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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 28 DE ABRIL DE 1859.
PRESIDENCIA DO EX.MO SR. VISCONDE DE LABORIM,
VICE-PRESIDENTE.
Conde de Mello, Secretarios, os Srs. Pedro Brito do Rio
(Estavam presentes os Srs. Presidente do Conselho, e Ministro da Marinha.)
As tres horas da tarde, achando-se presente numero legal, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente, que foi approvada; e deu-se conta da seguinte correspondencia:
Um officio da Camara dos Srs. Deputados, enviando uma proposição sobre não poderem subrogar-se Inscripções ou outros Titulos de divida publica vinculados, por bens de raiz que não sejam vinculados.
À commissão de legislação.
— da mesma Camara, remettendo uma proposição auctorisando o Governo a despender até á quantia de quarenta contas de réis com o transporte e estabelecimento de colonos europeos no sitio da Zambezia.
Ás commissões do ultramar e fazenda.
— da mesma Camara enviando uma proposição em que é auctorisado o Governo a realisar um emprestimo até trezentos contos de réis para a construcção de uma casa d'Alfandega na cidade do Porto, bem como a emittir até setecentos e cincoenta contos de réis em titulos de divida fundada para servirem de garantia ao mesmo emprestimo.
À commissão de fazenda.
— da mesma Camara, remettendo uma proposição sobre ser permittida a venda de diamantes em bruto pertencentes á Corôa em valor correspondente ao custo de mil contos de réis em titulos de divida interna consolidada, podendo El-Rei dispor dos seus juros.
A commissão de fazenda.
— da mesma Camara enviando uma proposição sobre a melhor administração e redacção do jornal official do Governo.
A commissão de fazenda.
— da mesma Camara remettendo uma proposição sobre a fixação da forca de mar para o anno de 1859 a 1860.
A commissão de marinha
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— da mesma Camara remettendo uma proposição em que é auctorisado o Governo a contractar com o Banco de Portugal o pagamento em Inscripções de 3 por cento das antigas notas do Banco de Lisboa, que ainda restam em circulação; bem como a emittir 1:500 contos de réis em ditas Inscripções para servirem de garantia ao emprestimo de 600 contos approvado por Decreto de 21 de Fevereiro de 1859.
A commissão de fazenda.
— do Ministerio do Reino participando que no 29 do corrente, haverá recepção em grande gala no Paço das Necessidades, pelo anniversario da outorga da Carta Constitucional.
À secretaria.
— do Barão de Massarellos enviando uma porção de exemplares de um pequeno opusculo sobre a crise commercial do Porto a fim de serem distribuidos pelos Dignos Pares.
Mandaram-se distribuir.
O Sr. Presidente — Tem a palavra o Sr. Visconde de Castellões.
O Sr. Visconde de Castellões — Pedia palavra a V. Ex.ª, em primeiro logar, para me desculpar perante a Camara de não ter comparecido ás sessões por motivo de doença, e em segundo logar, pedi-a para dar á Camara algumas explicações que me são pessoaes, e preciso dal-as na presença do Sr. Ministro da Fazenda, por isso peço a V. Ex.ª que me reserve a palavra para quando S. Ex.ª estiver presente.
O Sr. Ferrão — O anno passado, em sessão de 11 de Agosto, fiz nesta Casa um requerimento para a impressão no Diario do Governo do meu Código Regulamentar do Credito Predial, que tive a honra de offerecer com um projecto de Lei de auctorisação ao Governo. A Camara resolveu este requerimento affirmativamente, como deve constar da respectiva acta; e como se vê mesmo no Diario do Governo que publicou os trabalhos tíessa sessão; mas esta resolução da Camara não foi cumprida; peço por tanto a V. Ex.ª que se digne dar as suas ordens para que se torne effectiva a mesma resolução.
O Sr. Presidente — Respondo ao Digno Par o Sr. Ferrão, que a Mesa dará as ordens necessarias para se fazer a impressão que reclama, na conformidade da deliberação da Camara.
O Sr. Conde de Linhares — Pedi a palavra para aproveitar a presença do Sr. Ministro da Marinha, a fim de lhe dirigir uma pergunta.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, estará lembrado, que por occasião do Sr. Visconde de Sá apresentar nesta Camara um pedido, para ser auctorisado a reformar as Repartições do Ministerio da Marinha, eu pedi a palavra, e perguntei a S. Ex.ª se tinha grande difficuldade em apresentar na commissão de marinha desta Camara, as bases da projectada reforma, por isso que eu entendia, que sem essas bases determinadas, e que eu desejava fossem apresentadas na commissão de marinha, não seria de modo algum possivel a S. Ex.ª levar por diante essa sua empreza da reforma das Repartições do Ministerio da Marinha. O Sr. Visconde de Sá respondeu por essa occasião que não podia prescindir da auctorisação, por isso que já lhe havia sido concedida por esta Camara, e que lhe parecia desairoso, tendo já obtido uma auctorisação sem restricção alguma, obtel-a de novo com alguma restricção. Ora, como me consta que S. Ex.ª o actual Ministro da Marinha tenciona renovar esta iniciativa, e vai para isso pedir a necessaria auctorisação, eu desejo fazer a S. Ex.ª igual pergunta, isto é, se haverá agora alguma difficuldade era serem apresentadas na commissão de de marinha desta Camara as bases da reforma? Eu entendo, que sem algumas bases determinadas, S. Ex.ª se ha de encontrar embaraçado para levar a effeito a reforma projectada; assim o entendi quando era Ministro da Marinha o Sr. Visconde de Sá, e parece-me que a experiencia mostrou que eu tinha razão, porque tendo sido concedida a auctorisação tal qual era pedida pelo nobre Ministro, elle não póde usar della, como de facto não usou, e estou persuadido que não usou porque não tinha preparados todos os trabalhos necessarios. Eu quando recusei dar essa auctorisação ao nobre Visconde de Sá não foi porque duvidasse da sua boa vontade nem do seu merecimento, do seu talento nem do seu zêlo, por conseguinte não me será possivel agora, em similhantes circumstancias, concedel-a ao actual Ministro, se ella vier como veiu a outra: e declaro, que se a auctorisação pedida fôr similhante áquella concedida ao Sr. Visconde de Sá hei de votar contra. Porém julguei que tomando a palavra com antecipação poderia ser evitado o inconveniente se o Sr. Ministro da Marinha mandasse para a commissão de marinha desta casa as bases da reforma, a fim de serem alli examinadas.
