CAMARA DOS DIGNOS PARES
SESSÃO EM 4 DE ABRIL DE 1864.
PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO
VICE PRESIDENTE
Secretarios dignos pares Conde de Peniche
Mello e Carvalho
(Assiste o sr. ministro da justiça.))
Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 30 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.
O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou a seguinte correspondencia:
Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, um incluindo uma proposição sobre a concessão de certa vantagem ao segundo tenente da armada Antonio Francisco Ribeiro Guimarães, para substituir outra proposição, que para esta camara havia sido remettida em officio de 15 de março ultimo, e que continha alguma inexactidão.— Remettida á commissão de marinha e ultramar.
Outro communicando que foram ali approvadas as emendas feitas por esta camara nas proposições relativas ido modo de contar a antiguidade ao primeiro tenente da armada Francisco Teixeira da Silva. E á promoção do cirurgião de brigada graduado Joaquim Antonio dos Prazeres Batalhós; bem como ter sido approvada a proposição, que tivera origem n'esta camara, concedendo gratificações alimenticias a diversos officiaes de differentes armas e exercicios no exercito. — Ficou a camara inteirada.
Um officio do ministerio das obras publicas, enviando para ser depositado no archivo o autographo do decreto das côrtes geraes, n.º 250, auctorisando as associações denominadas monte pios, e todas as outras de igual natureza, a adquirir e possuir predios urbanos necessarios para o estabelecimento de seus escriptorios. — Teve o competente destino.
Uma representação do marechal de campo reformado Verissimo Alvares da Silva, como contribuinte do primordial monte pio do exercito desde o anno de 1806, pedindo que por occasião de se discutir o orçamento do estado se determine que o referido monte pio volte para a secretaria da guerra, ficando independente do ministerio da fazenda. — Remettido á commissão de fazenda.
ORDEM DO DIA
CONTINUA A DISCUSSÃO DO PROJECTO N.° 360. SOBRE O ARTIGO 5.º
O sr. Ferrão: — Tomou a palavra como relator da commissão que deu o seu parecer sobre o projecto que se discute, para justificar o artigo 5.°, que tão combatido tem sido.
A impugnação tem sido uma severa censura feita ao artigo e conjunctamente ao sr. ministro da justiça que fez a proposta, á camara dos srs. deputados que a approvou, e finalmente á commissão de legislação d'esta casa. Todas as commissões são muito respeitaveis, mas n'esta especialidade de que se trata, a commissão de legislação, composta de membros legalmente habilitados, mais alguma cousa do que legalmente habilitados, encanecidos no serviço de applicar as regras da hermeneutica á intelligencia das leis, com justiça e com verdade, com verdade relativamente á intenção do legislador; parece lhe que devia merecer mais alguma consideração.
O nobre orador entende que o artigo em discussão deve ser approvado, e as emendas dos dignos pares devem ser rejeitadas; se ellas fossem approvadas, a camara deveria na proxima sessão legislativa retirar a sua confiança aos membros da commissão.
Recapitulando as censuras que se têem feito ao artigo procurou mostrar que não fóra offendido nem o espirito nem a letra da carta constitucional, e que as censuras fundavam-se n'um falso presuposto pelo qual se confundiam idéas que são de todo o ponto distinctas, a independencia do poder judicial com a conveniencia e interesses dos juizes, meros instrumentos d’esse poder.
A garantia dos cidadãos está na independencia do poder, e não na dos membros d'esse poder, e é isso o que parece não terem entendido bem distinctamente os que com batem este artigo. Quando a lei dispõe que, dadas certas circumstancias previstas, sejam os juizes collocados no quadro da magistratura sem exercicio, não é o governo que o faz, é a lei.
O juiz que não for para o seu logar no praso de trinta dias consecutivos, no continente do reino, e quarenta nas ilhas adjacentes, diz a lei que será collocado no quadro da magistratura sem exercicio; e diz se sem exercicio, porque a camara sabe perfeitamente que o quadro da magistratura é, com, ou sem exercicio. Assim como ha licenças, com, ou sem vencimento, tambem ha quadro da magistratura, com, ou sem exercicio. O artigo pois não faz mais do que estabelecer esta collocação que não constitue uma terceira secção de juizes como se disse.
Ha juizes, com, ou sem exercicio. O quadro dos juizes com exercicio está sempre preenchido, porque pela lei de 1855, depois de classificadas as comarcas e os juizes, em 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, necessariamente as vagas da 1.ª classe são substituidas pelos juizes de 2.º' classe, e as vagas d'esta preenchidas pelos juizes de 3.º, nos termos ordinarios como diz a lei. Por consequencia o magistrado que se achar no quadro da inactividade, e a quem competir entrar para o quadro com exercicio, necessariamente ha de entrar, mas ha de entrar segundo as regras estabelecidas por lei, a qual ordena ao supremo tribunal de justiça que escolha tres entre os nove juizes mais antigos, e os proponha ao governo, a fim d'este poder nomear o que lhe pareça. Quanto ao vencimento, o rigor fiscal segundo a regra estabelecida no decreto de 16 de maio de 1832, quando falla em vencimento, diz que serão, suspensos os ordenados aos empregados publicos quando não exercerem as suas funcções, não se tem consentido porém que o vencimento. Seja tirado quando ha cansa justa, esta mesma regra milita a respeito dos juizes; Outro tanto não acontecerão pobre operario que tem a desgraça de não poder trabalhar, fica sem receber o seu vencimento...
