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O digno par e meu amigo, o sr. Ferrão; preveniu-me em muitos argumentos que eu poderia apresentar em resposta ao sr. Seabra.

A carta diz, no artigo 145.°, § 11.°, a respeito da independencia dos poderes, como ella se deve entender,.e neste artigo começa pelas palavras— será mantida a independencia do poder judicial. Aqui ficou -o sr. Seabra, mas o sr. Ferrão foi mais adiante, e leu o seguinte: «Nenhuma auctoridade poderá avocar as causas pendentes, susta-las ou fazer reviver os processos findos».

Aqui está a verdadeira independencia do poder judicial, e é que nenhum poder se póde intrometter nas causas nem no seu julgamento, nem fazer reviver processos findos; depois das causas, definitivamente sentenciadas, não ha poder algum que possa revogar o caso julgado que, segundo a phrase juridica, faz do negro branco e do quadrado redondo.

Parece-me portanto que não ha aqui insulto nenhum á carta, e se o ha, já está rasgada com as leis de 1848 e de 1852, porque determinam que os juizes transferidos, que não tomarem conta das novas comarcas no tempo legal sem motivo, e os do ultramar que aceitarem a nomeação de deputados, fiquem no quadro da magistratura.

Aqui está a resposta ao sr. Seabra. S. ex.ª julgou que a perpetuidade da carta envolvia a idéa da immobilidade; isto são idéas oppostas que se não podem combinar; e a carta determina o contrario, porque permitte as transferencias, e n'estas está consignada a mobilidade doa juizes.

«Não tendo exercicio não é perpetuo o juiz », disse s. ex.ª, e eu digo, então não ha entre nós juiz nenhum que seja perpetuo; porque difficilmente se achará um que não tenha algum interregno na sua carreira; foi transferido de um logar para outro, deixou de ter exercicio; foi para o quadro da magistratura, deixou de ter exercicio; sendo do ultramar, foi eleito deputado, deixou de ter exercicio; portanto não é independente nem perpetuo. E poderá sustentar-se este paradoxo? A independencia do juiz consiste em não ser demittido sem uma sentença, é n'isto que consiste a independencia, é isto que explica a perpetuidade.

Eu não quero prolongar a discussão, porque a camara tem objectos muito graves e urgentes de que tratar, e pela minha parte concluo e digo com a mão na minha consciencia que o 5.º não offende a moral nem a carta, mas o artigo 5.° tem uma providencia de administração publica que é indispensavel, e sem a qual não se póde bem administrar justiça aos povos (apoiados).

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, eu hontem apresentei aqui as minhas idéas, relativamente ás doutrinas do artigo 5.°, as quaes entreguei á consideração da camara, da imprensa e ao juizo imparcial dos jurisconsultos do reino e professores de direito. Por ora ainda não tenho motivo para abandonar estas idéas. Declarei então que não tinha esperança de fazer proselitos nesta casa, nem de levantar a camara para apoiar a opinião que eu sustento; cumpri um dever de consciencia; e tinha obrigação de o cumprir, depois do projecto approvado pela commissão de legislação da outra casa e d'esta porque nenhum homem é infallivel, e nenhuma commissão tambem o é. Eu tenho visto combater muitos projectos de lei, depois de approvados na outra camara, e approvados unanimemente por commissões d'esta casa. Ha muito tempo que se dizia, que factos não são direito. Então porque não discutiremos quaesquer opiniões, porque não combateremos quaesquer pareceres em um regimen parlamentar? O argumento adduzido da approvação da outra casa do parlamento prova de mais, e por isso em boa logica nada prova.

Sr. presidente, não quero renovar a discussão, não quero responder ao que se tem dito, mas como professor de direito publico, que tantos annos tenho queimado as pestanas a folhear os publicistas, declaro que vim aqui receber uma grande lição; lição nova, pela doutrina que nunca vi escripta por nenhum mestre da sciencia, que nunca ouvi de palavra.

A independencia, disse se, do, poder judicial, não. é çom relação aos juizes, é com relação a este poder, e com relação ás attribuições d’elle, para não haver confusão das attribuições dos differentes poderes politicos.

Supponhamos que é assim, que eu logo provarei o contrario.