É pois este, Sr. Presidente, o pedido ou pergunta, que eu desejava dirigir ao nobre Ministro da Marinha.
O Sr. Ministro da Marinha respondendo á pergunta que o Digno Par acabava de lhe dirigir, diz que o Governo actual reconhece a necessidade da reforma das Repartições superiores do Ministerio da Marinha, porém ainda não assentou nas bases sobre que deve recaír essa reforma, não porque não hajam já trabalhos importantes feitos pelo seu illustre antecessor, mas precisa serem mais bem pensados, e talvez alterados em algumas cousas.
Declara mais, que o seu systema de organisar é seguindo a idéa de procurar o mais simples e o mais economico, todas as vezes que desse modo se possa conseguir o mesmo fim, sem transtorno do serviço publico nem inconveniente algum.
Affirma de novo, que effectivamente ha trabalhos feitos, e está certo de que se o Sr. Visconde de Sá permanecesse no Ministerio havia de realizar a reforma, porque os trabalhos para esse fim estavam muito adiantados. Havendo pois o Governo de considerar este objecto, que é muito importante; logo que tenha assentado sobre as bases ou os principios da reforma, não terá duvida em os manifestar á commissão de marinha.
(Entrou o Sr. Ministro da Fazenda).
O Sr. Presidente — A requerimento do Sr. Presidente do Conselho de Ministros vai a Camara constituir-se em sessão secreta por bem do Estado.
Tornando-se depois a abrir a sessão publica, teve a palavra o Digno Par
O Sr. Marquez de Vallada, que expôz ter n'uma das sessões passadas pedido ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que então se achava presente, communicasse ao seu collega da Justiça, que elle orador desejava chamar a attenção de S. Ex.ª para que empregasse toda a sua solicitude em dar seguimento ao grande e importante negocio da reforma das nossas prisões, e o Sr. Ministro das Obras Publicas prestou-se a satisfazer tal pedido, accrescentando, que o seu collega se occupava de negocio tão importante. Entrando nessa occasião o Sr. Ministro da Justiça lhe asseverou particularmente, que tem feito estudos sobre este (importante ramo da administração publica, e que brevemente satisfaria aos desejos delle orador: Portanto limita-se a dizer a tal respeito, que está certo em que S. Ex.ª, tendo feito esta promessa, não ha de faltar a ella.
Declara que tem de dirigir uma interpellação aos nobres Ministros presentes, e em poucas palavras passa a expol-a.
Na cadèa de Santarem recebeu-se uma ordem do Juiz de direito, Negrão, que alli está, para que não fosse admittido naquella cadêa nenhum ecclesiastico a fazer praticas aos presos. Ha um documento com que elle orador prova o que acaba de dizer, e fez leitura delle; proseguindo depois nas considerações de que o Governador civil de Santarem prohibiu aos seus presos que ouvissem as praticas de um ecclesiastico dedicado, que faz parte do corpo cathedratico do Seminário, e que se dirigia alli para os ensinar!
Em parte nenhuma se viu um caso assim! Onde ha prisões, se as querem reformar, a base dessa reforma é sempre o principio religioso; e elle orador não sabe como se poderão reformar as prisões, quando a religião for dellas banida.
Já disse nesta Camara, quando se tractava da resposta ao discurso do Throno, que em todos os paizes (e mostrou qual a legislação delles) onde se tracta de reformar as prisões, a base dessa reforma era o principio religioso (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Apoiado); dissera tambem que eram desta mesma opinião muitos homens illustres, entre elles Sir Robert Peei, cujas expressões adduziu.
Quando a reforma das prisões não tiver por base a religião e a moral não se consegue cousa alguma. A reforma baseada no materialismo é impossivel. Elle orador não admitte as idéas exageradas do seculo, nem ellas já são moda, e deixaram de o ser com os encyclopedistas (apoiados).
Tencionara dizer estas palavras na presença do seu particular amigo o Sr. Ministro da Justiça; entretanto como se acham presentes alguns dos seus collegas, que são pessoas igualmente muito competentes para attenderem a esta interpellação, pede-lhes que hajam de transmittir estas reflexões ao Sr. Ministro da Justiça. Espera que SS. Ex.ª, pois são homens de actividade, e desejam occupar-se seriamente das verdadeiras reformas, hão de dar as providencias necessarias para que similhante ordem, do Juiz de direito, Negrão, se não execute, pois bastaria admittir um tal principio para lançar grande desfavor sobre SS. Ex.ª.
