas e um quarto.

(Pausa.)

Ás tres horas e tres quartos occupou o sr. presidente novamente o seu logar.

O sr. Presidente: — Continua a sessão, e tem o sr. Ferrer a palavra, porque o parecer ainda tem alguma demora, e então devemos aproveitar o tempo (apoiados).

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, já eu disse que tomava a palavra, não com o fim de fazer proselytos n'esta casa, porque cão tenho a vaidade de que a minha voz possa levantar a camara a favor de qualquer opinião; o que eu desejo é deixar bem consignadas as minhas idéas sobre as questões de direito que se contem n'este projecto, que sendo convertido em lei, eu considero que ha de trazer ao governo graves difficuldades e grandes debates na imprensa.

Sr. presidente, tambem eu, e principio de algum modo a responder ao que disse o digno par o sr. Moraes Carvalho, tambem eu não quero os juizes ordinarios; e não admira que o diga hoje, quando já o disse em 1839 na camara dos srs. deputados. Então não venci a minha proposta; porque foi impugnada por um illustre patriota, cuja perda todos nós lamentámos, o sr. Passos Manuel, o qual a combateu com o fundamento de que os juizes ordinarios eram como uma recordação das antigas liberdades eleitoraes dos nossos antepassados. Apesar d'isso, sr. presidente, direi que eu tinha a convicção que ainda hoje tenho da inconveniencia dos juizes ordinarios, pela experiencia que o foro me tinha dado; e folgo de ver que, depois de tantos annos esta idéa tem germinado, e que antes de pouco tempo havemos de chegar á extincção dos juizes ordinarios (apoiados). Também não gosto, sr. presidente,.dos substitutos dos juizes de direito, porque são naturaes das comarcas em que exercem jurisdicção. E com effeito as intrigas e os interesses das familias fazem com que elles tenham difficuldade em administrar bem a justiça. (O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Apoiado.) E tambem finalmente desejo, como o digno par a quem já me referi, e como o sr. ministro da justiça, que os juizes, findas que sejam as suas licenças, se recolham aos seus logares, para administrar justiça aos povos, como lhes incumbe; e por isso desejo que o governo esteja armado de todos os meios para os coagir a regressar aos seus logares. Mas, sr. presidente, que meios são estes que eu quero? São os meios justos e constitucionaes (apoiados).

Portanto, se eu provar que os meios de que se trata neste artigo não têem alguma destas qualidades, isto é, que são ou injustos ou inconstitucionaes, parece-me que terei demonstrado, que o artigo não póde ser admittido.

Sr. presidente, ouvi dizer ao sr. ministro da justiça, que o principal objecto d'este projecto era a hypothese d'este artigo 5.°, que é a seguinte: ha factos que têem provado que alguns juizes, findas as licenças, se não recolhem aos seus logares. O sr. ministro da justiça declarou que o governo não estava armado para obrigar estes empregados a voltarem ao exercicio das suas funcções; e que era necessario que o poder legislativo dotasse o governo com os meios necessarios para os poder coagir a regressarem aos seus logares.

Temos portanto, sr. presidente, uma unica hypothese, e essa muito simples. Os meios devem ser adaptados a ella e acommodados á sua natureza. Temos pois uma materia que deve ser tratada simultanea e harmonicamente, partindo de um principio supremo de decidir. Esta é a doutrina do methodo. Porém o projecto principiou a legislar para esta hypothese no artigo 2.°, entercalou doutrinas diversas nos artigos 3.° e 4.°, e sómente voltou a ella no artigo 5.° E na verdade no artigo 4.° trata se de outra hypothese, a do juiz que não vae tomar posse do seu logar no tempo marcado na lei.