Mas que diz o artigo 5.°? Diz que para o magistrado que se demorar fóra do seu logar, passados os trinta dias, ser privado do seu ordenado, ha de o sr. ministro julgar se ha causa justa ou não. E não se diga, que eu vim aqui fazer diatribes contra ninguem, porque quando fallo no sr. ministro entenda-se que fallo de qualquer ministro que se sente n'aquellas cadeiras. Que diz o artigo? Diz que o sr. ministro há de julgar da justiça ou injustiça dos motivos, para suspender, ou não o vencimento do magistrado. Ora, pergunto, se este acto não é o de julgar, sobre a existencia e natureza dos motivos? O sr. ministro decide se os motivos alegados pelo magistrado existem, e se são, ou não, justos. Isto é julgar. E a attribuição de julgar é pela carta constitucional uma attribuição do poder judicial. Quereis sómente a independencia dos poderes para não confundir as suas, attribuições? Então daes pelo artigo em discussão ao, poder executivo a attribuição de julgar, propria do poder judicial? Nem a vossa falsa theoria salva o vosso artigo, quanto mais os verdadeiros principios que vou expor.

Perdestes o trabalho de inventar uma theoria que se não póde admittir. Julgar é uma attribuição do poder judicial (apoiados). Mas eu asseverei, quando principiei a fallar, que estava maravilhado da invenção doa dignos pares, que sustentaram que a independencia do poder judicial não era para os juizes, mas sómente para não se confundirem, as attribuições d'este poder com. as attribuições dos outros. Já eu disse que os publicistas, de que tenho conhecimento, todos referem a independencia aos poderes e ás pessoas, na quaes se acham depositados. Folgaria que se me apresentasse algum que sustente o contrario. E porém verdade que os dignos pares não se referiram aos publicistas; sómente se fundaram no artigo 145.° § 11.° da carta, que diz — Será mantida a independencia do poder, judicial. Nenhuma auctoridade poderá avocar as causas pendentes, susta-las ou fazer reviver os processos findos. Da primeira parte concluíram os dignos pares: logo a independencia que acarta garante é somente a do poder judicial e suas attribuições, e não a dos juizes, dos quaes não falla. A segunda parte do § 11.° é uma explicação da primeira, e prova isto mesmo.

Sr. presidente, maravilha sobre maravilha. A maravilha da invenção accresce a da hermeneutica. Os dignos pares vêem em duas regras do § 11.° distinctas e separadas que a segunda é sómente explicação da primeira. Se tivessem tido o trabalho de examinar a carta no titulo 6.°, capitulo unico, encontrariam logo no principio o artigo 118.°, que diz: «O poder judicial é independente e será composto de juizes e jurados». Aqui a carta não considera o poder judicial como um poder ideal ou abstracto. Considera-o encarnado em ceitas pessoas, juizes e jurados, e declara-o independente. E continua nos artigos seguintes a estabelecer as garantias d'essa independencia com relação aos juizes.

Assim no artigo 120.° diz-se: a que os juizes são perpétuos para escaparem ao cutello demissorio, e garantir a sua independencia do poder executivo». No artigo 121.° admitte-se a suspensão dos juizes; mas que garantias lhes não concede contra o arbitrio do governo? E no artigo 122.° determina-se que os juizes só por uma sentença poderão perder os seus logares; outra grande garantia da sua independencia. A lei da classificação das comarcas e a das transferencias são tambem garantias desta independencia, etc...

A theoria pois dos dignos pares poderá ser uma grande descoberta no direito publico philosophico; porém em o nosso direito publico positivo não póde admittir-se.

Desgraçado artigo 5.°, que para o livrarem da inconstitucionalidade, é preciso recorrer a taes argumentos!

Sr. presidente, podem os dignos pares dizer o que quizerem; mas o que nunca hão de provar é que elle não esteja eivado do vicio da inconstitucionalidade. Confunde o poder judicial com o executivo, e colloca os juizes dependentes do sr. ministro da justiça contra as determinações da carta.

Sr. presidente, o que sobretudo me revolta contra o artigo em discussão, é o não estabelecer que o sr. ministro da justiça seja obrigado a ouvir previamente ao menos o magistrado. E' dar ao sr. ministro o poder de julgar sem audiencia do réu, o que ao proprio poder judicial se não permitte. E calcar aos pés a regra de direito, que ninguem deve ser condemnado sem primeiro ser ouvido.