Por esta occasião dirá de passagem alguma cousa sobre o estado em que se acha a villa de Santarem. Ahi domina uma sociedade secreta, chamada a Casa Negra, e isto que acaba de expor não é romance, nem ficção, porque elle orador costuma, quando avança qualquer proposição, estar prompto a proval-a, e se for necessario o comprovará.
Em Santarem está-se fazendo uma grande guerra a todos aquelles que cumprem as ordens do Em.mo Prelado. Essa sociedade, a que se chama Caía Negra, é composta de malfeitores e moedeiros falsos, e o Governo póde muito bem informar-se disto, e talvez que algumas auctoridades | já tenham communicado cousas em relação com o que vinha de dizer. Infelizmente essa sociedade foi installada ha certo tempo por um homem que é chefe della, e que ja foi neste paiz accusado de ladrão, havendo mesmo um processo. Repete que quando elle orador diz uma cousa, sustenta-a porque tem as provas, e não tem medo de expor a verdade, sendo até preciso, perseguir e fulminar essa cáfila de malfeitores de gravata lavada, que passeiam impunemente, em quanto que só alguns desgraçados jazem nas cadêas; porque se olha que alguns delles tem um titulo, ou uma carta de conselho ou algum emprego importante, alcançando tudo por meios illicitos, e então consente-se que vão fazendo moeda falsa e escrevendo artigos infamantes, não se julgando uma deshonra condecoral-os como elle orador sabe de alguns!
É preciso que de uma vez para todo o sempre se inaugure essa era de moralidade, de que tanto se falla, eque ainda não começou. Inquirirá pois o Governo, e está certo que o Sr. Ministro do Reino, cuja intelligencia, sentimentos e bom animo, todos reconhecem, ha de obrar neste ponto com toda a força de vontade de que é dotado, para que se persigam esses malfeitores, e póde contar que ha de receber o apoio de todos os homens de bem. S. Ex.ª tem a força precisa para desprezar qualquer influencia que lhe queira ser imposta por certos caracteres, que não podem ser tomados em conta na boa sociedade.
Está certo elle orador que o Governo composto de homens moços na sua maior parte, e de alguns velhos, mas honrados, em todos os quaes tem a maior confiança, tratará de apresentar uma medida neste sentido, e não a abandonará, e elle orador terá muito prazer em dar a SS. Ex.ª o seu apoio, que é, e será sempre desinteressado.
O Sr. Ministro da Fazenda pede a palavra apenas para asseverar ao Digno Par, que sem difficuldade alguma, e com todo o interesse e consideração pelas observações que S. Ex.ª acabava de expender, fará sciente ao seu collega o Sr. Ministro da Justiça, do facto que tambem elle orador considera estranhavel," porque não póde deixar de concordar com as doutrinas que S. Ex.ª acaba de apresentar, visto que entende não ser possivel separar a religião, que é a base da felicidade moral, da reforma das cadêas, porque é alli aonde ella se torna mais precisa. Seria incompleto, imperfeito e contrario ás idéas do seculo em que viremos, fazer-se uma reforma nas cadêas, separando-se della uma parte tão importante como é a reforma moral do criminoso.
Quanto aos outros pontos que S. Ex.ª tocou, certifica ao Digno Par que não está nas idéas do Governo, que nenhuma' sociedade secreta domine contra o que mandam as Leis do paiz, porque só a Lei é que dominará; e não póde haver individuos ou sociedades mais ou menos altamente collocadas, que demovam o Governo do proposito em que está de fazer cumprir a Lei.
Que S. Ex.ª se referiu tambem a certos factos que infelizmente se deploram, e que são até certo ponto corrosivos, e que é para sentir que os seus auctores não tenham sido descobertos; mas o Governo tem já demonstrado quanto toma a peito este negocio, porque já apresentou na outra Camara um projecto, cujo parecer tambem já foi elaborado pela commissão competente, em que se procura dar mais força á auctoridade, a fim de que se possa fazer justiça na punição de um crime, que repugna á moral, e que é um desdouro para o paiz que continue pela mesma fórma porque tem continuado até aqui, o que é de esperar não succeda, porque factos desta ordem são e devem ser uma excepção, e o paiz não póde carregar com esta responsabilidade. Torna-se pois urgente punir os criminosos, empenhando para isso todas as forças da administração da justiça.
O Sr. Marquez de Vallada dá-se por completamente satisfeito com a resposta do illustre Ministro da Fazenda, e parece-lhe que é esta a primeira vez que isto lhe acontece. A resposta de S. Ex.ª foi eloquente, cheia de verdade e de boa politica, e demonstrou-se claramente que não foi inspirada só por S. Ex.ª, mas que foi inspirada tambem pela sua boa educação.
S. Ex.ª fallou em termos muito claros e cathegoricos, e ao mesmo tempo dentro dos limites da conveniencia, como não podia deixar de fazer; por consequencia, não tem elle orador senão agradecer a resposta do illustre Ministro, e a felicitar-se conjunctamente com a Camara, por ser de esperar que S. Ex.ª, pelo correr do tempo, faça o que prometteu.