Esta materia dos magistrados que excedem as suas licenças, foi dividida e desconjuntada contra as leis do methodo, como já disse, e parece me que não será facil justificar esta aberração palpável da genealogia das idéas e de um todo harmonico, que deve apresentar a redacção de qualquer doutrina. E não poderá alguem dizer, sr. presidente (eu não o digo), que esta materia, que devera ser exposta em um artigo unico, embora tivesse diversos paragraphos seguidos, fóra adrede desconjuntada, para que, quando se discutisse o artigo 2.° não estivesse presente ao espirito a materia do artigo 5.° e vice-versa, quando se discutisse o artigo 5.° não se attendesse ao artigo 2.°? Quem não vê que é mais facil analysar, confrontar e apreciar uma doutrina exposta seguidamente, do que collocada em diversos logares, intercaladas outras materias? Até póde isto dar logar a falsas interpretações. E tanto é isto verdade que a camara terá observado que os diversos oradores têem dado differentes intelligencias aos artigos que se têem discutido. E tem sido necessario perguntar ao sr. ministro a intelligencia que lhes dá. Isto prova evidentemente que a redacção não é clara. E a falta de clareza dá margem para differentes interpretações, e quando a lei póde ter differentes interpretações, dá occasião ao arbitrio de quem a executa. Eu não digo que o sr. ministro redigisse a lei com esta intenção. Creio na sua probidade. Porém a redacção primitiva d'este artigo 5.°, feita pelo sr. ministro—poderá (o juiz) ser collocado no quadro da magistratura judicial sem exercicio; e que na camara dos senhores deputados foi substituida com muita rasão por esta — será collocado no quadro, etc..; presta-se na verdade a suspeita de um tal desejo de arbitrio em espiritos mal intencionados. É por isto que eu espero que o sr. ministro se prestará de bom grado a - consentir em uma nova redacção que tire todas duvidas e torne manifestas as suas boas intenções.

Passo porém de leve sobre estas considerações. Tenho outras mais graves sobre a injustiça e inconstitucionalidade das determinações d'este artigo. Para expor com clareza as minhas idéas, permitta me a camara que eu approxime a doutrina do artigo 2.° já votado á do artigo 5.° em discussão, visto que em ambos se estabelecem meios para compellir os magistrados a recolherem se aos seus logares findas as licenças. Somente d'este modo poderemos avaliar esses meios. No artigo 2.º os meios são o desconto do tempo da ausencia para a promoção, aposentação e concessão do terço, ou o magistrado tivesse causa justa ou não a tivesse. No artigo 5.° são a collocação do magistrado no quadro da magistratura sem exercicio, e a continuação, ou privação, do ordenado, segundo teve, ou não, causa justa, para não se recolher ao seu emprego. Examinemos agora se ha harmonia de principios n'estes diversos meios para um unico fim e em idêntica hypothese. Nos meios do artigo 2.° o principio de decidir foi o bom e effectivo serviço do magistrado. Não serviu, perde o tempo. Aqui apparece cega a justiça, como a pintavam os antigos. E o fatalismo puro. Adoeceu, perca o seu tempo. O ter ou não ter causa justa desapparece pela primeira vez da sciencia do direito. As causas justas ou injustas produzem o mesmo effeito. O magistrado não serviu perde o seu tempo, como o jornaleiro; embora as leis disponham outra cousa em relação ás outras classes de empregados. Na primeira disposição do artigo 5.°, ainda vigora aquelle principio fatalista para a collocação do magistrado no quadro da magistratura, porém para a concessão (melhor se diria continuação, porque o governo não concede, quem concede é a lei), digo para a concessão ou suspensão do ordenado, que é o outro meio estabelecido na segunda parte do artigo. O sr. ministro tira a venda dos olhos á justiça, e consente que ella veja se ha causa justa, ou 8e a não ha para a ausencia do magistrado. Para ter logar este meio o principio de decidir foi a justiça, o bom e effectivo serviço ficou de parte. Também vi que o sr. ministro se soccorreu á conveniencia de ter as comarcas providas de juizes. E eu convenho. Mas que conveniencia ha em descontar ao magistrado o seu tempo quando elle, collocado no quadro da magistratura, se apresenta são e prompta para entrar em exercicio, e o sr. ministro não tem comarca da sua classe para lhe dar? Neste caso que culpa commetteu elle para perder o seu tempo e os emolumentos do seu emprego? Qual é o principio que o sr. ministro invoca para tão dura determinação? O bom e effectivo serviço? Não. Está prompto. Colloque o o sr. ministro. A doença? Não; que nunca devera ser causa para as privações que o projecto impõe, quanto mais que agora acabou a doença, e o magistrado está prompto. A conveniencia do serviço? Não; porque a comarca acha-se provida. Qual é pois a rasão que póde justificar esta disposição draconeana? Não invoco o santo principio da equidade. Basta-me pedir todo o rigor da justiça. Estes principios brigam, e as consequencias são intoleráveis, e nem todas as do projecto d'elles se deduzem ainda, o que é peior.