Notou outra confusão que qualificou de desgraçadíssima, na referencia ao artigo 308.° do codigo penal, argumentando com este contra o artigo em discussão. Uma cousa é a causa justa a que se refere aquelle artigo, e outra cousa é a causa justa a que se refere a hypothese d'este artigo 5.°, o que passou a desenvolver confrontando as duas causas, e concluiu defendendo a redacção do artigo e seu paragrapho que achou claro e conciso.
E concluiu dizendo que, como podia ser necessario dar mais alguma explicação, desde já pedia que se lhe reservasse a palavra.
O sr. A. L. de Seabra: — Pedi a palavra sobre a ordem e sobre a materia, mas como não ha mais nenhum digno par inscripto, usarei primeiro d'ella sobre a materia.
Sr. presidente, continuo esta discussão por descargo de consciencia; é esta a posição, que eu mais de uma vez tenho declarado, que hei de ter n'esta camara, porque não me moverei nunca por outra consideração estranha ao meu dever.
Eu penso, sr. presidente, que o fim d'esta lei não é outro senão evitar que o serviço publico padeça pela ausencia dos juizes; reconheço portanto o principio da necessidade de adoptar alguma providencia, para que os logares da magistratura sejam effectivamente exercidos por aquelles que têem obrigação de exerce-los; porém, querendo eu este fim, não posso querer senão que se empreguem os meios para isso, de modo que se combinem as conveniencias do serviço com os principios da justiça, e até da equidade, se for possivel, e contra a maneira por que se quer desenvolver esta idéa, é que me tenho levantado.
Já quando se tratou do artigo 2.9, não combati a disposição que aqui se apresentou, tendente a impor a perda de tempo para a aposentação e antiguidade, senão debaixo do ponto de vista da desigualdade relativa, que é a maior das injustiças; e então sustentei que era preciso collocar os individuos que se achavam no mesmo caso debaixo da mesma disposição. Disse que se o juiz que excede alguns dias a licença, ainda que seja com justa causa, devia perder, pelo projecto que se discute, o seu tempo; tambem o juiz que estando no logar em que deve exercer as suas funcções, as não exercesse, se lhe não devia contar o tempo.
Foi a isto que chamei uma injustiça relativa, e por isso propuz uma emenda para fazer desapparecer esta injustiça, propondo que no caso de justa causa a ninguem se descontasse.
Quando se chegou a este artigo 5.°, não combati a necessidade de uma providencia; limitei me unicamente a propor algumas idéas relativas ao modo de execução, para tornar a sua disposição mais justa. O er. ministro tinha dito que este negocio devia ser absolutamente decidido pela secretaria emquanto á collocação no quadro inactivo e emquanto á privação dos vencimentos; e eu disse que não podia ser, porque s. ex.ª só provisoriamente podia suspender, na conformidade da carta, os juizes, mas que o julgamento definitivo pertencia aos tribunaes. Esta foi a minha opinião e contra ella ainda não ouvi argumento algum, se não o que acaba de apresentar o sr. Ferrão, e sinto muito que s. ex.ª empregasse um tal argumento, e ha de permittir-me que lhe vá mostrar que é um mero sophisma improprio da alta capacidade de s. ex.ª
O sr. Ferrão: — Peço a palavra.
O Orador: — Disse a. ex.ª: Confundiram se aqui os interesses dos individuos com a independencia dos poderes; são cousas diversas, porque uma cousa é a independencia do poder judicial e outra a independencia doa juizes; os juizes não podem ser individualmente independentes. «Não ha ninguem independente, independente é só o sr. Ferrão!
Ora, sr. presidente, na ordem das cousas humanas não é! assim que se aprecia a independencia dos homens e a independencia da sua posição, e é por isso que quando se tratou de estabelecer a independencia dos juizes, deu se-lhes a perpetuidade como está na carta. Não é só o artigo 118.°, a que se quiz agarrar o meu digno collega que explica o pensamento da carta; este pensamento é explicado de um modo positivo nos artigos seguintes. O artigo 120.° diz; «Que os juizes são perpétuos». O que quer isto dizer? É ser hoje juiz e ámanhã não o ser? E poder ser tirado do exercicio do seu emprego?
Pois eu sendo tirado do meu emprego sou juiz perpetuo? Desde esse momento a minha qualidade de perpetuidade desappareceu. Mas diz se não se lhe tira a qualidade, essa é que é perpetua, só é privado do exercicio dessa qualidade. E inaudito! Pois o que é ser juiz se não uma funcção, o exercicio do cargo de julgar? Quando a carta diz juiz perpetuo, entende o mesmo que inamovível; e não fez mais que traduzir a carta franceza:
O sr. Moraes Carvalho: — Peço a palavra.
O Orador — A qualidade e as funcções são uma e a mesma cousa, e ninguém pôde tirar ao juiz esta qualidade senão a lei, e pela fórma que a mesma lei determinar. E para tirar todas as duvidas sobre esta intelligencia diz ainda a mesma carta constitucional no mesmo artigo 120:°: «O que todavia senão entende que não possam ser mudados de uns para outros logares pelo tempo e maneira que a lei determina?» Aqui só permitte a mudança de uns logares para outros; mas perder o seu logar só o podem por sentença (é o artigo 122.°). E ainda acrescenta o artigo 121.º: «O rei poderá suspende-los por queixas contrai elles feitas; mas precedendo audiência dos mesmos juizes e ouvindo conselho d'estado, sendo os papeis que lhes são concernentes remettidos á relação do respectivo districto para proceder na fórma da lei».
Dê modo que o escrupulo do legislador foi tão grande que nem permittiu que fossem mudados de uns logares para outros senão pelo tempo e maneira determinada na lei geral, nem que podessem ser suspensos, em caso de queixa,