O Sr. Conde de Thomar pelo que respeita aos sentimentos religiosos expostos pelo Digno Par, o Sr. Marquez de Vallada, e que foram correspondidos pelo Sr. Ministro da Fazenda, deve declarar que está perfeitamente de accordo, e decidido a acompanhar sempre SS. Ex.ª nesses mesmos sentimentos; e com effeito, quem haverá nesta Camara que não nutra iguaes sentimentos? (Apoiados.) É claro que sendo todos os Dignos Pares catholicos apostolicos romanos, não podem deixar de se conformar com todos os preceitos, e com todos os dictames da nossa Religião, e com todas as praticas que se acham estabelecidas para que esses preceitos possam ter força no coração dos mesmos catholicos.
Mas, quando se tracta de negocio tão especial como é o das cadêas, cumpre observar se no caso exposto pelo seu nobre amigo o Sr. Marquez de Vallada, é ou não de todo fundamentada uma tal accusação ao Juiz de direito de quem se falla. Se elle orador não tivesse prestado a maior attenção ao documento que o Digno Par leu, e se S. Ex.ª se tivesse limitado unicamente ás ponderações que fez, sentir-se-ia elle orador desde logo animado a censurar com toda a força o procedimento daquella auctoridade, que assim prohibia as praticas religiosas aos presos encarcerados nas cadêas de Santarem; mas a questão, segundo lhe parece, diversifica um pouco, porque entende que a disposição da auctoridade, segundo se vê do proprio documento lido pelo Digno Par, não é — a de prohibir as praticas religiosas aos presos — é sim — a de prohibir que se façam em certos sítios da cadêa, ou por outra — é estabelecer o unico logar em que taes praticas se possam fazer. Neste caso não póde achar-se habilitado para desde já censurar o procedimento da auctoridade, que ainda não foi ouvida sobre as razões que teve para dar a este respeito as ordens que deu. O que é tambem verdade é, que essa auctoridade, a quem compete jurisdicção sobre criminosos até de primeira ordem, não póde deixar de se julgar auctorisada a tomar todas as medidas ou providencias, que prudentemente se julguem necessarias para segurança dos presos, a fim de que de maneira nenhuma se possam evadir da prisão, e por consequencia á acção da justiça.
Elle orador vê neste documento que o Digno Par leu, ser composto de duas partes. Na primeira diz-se: — «Fica de hoje em diante prohibida a entrada nas prisões da cadêa a todo e qualquer ecclesiastico com o fim de dirigir praticas aos presos.» Se pois se limitasse unicamente a essa disposição a determinação do Juiz de direito, diria ser muito censuravel que se desse similhante ordem, e que tal se não podia admittir, pelo que devia desde logo ser revogada, pois de certo a fórma generica de tal determinação seria insustentavel e difficil de justificar por mais prevenções que fosse necessario ter. Veja-se porém, como conclue a determinação de que se falla. — «Se qualquer auctoridade que tiver algum preso á sua ordem na cadêa, quizer que algum ecclesiastico lhe dirija qualquer pratica, poderão ser feitas essas praticas em casa separada que a mesma auctoridade, etc...» Vê pois o orador que a prohibição é de que se façam taes praticas sem ser pelo modo que fica regulado, isto é, em casa especialmente destinada para esse fim. Ora pergunta: — qual será mais conveniente, mais prudente, e mais seguro; que as cadêas se abram promptamente em qualquer dia, e a qualquer hora, quando se apresente um ecclesiastico dizendo que quer ir fazer praticas aos presos, ou que em certos dias, a certas horas, e em certo logar, em certa casa exclusivamente se possam fazer praticas aos presos? Julga que ninguem deixará de convir que, não se dando inconveniente no segundo caso, e antes vantagens, no primeiro caso póde haver muitos inconvenientes, como, transtorno da policia das cadêas, e até algumas vezes gravissimo prejuizo, porque desse modo se possa dar o caso de evasão de algum preso de primeira ordem!
Nas cadêas de França, Inglaterra e Allemanha não ha similhante disposição, mas agora que se tracta de estabelecer estas praticas religiosas que o Sr. Marquez de Vallada quer, que elle orador quer bem como todos os Dignos Pares, é força convir ser necessario que isto se faça de modo que não perigue a policia das cadêas. Por esta fórma e que fica em completo e perfeito accôrdo com as reflexões feitas pelo Digno Par, e depois segundadas pelo Sr. Ministro da Fazenda. Assim ninguem póde deixar de se conformar com tão boas idéas; mas veja-se bem que, pelo menos neste momento, não podem os Dignos Pares julgar-se ainda habilitados para censurar e condemnar e procedimento da auctoridade sem que primeiro se colham as necessarias informações, e se apresente a justificação competente.
Em conclusão entenda-se bem, que elle orador o que deseja significar vem a ser — que uma auctoridade que prohibisse absolutamente o poderem-se fazer praticas religiosas aos presos, praticaria um acto muito censuravel, digno de ser condemnado, e até de ser punido convenientemente; mas quando vê que essa auctoridade o que tão sómente pertende é que isso se faça debaixo de certos regulamentos, estabelecidos para a boa policia das cadêas e para estabelecer todas as seguranças necessarias, a fim de que os presos não possam de modo algum fugir da prisão, neste caso não sente que censurar.
