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CAMARA DOSJMGNOS PARES

SESSÃO DE 26 DE JUNHO DE 1861

presidência do ex.»» sr. visconde de l.aborim vice-presidente

, . -,. (Conde de Peniche

Secretários: os dignos pares |D pedro Bj.;to ^ RÍQ

(Presentes os srs. ministros ão reino, fazenãa, guerra e justiça.)

A's duas horas e meia reunido o numero legal, decla-rou-se aberta a sessão.

Lida a acta da sessão antecedente julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondência:

Um officio do ministério da marinha, enviando para serem distribuídos pelos dignos pares, sessenta exemplares da conta da sua gerência relativa ao anno económico de 1859-1860, e do exercicio de 1857-1858.— Manãaram-se distribuir.

O sr. J. F. ãe Soure: — Tenho a honra de participar á Camara que a commissão de agricultura, commercio e industria se acha installada, tendo nomeado para seu presidente o digno par marquez de Ficalho, a mim para secretario e relatores aquelles a quem forem distribuidos os pareceres.

O sr. Conãe ão Bomfim: — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta renovando a iniciativa do projecto n.° 139. Este projecto veio da camará dos srs. deputados para aqui, e ainda não foi approvado por causa de um paragrapho, e consequentemente caducou; foi depois renovada a sua iniciativa n'esta camará por um digno par que já falleceu, o sr. visconde de Athoguia, e por essa occasião foi aqui discutido e approvado;(mas na outra camará caducou, em virtude da dissolução. É por este motivo que mando para a mesa a minha proposta renovando a iniciativa do mesmo projecto.

Leu-se na mesa e é ão teor seguinte:

«Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 139.-= Conãe ão Bomfim. »

O sr. Marquez ãe Ficalho: — Sr. presidente, v. ex.a dá-me a palavra sobre a ordem?

O sr. Presiãente: — Tem v. ex.a a palavra.

O sr. Marquez ãe Ficalho: — Sr. presidente, pareceu-me hontem ouvir na discussão geral que o espirito de classe entrava muito n'ella, e por isso tenho a fazer uma declaração, e vem a ser que não é o espirito de classe que me fez entrar n'esta questão; posso prova-lo com documentos, que são as trinta e sete mil assignaturas em que estou incluído. Questão de classe nunca a vi aqui, senão quando em 1834 votámos a lei mais liberal de liberdade de imprensa que temos tido (apoiaãos). Questão de classe d'esta camará não me lembro de a ver senão quando propozemos a abolição dos vinculos assignada por tres marquezes, em cujo numero eu entrava; por consequência desejo que na continuação da discussão se entenda que não ha espirito de classe, nem o pôde haver, e muito principalmente da minha parte que tenho o meu nome confundido nas trinta e sete mil assignaturas (apoiaãos).

O sr. Presidente:—Todos fazem justiça ás qualidades de v. ex.a

Passámos á ordem do dia, que é o objecto da discussão de hontem. Tem a palavra digno par o sr. Joaquim Filippe "de Soure.

O sr. J. F. de Soure: — Sr. presidente, da primeira vez que fallei, disse que esta questão como se apresentou e do modo por que continuara, não deixava ver o fim a que se encaminhava, pareceu-me ao principio que era uma simples pergunta feita ao ministério;- depois começaram todos a divagar, saindo fora do que tinha feito o objecto da pergunta; eu, porém, restringi-me á questão da legalidade, parecen do-me que os meus argumentos foram porém contrariados de um modo que julgo verdadeiramente improcedente. Eu tinha dito, que toda a associação, que toda a corporação, que toda a congregação em que por morte de algum ou

alguns dos associados, os bens não são liquidados e divididos, isto é, toda a pessoa moral ou juridica, como outros lhe chamam, que não tem direitos preexistentes, não vivia legalmente senão com as condições que as leis lhe marcavam ; mas o instituto das irmãs da caridade tinha preterido estas condições, logo a sua existência legal havia terminado.

Disse-se: «Mas o alvará de 1819 creou esta instituição, e é d'ahi que deriva a sua existência legal». Concordo. Porém houve depois o decreto de 1833, que acabou com todos os prelados maiores das ordens e communidades religiosas, impondo a estas a obrigação de se sujeitarem aos prelados diocesanos, e esta disposição é que as irmãs da caridade violaram, faltando ao cumprimento da obrigação sem o qual não podiam continuar a existir.