Revolta me tambem que tudo isto se faça; e que o magistrado, condemnado pelo sr. Ministro a perder o seu ordenado, tenha de ficar calado sem recurso algum. Será conforme as regras fundamentaes e rudimentares de direito, que elle seja privado de allegar a sua defeza antes e depois da decisão do sr. ministro? Eu appello da doutrina do artigo 5.° para a consciencia juridica da camara.

O sr. Visconde da. Vargem da Ordem: — Já deu a hora.

O Orador:,—Eu já tenho visto muitas vezes dar a hora e continuar a discussão; mas se o digno par está enfastiado o que é natural, e nem julgo injusto o seu aborrecimento, eu peço a V. ex.ª que consulte a camara se me permitte mais dois minutos para dizer o mais importante. Eu omittirei o resto, que tinha a dizer (apoiados). -

Sr. presidente, concluo que a independencia do poder judicial é com relação ás attribuições dos poderes, e.com relação aos juizes que exercem esse poder, e por isso que o artigo é inconstitucional; e alem d’isso concluo que elle atropella os primeiros principios de direito.

Sr. presidente, o sentimento do justo não se apaga no homem, e sempre o attrahe para as vias da justiça. E por isso as doutrinas, que, tenho exposto, não podiam deixar de calar no animo do sr. Moraes Carvalho; s. ex.ª como bom jurisconsulto disse: quem ha de julgar se os motivos são, ou não, justos não é o ministro, são os tribunaes. Isto, é excellente, mas infelizmente não se acha no artigo em discussão. Ponha se lá, que eu voto o artigo apesar das suas durezas. O que se deduz do artigo, é que o sr. ministro dá ou tira o ordenado ao juiz, segundo entender, que ha motivo justo ou que o não ha. O que diz,a carta, e o que nós queremos, é que o sr. ministro o possa collocar no quadro da magistratura, muito embora; mas que p poder judicial seja quem deffinitivamente julgue ácerca dos motivos serem ou não justos. E tambem mister, que o magistrado se possa defender, e que não fique na testa com o ferrete de relaxado, e com tal nódoa vá administrar justiça. É mister que a lei dê e não tire aos juizes a respeitabilidade, e que os juizes se apresentem no meio da sociedade administrando justiça aos povos como homens integerrimos (apoiados). Portanto como estamos todos concordes, rediga-se o artigo n'este sentido (apoiados).

O sr. Moraes Carvalho: — Leia o paragrapho a que se refere. Quer uma cousa contradictoria?

O Orador: — Sim senhor, são contraditórios o artigo 5.° e o seu § unico, porque o artigo marca trinta ou quarenta dias, e o § marca quinze.

É mais uma belleza da doutrina do projecto contradictorio com a carta constitucional, e contradictorio com o codigo penal. O artigo dá o poder, ao sr. ministro e o § parece conservado aos tribunaes. Parece adrede redigido tudo isto para do meio das contradicções e amphibologias saír o arbitrio ministerial. E digo que parece, porque eu creio nas boas intenções do actual sr. Ministro da justiça.

O sr. Ministro da Justiça: — Se v. ex.ª me dá licença.

O Orador: — Sim senhor.

O sr, Ministro da Justiça: — Se o ordenado for suspenso fica perpetuamente suspenso?

Supponhamos que o juiz é collocado no quadro da magistratura suspendendo-se o ordenado, isso não tem fim? É até que o tribunal julgue se o motivo é justo ou não.

O Orador: — Então estão em confusão o sr. ministro com o sr. Moraes Carvalho, e isto é um cahos em que ninguem se entende.

O sr. Presidente: — Deu a hora. A ordem do dia para a sessão de segunda feira é a continuação da discussão d'este projecto, e tambem a dos pareceres n.°s 225 e 349.

Está levantada a sessão.

Tinham dado cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 16 de abril de 1864

Ex.mos srs.: Conde de Castro; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Sabugosa; Condes, d'Avila, de Fonte Nova, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Thomar; Viscondes, de Santo Antonio, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, da Vargem da Ordem, de Soares Franco; Barão de Foscoa; Mello e Carvalho, Moraes Carvalho Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Seabra, Pereira Coutinho, Caula Leitão, Custodio Rebello de Carvalho, F. P. de Magalhães, Ferrão, Faustino da Gama, Margiochi, Aguiar, Soure, Pestana, Silva Cabral, Baldy, Matozo, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Fonseca Magalhães, Vellez Caldeira, Miguel Osorio, Menezes Pita, Sebastião de Almeida e Brito, Ferrer.