Conseguinte está de perfeito accôrdo, e acompanha ao Digno Par o Sr. Marquez de Vallada e ao Sr. Ministro da Fazenda nos sentimentos religiosos, que tão louvavelmente acaba de patentear; mas no caso sujeito, recommenda ao Governo que se procurem as necessarias informações; e que só depois dellas se proceda então como mais conveniente fôr em vista dos bons principios tanto religiosos, como governamentaes, na certeza de que o admittirem-se as praticas religiosas aos presos é uma cousa muito justa, e se conforma com os sentimentos geraes desta Camara (apoiados).
O Sr. Marquez de Vallada é de parecer que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar não attendeu bem á lettra do alludido documento. Que se prohibem as praticas religiosas aos presos não ha duvida, agora a excepção é que o orador não acha que valha tanto como o pareceu ao Digno Par, porque os presos de que nesse caso se falla são mui poucos, e ainda assim para esses ouvirem taes praticas é necessario que a auctoridade administrativa o queira, ou se lembre disso.
(Entrou o Sr. Ministro da Justiça.)
Estima muito que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar manifeste sentimentos que estão tanto de accôrdo com os delle orador e com os que expoz nobremente o Sr. Ministro da Fazenda. S. Ex.ª disse que concordava, mas que era necessario que se tivesse muito em vista a policia das cadêas. Nisto não póde tambem deixar de acompanhar a S. Ex.ª em vista do bom senso e da razão, mas dirá a S. Ex.ª que tambem ha estudado alguma cousa do que se passa nos outros paizes, e recebido as obras mais modernas sobre cadêas publicadas lá fóra, como sabe mui bem o nobre Ministro das Justiças a quem sempre ha dado parte dos seus estudos sobre prisões. Ainda faa pouco tempo recebeu um livro que contém a narração das missões feitas nas prisões de Toulon e Brest; e por ahi se vê qual foi o resultado destas praticas religiosas na moralidade dos presos; e qual o concurso que prestavam as auctoridades francezas. O unico paiz onde não ha o que os francezes chamam aumonier desprisons é o nosso. Foi este anno o primeiro em que se dirigiu aqui uma pratica aos presos por occasião da communhão, mas não vê realmente razão para que nos amedronte aquillo que não amedronta os povos que estão mais adiantados do que nós em civilisação. Está persuadido de que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar, que tem tão bom senso, e uma razão tão esclarecida, é o primeiro a convir, que com as mesmas cautelas e providencias, ou prevenções com que entra nas cadêas o carcereiro, e outras pessoas seculares, póde entrar o ecclesiastico, sem que d'ahi resulte perigo algum: adoptem-se quantas providencias se queira e se julguem necessarias, mas não haja impedimento formal para que n'uma prisão entre qualquer ecclesiastico que alli se apresente movido pelo amor da caridade e pelo zêlo da religião, a bem dos presos e da sociedade; sejam elles acompanhados devidamente; previna-se e evite-se qualquer abuso que por ventura se possa dar, mas não se tolha o bem que póde vir de similhantes praticas.
Não sabe se o Digno Par o Sr. Conde de Thomar está ao facto da guerra que se faz a S. Em.ª, talvez não tenha lido as accusações que em alguns jornaes se dirigem ao nosso Em."10 Prelado pela administração do Seminário de Santarem: entretanto julga que a auctoridade ecclesiastica dos Bispos ainda felizmente não está tão decaída que lhes não pertença já o entenderem elles destas materias.
Faz-se uma grande guerra a tudo quanto e bom. Essa guerra vem de homens que Icem cursado publicamente principios atheistas. Isto são cousas publicas, e não faz accusações a ninguem.
O Digno Par o Sr. Conde de Thomar conhece a lealdade do caracter delle orador. Dirá pois sómente que um professor do Seminário foi mudado da cadeira de philosophia para a de geometria, porque se julgou não ser prudente alli conserval-o, pois e que esse professor traduziu um
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livro impio que por ahi corre, de Aimé Martin. — Os que pertendem hoje dominar na villa de Santarem fazem parte dessa loja maçónica, que é uma especie de sociedade secreta, a que chamam casa preta, a que o orador já alludira. Todos os que o conhecem sabem que não costuma avançar proposico es desta ordem quando não tem as provas, e apresente-se algum defensor dessa casa preta, que lhe ha de custar cará a defeza, porque não de apparecer documentos que estão em repartições publicas desta capital, pelos quaes se conhecem aquelles que protegem essa caphila, que os protegem por communidade de desejos de intenções a de fins. Está persuadido o orador ser já bem sabido, que não costuma recuar diante do seu dever, que não prefere nunca os interesses pessoaes a outros que julga mais altos, o os quaes reputa interesses geraes. Começou-se a guerra do mal contra o bem, é necessario que se levante esta luva, e que ajudem todos o nobre Ministro das Justiças, a quem já fazem crua guerra.
Elle orador conhece o Sr. Ministro da Justiça desde que se conhecera si proprio, e entre ambos ha relações de familia, e entretanto, não frequenta a sua casa desde que S. Ex.ª Ministro. Pôde e deve asseverar que S. Ex.ª não subiu ao Governo pelos degraos das sociedades secretas; subiu sim, e tão somente em virtude do seu reconhecido merecimento. Por isto é que se lhe faz muita guerra principalmente desde que mostrou que queria, perseguir os moedeiros falsos. A S. Ex.ª dirige pois os devidos, parabens de o terem abandonado certos homens que nunca podiam ser seus sinceros amigos. Ha certos louvores que importam vituperios, assim como ha certos vituperios que: importam louvor e o maior elogio. ', 1 "
O Sr. Conde da Taipa expoz que não fazia tenção de fallar nesta questão. Sabe todo este negocio como é, e sabe o que se tem passado desde muito tempo para cá. Vive ao pé de Santarem, e em Santarem a metade do tempo, e por isso sabe tudo, estando assim habilitado para entrar nesta discussão. Dirá, pois, que o que' ahi acontece é uma consequencia dessa propaganda de libertinagem, que se' tem estabelecido em Portugal debaixo do nome de liberalismo. Ora, em Santarem ha uma como sociedade pequena e insignificante, chamada a Casa-negra, que não domina sobre ninguem, como erradamente disse o Digno Par o Sr. Marquez de Vallada.