Quando me dirigi ao digno par que levantou esta questão dizendo-lhe que s. ex.a só reconhecia força no primeiro decreto, não quiz dirigir-lhe uma offensa; e entenda-se por uma vez que eu não levantarei n'este recinto nunca uma insinuação malévola, não farei allusões a pessoa alguma, com animo de injuriar. Quando seja forçado a fazer uma provocação, sei qual o logar e o modo.

Disse eu, sr. presidente, que o decreto de 1819 tinha tido tanta força como o de 1833, e que a differença era que o segundo se contivesse disposições contrarias eram ellas revogatórias das do primeiro, por ser posterior. O primeiro decreto permittiu, porque só por uma permissão especial é que pode existir uma congregação entre nós e em toda a parte, porque aonde ha a mais perfeita liberdade as associações que assumam um caracter de entidade e capacidade juridica não podem existir senão em virtude da lei, e portanto é necessário que a lei as permitta e institua... (O sr. Conde ãa Taipa:—A palavra sobre a ordem.) O digno par pede a palavra sobre a ordem, parece talvez querer-me advertir de que eu estou fora da ordem; mas permitta-me s. ex.a que lhe diga —que s. ex.a estava hontem mais fora da ordem do que eu o estou hoje.

Dizia eu —que nenhuma associação, não fallo nas associações mercantis o industriaes, e estas mesmas, tomando o caracter de companhias, já precisam mais alguma cousa para a sua existência; fallo de associações cujos bens ficam sempre pertencendo a esse ente moral em forma permanente, essas associações ás quaes só a lei por uma ficção concede a capacidade juridica; não podem existir senão em conformidade com as condições impostas pela mesma lei. Ora, o decreto de 1819 permittiu esta instituição chamada de irmãs de caridade; o decreto dc 1833 disse —se vós quereis continuar a existência como congregação haveis de prestar obediência ao prelado diocesano, porque não podeis ter um prelado superior vosso — e advirta-se que a congregação da missão era uma instituição portugueza. Porventura sujeitou-se o instituto ao que por este decreto lhe foi prescripto? É a sua própria confissão que responde—não. Então as irmãs da caridade transgrediram este preceito legal, não podendo existir senão em virtude d'elle, e quer-se hoje que o ministério, declarando que ellas deixaram legalmente de existir, estivesse fora da sua missão; invadisse attribuições do poder legislativo! Não é assim, e se merece alguma censura seria por o não ter feito mais cedo.

A este respeito tenho dito quanto é bastante para mostrar, na minha opinião, que o ministério cumpriu o seu dever, porque elle é o executor das leis no governo constitucional.

Não é n'esta occasião que deveriamos discutir se as disposições da lei são convenientes ou não ; o governo 6 arguido por ter declarado, na conformidade das leis, que uma certa associação não podia existir legalmente, e se se provar que o governo cumpriu a lei temos satisfeito ao ponto da questão. Entretanto appella-se para o sentimentalismo, para a moralidade do disposto na lei, e para a religião; pois então não haveria religião n'este paiz quando aqui não existia o instituto das irmãs da caridade? (Uma voz: — Não se disse isso.) Se ninguém o disse, pergunto-o eu? Catholicos somos nós todos, nós prestámos, ao tomar assento n'esta camará, um juramento de defender a religião catholica.

Então para que vem este argumento? Não sei. Quer-se por força fazer acreditar que é de necessidade, para conservarmos a pureza da nossa religião e os sentimentos catholicos, que haja irmãs da caridade. Não pôde ser; era preciso renegar todo o nosso passado religioso (apoiaãos), era

necessário renegar esse tempo em que a religião foi não menos acatada e pura do que é hoje: esse tempo em que não haviam irmãs da caridade entre nós.

Póde-se argumentar e trazer para a discussão, a conveniência de tal instituição; póde-se dizer que (e voltaremos a esta questão) essa instituição é util porque ajuda a firmar os sentimentos religiosos, mas o que de modo algum se pôde dizer, é que não é catholico quem não quer o instituto de irmãs da caridade, e muito menos quem o não quer com uma organisação estrangeira. Isto não se pôde sustentar: appello para os sentimentos do meu nobre amigo o digno par, que fallou em nome da religião.

O sr. Aguiar: — Peço a palavra.

Disse-se ainda mais, e eu o ouvi com pasmo...

Peãiram a palavra os srs. Marquez ãe Vallaãa, Conãe ãe Thomar e ministro ãa fazenãa.

Que em outro tempo se queimava quem não ouvia missa: agora jião sei se se quer queimar ou seja queima...

O sr. Conãe ãa Taipa: — Quer, quer.

O sr. Conde ãe Thomar: —E talvez mais util fallar o sr. ministro depois de um orador da opposição; não é util que ao mesmo tempo fallem sobre o mesmo accordo.