Em todas as classes de empregados publicos, estes devem recolher-se aos seus empregos dentro do tempo das licenças, porém este artigo 5.° concede aos magistrados mais trinta dias no continente do reino, e quarenta nas ilhas, alem do tempo da licença, para se recolherem. E um privilegio á classe da magistratura. É uma colher de mel para poderem os magistrados engolir as amargas pilulas do artigo. Esta determinação é admiravel. A lei não confia na generosidade de quem for ministro da justiça, e manda augmentar toda e qualquer licença, por maior que seja, com a bacatella de mais trinta ou quarenta dias. Mirabile dictum? O magistrado finda a licença, quer divertir se, e não se recolhe; muito bem, tenha mais trinta ou quarenta dias. Esta prorogação legal da lei tambem se justifica pelos principios invocados pelo sr. ministro. Com effectivo serviço e a conveniencia publica dos juizes se recolherem ás suas comarcas? Oh! Sr. presidente, onde está a logica, a philosophia de direito, e a sciencia da legislação! Lembra-me a discripção do cahos, em que Ovidio disse: pugnabant húmida siccis, frigida calides. Procura o sr. ministro armar-se de meios para compelir os juizes a recolherem-se ás suas comarcas, findas as licenças. Será um tambem dar-lhes mais trinta ou quarenta dias alem da licença? Como se póde justificar esta prorogação para todas as licenças grandes e pequenas? Que justiça é esta? E a tal justiça fatalista e cega, que eu não sigo.

Entremos agora na apreciação intrinseca dos dois meios exactivos do artigo 5.°, a saber: a collocação do magistrado no quadro da magistratura sem exercicio, e a privação do seu ordenado. E primeiramente pergunto ao sr. ministro, se quando o artigo falla de motivos justos ou injustos, é applicavel ao direito concedido ao sr. ministro para lhe tirar o ordenado ou se o é tambem ao direito para a collocação no quadro da magistratura. Pergunto isto, porque por um lado a redacção parece indicar que o exame de motivos justos ou injustos, é sómente para o caso do ordenado, por outro o meu espirito resiste a admittir que seja arrojado ao quadro da magistratura um juiz, perdendo o tempo e os emolumentos tendo para isso uma causa justa. Repugna-me a entender o artigo de modo que seja castigado um juiz innocente. Eu bem sei que o sr. ministro quer que os juizes voltem, findas as licenças (com mais trinta ou quarenta dias, não esqueça isto!) ás suas comarcas. E para compelir as remissões que não tiverem justos motivos, vae sem motivo justo punir os innocentes.

Ora, sr. presidente, sempre me ensinaram que era melhor absolver cem culpados do que punir um innocente. Que culpa tem um juiz, que durante a sua licença adoeceu gravemente, de que haja juizes que sem justo motivo se não recolhem aos seus logares, para innocentemente ser arrojado ao quadro da magistratura, como áquelles que sem

justo motivo são remissos em voltarem ás suas comarcas? Um juiz diverte-se, o outro está no leito da dor. Que ordena o projecto? Manda-os ambos para o quadro da magistratura. Santo Deus que justiça é esta! Pois os recursos intellectuaes do sr. ministro não descobrem meios de compelir sómente os remissos, deixando em paz os que tiverem justa causa? Ouvi dizer ao sr. ministro: «E se o magistrado estiver doente dois ou tres annos, quem ha de administrar as comarcas?» A esta pergunta respondo fazendo outra aosr. ministro: — E se o magistrado estiver doente sómente dois ou tres dias alem dos taes trinta ou quarenta, será justo arremessa-lo ao quadro da magistratura? A conveniencia de estarem providas as comarcas e os juizes a servir, apaga a injustiça de arremessar o juiz para o quadro da magistratura sem attender á justiça da demora? Passados dois ou tres dias o juiz diz ao sr. ministro cá vou para o meu logar. Responde-lhe o sr. ministro: a conveniencia de V. ex.ª estar no seu logar, exige que vá para o quadro da magistratura, e entrará na primeira comarca que vagar. O sr. ministro quer o juiz na comarca, elle quer ir para ella, e o sr. ministro manda-o para o quadro da magistratura. Isto não tem explicação! Isto não é meio para o juiz ir, é meio para não ir! Pergunto mais ao sr. ministro: como é que remedeia o mal quando o juiz está doente na sua comarca dois ou tres annos? Applique o mesmo remedio ao caso de estar doente fóra della com licença.