Cumpre-lhe declarar á Camara, que não sabia que S. Ex.ª tivesse conhecimento dos factos que referiu; e que se os tem não foi por via delle orador, porque nem uma palavra só disse ao Digno Par que com isto tivesse relação. A existencia dos factos, porém, é verdadeira, e por mais que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar trabalhe, e queira paliar o negocio, nada poderá conseguir, porque a questão é tal qual se apresentou. Do documento que foi lido se vê, e o Digno Par o Sr. Conde de Thomar muito bem o sabe; que nas cadêas ha presos em julgamento á ordem do Juiz de direito, e que tambem ha presos de policia á ordem do Governador civil; ora a questão da prohibido tem relação com, circumstancia de haver em Santarem um padre inglez, que é uma excellente pessoa, o qual pedia esmolas, que ia levar aos presos, e fazia-lhes exhortações religiosas. É isto o que prohibiu o Juiz de direito, e a circumstancia de querer elle que ellas se façam em casa separada, imporia O não querer elle que o padre inglez vá fazer, essas prédicas religiosas aos seus presos. Repete quê esta é que é a questão que faz parte, da propaganda chamada liberdade: mas elle orador declara que não conhece liberdade sem religião. Em Inglaterra, nos Estados-Unidos, e n'outros juizes nos quaes não é possivel gosar-se de maior liberdade do que nelles ha, fazem-se praticas religiosas aos presos. Foi trazido a esta discussão, em vista da observação que ouviu fazer ao Digno Par o Sr. Conde de Thomar, o que o forçou a explicar o facto tal qual é, e que igualmente é claro até pelo proprio documento que leu o Digno Par o Sr. Marquez de Vallada. Tem o orador muita pena em que fosse S. Ex.ª quem trouxesse aqui esta questão, porque se poderá suppôr que o mesmo orador interviera nisso; mas francamente declara que se se fizer esse juizo, não é verdadeiro, porque nem uma só palavra disse ao Digno Par a tal respeito, nem S. Ex.ª. precisa que lhe diga as cousas, porque quem, como elle, está com as mãos na massa, e em opposição, tem sempre quem lhe noticie os factos," e lhe leve a casa as provas. Convém tambem que a Camara saiba que houve tempo em que a gente dessa associação denominada Casa-negra, governou Santarem, e então as cousas iam ás mil maravilhas para elles; mas quando os não deixam governar fazem isto. É justo que nesta occasião o orador defenda um homem que tem sido calumniado perante a opinião publicai, com relação a essa tal Casa-negra. Falla do Governador civil de Santarém'. Este funccionario tem sido muito calumniado, e nunca poderam provar-lhe nada disso que lhe assacam: succede até que um dos seus antagonistas, e que escreve essas diatribes que se teem no Braz Tisana e no Português, disse n'uma casa aonde o orador tambem concorre, que tinha escripto para as varias terras em que exercêral logares o actual Governador civil de Santarem, com o intuito e desejo de ver se lhe descobria algum acto censuravel ou illegal por elle praticado, e nada tinha podido descobrir. E observando-lhe uma senhora, que, em presença disso, não sabia qual o motivo por que elle continuava a escrever contra aquelle Governador civil, respondeu o seguinte: «É porque lhe tenho quesilia!».
A perseguição contra aquelle Governador civil redobrou quando elle foi buscar á provincia do Minho e á da Beira Bachareis honestos e intelligentes, e os collocou em alguns concelhos, e que teem servido muito bem por serem estranhos ás influencias da terra. Em quanto o Governo não proceder assim em todos os casos, continuará a haver anarchia.
Ora, havia dissenções immehsas em Ourem, foi para lá um rapaz de uma excellente familia da provinda da Beira, que acabou as dissenções daquella gente, que chamâmos vulgarmente de gravata lavada, e as rixas de freguezia a freguezia. Mas os taes habitantes de Santarem não podem soffrer isso porque querem governar, e é impossivel que os anarchistas possam formar governo em parte alguma. Esta é a historia do Governador civil de Santarem e da propaganda da libertinagem, e da fraqueza do Juiz de direito em se levar pelos dictames de certa qualidade de gente para dar uma ordem daquellas perante as crenças publicas, perante a philosophia politica da Europa, e perante as idéas, do nosso seculo, que são todas contrarias ás do seculo passado.