O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Peço a palavra depois do sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro ãa Fazenda (Antonio José dAvila): — Fal-larei quando for conveniente.

O sr. Conde ãe Thomar: — Peço a palavra depois do sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro ãa Fazenãa: — Peço a palavra depois do sr. conde de Thomar.

O sr. Visconãe de Balsemão: — Sr. presidente, v. ex.a dá-me a palavra?

O sr. Presiãente: — Permitta-me v. ex.a que eu primeiro faça a inscripção necessária, sobre os nomes dos dignos pares que tem a palavra:— os srs. Marquez de Ficalho, Aguiar, conde de Thomar...

O sr. Conãe ãe Thomar: — Se v. ex.a me permitte, direi, que os dignos pares que tem a palavra, dirão o que pouco mais ou menos eu diria se fallasse; portanto, peço a v. ex.a me dê a palavra depois do sr. ministro.

O sr. Ministro ãa Fazenãa:—Peço a palavra depois do sr. conde de Thomar.

O sr. Marquez ãe Vallaãa: — Peço-a agora depois do sr. ministro da fazenda.

O sr. Visconãe ãe Balsemão: — Eu pedi a palavra, para quando se tratasse das irmãs da caridade e da questão politica— se o ministério exorbitou as suas attribuições.

O sr. Presidente: — Pôde continuar o sr. Soure.

O sr. Vellez Caldeira: — Peço também a palavra.

O sr. Soure (continuanão): — Eu não sei se estou fora da' ordem...

Vozes: — Não está; está na ordem.

Eu hontem fui limitadíssimo, porque quiz restringir-me á questão; vi porém que se faziam divagações, por este terreno em que me acho, e ao qual eu tinha a maior repugnância em vir; não fui eu de certo que chamei a questão para elle, mas sim os dignos pares que me precederam. Entretanto se v. ex.a e a camará entenderem que este não é o ponto a tratar, estou prompto a calar-me.

Vozes: — Está na.ordem.

Eu ouvi hontem e ouvi com bastante pasmo «que a inquisição, em outro tempo suppliciava, porque se não ouvia missa; agora, quer-se suppliciar... quem ouve missa». (O sr. Conde ãa Taipa:—Apoiado). Pois eu sou dos que ouvem missa, cumpro sempre este preceito da igreja, e ainda não tive medo que me suppliciassem, nem por este motivo fui insultado nem me consta de se ter dirigido a ninguém. E levar a exageração ao seu extremo. Este argumento não prova nada; não ó exacto, e eu protesto contra elle. Eu não vejo a irreligião, eu não vejo a desmoralisação maior, hoje, do que era em outro tempo; antes observo que o respeito á religião é agora o mesmo, ou mais ainda, do que n'esses tempos que nos inculcam (apoiaãos).

Emquanto me não mostrarem estatísticas d'este paiz, que façam fé comparadas com as de outros estados, hei de também sustentar sempre que este paiz está tão morigerado, como estão os mais civilisados do continente da Europa.

Mas para que vem estes argumentos? Para que nos alcunham de bárbaros, para que nos taxam de irreligiosos, para que nos lançam em rosto uma desmoralisação que não temos? Ou isto é uma arma politica, ou uma questão de mero capricho. Pois como se pôde avançar a proposição de que a religião acaba se não tivermos irmãs da caridade! Se n^o tivermos congregações religiosas!

O que eu vi em certa epocha, sr. presidente, foi alcunhar de Ímpios todos os liberaes; mas o que não pôde deixar de dizer-se é que esses liberaes aceusados de impiedade, quando tomaram as rédeas do governo, trouxeram uma epocha de mais fervor pelo culto divino, de mais respeito pela religião do que havia d'antes.

Se o argumento do digno par tivesse algum fundo de exactidão provaria apenas que o fanatismo e a impiedade se distanceiam igualmente da verdadeira religião; sendo ambos deploráveis.

Tomei notas sobre outros pontos, mas reservo-me para quando se tratar se deve ou não haver irmãs da caridade.

Mas, sr. presidente, quem é que não quer irmãs da caridade? Ainda não ouvi sustentar a negativa, estive n'uma commissão com differentes cavalheiros, alguns dos quaes fazem parte d'esta camará, onde se discutiu largamente este objecto, e não houve um só vogal que não sustentasse, que julgava conveniente o instituto das irmãs da caridade; e ac-cordou-se unanimente em que poderiam fazer bons serviços á religião e ao estado, debaixo de certa ordem e de certa organisação.

A discordância versava meramente sobre a sujeição ao