Mas que meio ha, insta o sr. ministro, para compelir os juizes a recolherem sem findas as licenças? Eu podia responder que me não cumpre dize-los: mas sómente apreciar os que s. ex.ª apresenta. Porém sempre direi que lá tem os meios do artigo 121.° da carta, e do § 1.° do artigo 308.° do codigo penal, que o projecto aproveita no § unico d'este artigo em discussão. São estes meios santos e justos. S. ex.ª não o nega; mas insta. Estes meios não são sufficientes; porque os tribunaes gastam annos para decidirem estas questões, e os juizes não voltam aos seus logares.

Pois bem eu respondo. Então o defeito não está nos meios da carta e do codigo; está no processo ou nas relações. No primeiro caso proponha o sr. ministro a reforma d'esse processo; proponha um summarissimo, e eu votarei por elle. No segundo caso puna os juizes da relação; e em um e outro caso não queira fazer pagar aos juizes ausentes por justos motivos os defeitos do processo, ou dos juizes de segunda instancia.

A carta permitte que o sr. ministro, ouvido o juiz e o concelho d'estado suspenda o juiz, e manda-lhe que remetta os papeis aos tribunaes, para ahi se proceder contra o juiz nos termos da lei.

E o codigo no artigo citado manda que a relação, examinando se o magistrado teve ou não justo motivo, o condena ou absolva. O codigo lá estabelece as penas, comparemos agora os principios de justiça, que presidiram á redacção das disposições da carta e do codigo penal, com a doutrina estabelecida pelo sr. ministro. Todas estas formalidades são garantidas do poder judicial. Todas ellas são justas e necessarias como logo provarei. E que propõe o projecto? Nenhuma garantia. Qualquer ministro da justiça (não falo do actual) armado d'este artigo 5.°, arroja sem causa injusta um juiz para o quadro da magistratura, e como elle sómente julga dos motivos justos ou injustos, sem ouvir o juiz nem o conselho d’estado, póde priva-lo injustamente do seu ordenado. E tudo isto sem recurso algum! É força confessar que o processo é rapido! O poder absoluto é assim! Mestre manda, marinheiro obedece.

Avalie a camara a prudencia legislativa dos auctores da carta e do codigo, e do illustre auctor do projecto!

Passo a outro objecto. Esta generosidade do projecto, que amplia a licença do governo, é de trinta ou quarenta dias, como diz o artigo, ou é de quinze, como diz o codigo penal citado no § unico do artigo em discussão? As relações hão de attender aquelle espaço ou este? Hão de julgar, attendendo aos justos motivos, como diz o codigo, ou não attender a elles, como diz o artigo em discussão? Não é visivel a desharmonia entre o artigo e o seu paragrapho?

Confesso, sr. presidente, que faço estas reflexões com a maior repugnancia, e estimarei que o sr. ministro da justiça possa destruir estas considerações...

O sr. Ministro da Justiça: — E os povoa não têem direito a que se lhes administre justiça? O Orador: — De certo que tem.

O sr. Ministro da Justiça: — Então ha de estar um juiz doente annos e annos e annos e a comarca abandonada!

O Orador: —A resposta ás preguntas do sr. ministro já eu dei. Quero que o magistrado seja compellido, mas quero que todos os meios de que se lance mão para o compellir o magistrado sejam justos. Ainda aqui se não demonstrou que seja justo collocar um magistrado no quadro da inactividade, priva lo dos seus emolumentos, e descontar-lhe o tempo sem primeiro se examinar se se demorou com causa justa ou não justa, depois de finda a licença que obteve; e ninguem, peço licença para o dizer, é capaz de fazer esta demonstração.

O juiz está doente, mas findou o praso da licença, e o governo diz-lhe: venha para o seu logar, quer tenha, ou não tenha, saude; aliàs vae para o quadro da magistratura e perde o tempo e os emolumentos. Isto não é justo. Sei que o governo quer ser auctorisado a despachar outro juiz para a comarca...

O sr. Ministro da Justiça: — Pois é o que é. O Orador: — Mas para isso não é necessario que o sr. ministro se arrogue attribuições do poder judiciário; os meios da carta e do codigo penal são sufficientes. E com este artigo o sr. ministro abandona áquelles meios justos por outros injustos.

Eu acredito, sr. presidente, que o sr. ministro não abu-