Ora isto parece impossivel, por isso é que Portugal não póde ser bem governado; mas é preciso começar, porque a anarchia está sempre recalcitrando contra o Governo e contra a propaganda religiosa, e isto porque a religião é um meio de moralidade social; não é só para que se vá á Missa, é tambem, e essencialmente, um elemento de disciplina social (apoiados). Estimo ter dado esta explicação, que não daria se não viesse á Camara esta interpellação, ou o quer que seja, do Sr. Marquez de Vallada; mas não podia deixar de explicar os factos, assim como ha lastimado por ver que o que ha em Santarem tambem existe em outras partes. Estimarei que se levem a effeito algumas medidas que este Governo propôz, apesar de elle orador lhe ser opposição, e se ellas forem boas ha de apoial-as.
Em quanto á reforma dos estudos queria que o Conselho de Instrucção Publica não mandasse para os Seminários ecclesiasticos os traductores de Aimée Martin, porque não lhe parece conveniente tal procedimento. Quando vier a esta Camara o projecto da reforma dos estudos, talvez que faça algumas emendas e alguns additamentos para ver se ella se faz mais ampla; e ainda que sabe que muitas pessoas haviam gritar com o pretexto das reformas, elle orador queria que não houvesse tanta independencia no pessoal cathedratico, da qual podesse resultar a anarchia nos estudos (apoiados).
O Sr. Conde de Thomar pede á Camara lhe permitia que se não occupe em discutir essa cousita de Santarem, chamada casa negra (O Sr. C. da Taipa — Ninguém a quer discutir), nem se occupe tambem do Governador civil de Santarem, porque são objectos pequenos em relação do objecto muito importante e grave apresentado pelo Sr. Marquez de Vallada, e vinha a ser a prohibição das praticas religiosas nas prisões. Este era o ponto principal da questão, o resto são antipathias contra o objecto de que se fallou, e julga que não é proprio desta Camara entrar nestas questões, nem os Dignos Pares estão reunidos para accusar as auctoridades, nem fallar em cousitas e casas pretas. (O Sr. C. da Taipa — Sempre é bom ir fallando.) Elle orador nem é affeiçoado nem desaffeiçoado ao Governador civil de Santarem, nem tem directa ou indirectamente a parte nessa casa negra em que se fallou (O Sr. C. da Taipa — Não sei se é preta ou branca), e não tem relações com a auctoridade administrativa e judicial daquelle districto: entretanto não falla nellas, porque é um objecto muito pequeno em relação ao que tractou o Digno Par, e pedia portanto a palavra para dar uma explicação ao Sr. Conde da Taipa, quando pretendeu fazer ver que elle orador tentava paliar esta questão quando se referiu ao facto a que alludiu o Sr. Marquez de Vallada, e ás medidas do Governo sobre este negocio. Tanto não quiz paliar a questão, e estava de accordo com o Sr. Marquez de Vallada, que disse, que se se tractava da prohibição das praticas religiosas nas cadêas, declarava que havia reclamar, como reclama dos Srs. Ministros, toda a energia nas suas medidas sobre este objecto, para que essa ordem, se existe, seja revogada, e as praticas religiosas nas cadêas se regulem como convem. Fallou no assumpto como homem do Governo, e como homem catholico) Quer as praticas religiosas, porque é catholico, e não quer que ninguem tenha direito de prohibir que um catholico, que está preso, deixe de ouvir essas praticas; mas quer ao mesmo tempo que isso seja regulado de modo que os grandes criminosos não se possam evadir das prisões. Tambem queria que houvesse nas cadêas um aumonier, como ha em França, um homem que vá explicar a religião aos presos; mas não quer ampla liberdade de ir um ecclesiastico a toda a hora do dia ou da noite ás prisões, porque póde dar logar a que o serviço se não faça com regularidade, e até possam evadir-se grandes criminosos á acção da justiça (apoiados). Ora quem assim falla não quer de certo prohibir as praticas religiosas nas cadêas, mas quer que se adoptem os regulamentos seguidos nas prisões de todo o mundo civilisado. Quem falla assim não quer paliar a questão.
Se o Sr. Conde da Taipa pertende com isto querer lançar sobre o orador um certo desfavor, engana-se o Digno Par porque está em opposição com tudo quanto elle mesmo orador disse a este respeito. Não é costume seu paliar qualquer questão. Dissera que este objecto era muito grave e pedíra ao Governo, quando não estava ainda presente o Sr. Ministro da Justiça, que tractasse de colher todas as informações sobre o facto para saber se havia disposição de qualquer auctoridade que carecesse de ser revogada, mas que as praticas religiosas nas prisões fossem reguladas de tal modo que o serviço das cadêas se não transtorne. Sabe que pela Lei do paiz as cadêas estão debaixo das ordens das auctoridades administrativas e dos juizes de direito; mas não sabe as circumstancias de tal ordem e se ella foi dada nos termos que disse o Sr. Marquez de Vallada, por tanto é preciso indagar o negocio. Quanto á primeira parte daquella ordem não ha duvida que foi mal dada, sendo como se expoz. Isto não era querer paliar a questão. Não querendo o orador demorar mais a Camara com este assumpto, conclue pedindo ao Sr. Ministro da Justiça, queira informar-se e depois mande regular o assumpto, porque carece de um regulamento, para evitar que com o pretexto destas praticas se possam introduzir nas cadêas ecclesiasticas que muitas vezes podem ír ás prisões com
O manto da caridade e serem causa de um grande mal (apoiados), porque tambem debaixo deste véu da caridade muitas vezes se commettem crimes, e a isso é necessario obviar. (O Sr. Marques de Vallada — Apoiado). Por tanto está de accôrdo com o Sr. Marquez de Vallada em quanto a não se prohibir as praticas religiosas nas cadêas, mas deseja, repete, que este objecto seja regulado como deve ser, e pede ao Sr. Ministro da Justiça que olhe para este negocio com toda a attenção que elle merece (apoiados).
O Sr. Ferrão — Não posso dispensar-me de fazer algumas reflexões sobre este incidente, nas quaes conto ser acompanhado pelo Digno Par o Sr. Marquez de Vallada, em presença dos seus bons desejos, para que cessem os abusos que se possam dar em relação ao objecto de que se tracta.
Sr. Presidente, o que eu concluo do documento, e reflexões apresentadas pelo Digno Par, é a necessidade summa que temos de reformar as nossas cadeias. Quando digo reformar, refiro-me á reforma material e administrativa, preliminar indispensavel da reforma moral e religiosa. '
Antes de tudo é necessario que tenhamos edificios adequados, porque sem elles não podem ser devidamente executados os respectivos regulamentos, como convem no interesse da causa publica.
Depois é preciso confeccionar regulamentos proprios.
Quando tivermos edificios adequados, e consequentemente os devidos regulamentos, ha de então o Digno Par encontrar entre nós a qualidade e opportunidade de instrucção moral e religiosa, que se deve dar aos presos, isto é, como, por quem, quando, e em que local da prisão.
O facto, a que' «e allude, teve logar na cadeia de Santarem, Mas a cadeia de Santarem é desgraçadamente como quasi todas as do reino, em que por falta de espaço e das construcções necessarias, estão não só misturados presos de diversos crimes, e de differentes idades, mas tambem confundidos presos sómente detidos durante o processo crime com presos condemnados correccionalmente, e mesmo apenas criminaes, em quanto não são transferidos ou transportados.
Em quanto subsistir esta mistura as praticas religiosas aproveitam muito pouco; mais efficazes são as praticas de uns com outros presos.
Isto é hoje demonstrado por todas as estatisticas, e em todas as nações. Não ha nada mais prejudicial á boa morigeração ou reforma moral e religiosa dos presos do que o viverem em commum, e por isso se tracta em muitos paizes, e especialmente na Belgica, de edificar novas prisões, segundo o sistema cellular ou de separação, de modo que se possa, quando convenha, prohibir absolutamente aos presos o communicarem não só entre si, mas com pessoa alguma de fóra.
Mesmo nas cadeias ordinarias é muitas vezes necessario, que, dadas certas circumstancias, ninguem entre, seja ou não religioso, o que não quer dizer que não tenha' entrada o aumonier des prisons, o confessar da cadeia, o seu director espiritual (O Sr. Conde da Taipa — Está lá sempre, e prega todos os dias).
Mas eu não quero, que na falta de um padre especialmente destinado para cada uma das cadeias, se tenha por conveniente admittir que todo e qualquer sacerdote, só por que diz que vai fazer praticas religiosas, tenha alli uma entrada franca, e portanto não posso admittir que o Juiz de Direito, de que se tracta, não tivesse razão alguma para dar a ordem que deu.
Nós ignoramos completamente as circumstancias do facto. O mesmo facto da prohibição significa a realidade ou imminente possibilidade de abuso, que assim se quiz reprimir ou previnir.
E em verdade, em quanto um preso se acha no estado de simples detenção é muito perigoso, para a boa administração da justiça, que communique com pessoas extranhas de qualquer condição que ellas sejam, ou pretexto a que recorram.
Com demasiada facilidade, e com a capa da instrucção religiosa, seria facil a um ecclesiastico, que infelizmente nem sempre é um homem de virtude, introduzir-se na cadeia para conseguir, a pretexto de um justo fim, um resultado mau, qual o da impunidade do crime, ou da fuga de um réo. Portanto, abundo nas idéas do Sr. Conde de Thomar.
Não podemos, nem devemos censurar a auctoridade, sem que ella seja ouvida.
É necessario que se pergunte primeiro a este Juiz de direito o que é que motivou a ordem que deu.
Os Juizes de direito tem a grande responsabilidade de superintender sobre a guarda e policia das cadeias, e por tanto o direito de empregar, para esse fim, Os meios de ordem que julgarem convenientes.
Sem pois mais amplas informações ou em quanto se não obtiverem, não será justo desconsiderar uma auctoridade que providenciou no exercicio de suas attribuições legaes, e tanto mais que do documento, apresentado pelo Digno Par, eu vejo resalvada a administração dos sacramentos em casos de necessidade, e a pedido dos presos.
Seguramente ninguem póde negar que o principio religioso deve entrar em toda a qualidade de educação ou instrucção, e que é um elemento indispensavel de correcção e de morigeração dos presos..
Tambem hoje se não duvida que tambem nessas casas é necessario dar noções de instrucção primaria aquelles que não sabem lêr nem escrever; em fim, que na correcção se empreguem todos os meios materiaes e moraes de se conseguir a rehabilitação dos condemnados.
Mas note-se bem, não se tracta propriamente de cadeias especiaes, destinadas exclusivamente á correcção penal, tracta-se principalmente de presos que estão em deposito judicial, sobre que cumpre vigiar, no interesse da administração da justiça, no da mesma innocencia, e no das partes offendidas.
Parece-me, Sr. Presidente, que não poderei ser censurado, por tomar assim a defeza provisoria do Juiz de Direito de Santarem; mas o meu fim principal, procedendo deste modo, foi aproveitar a occasião de lembrar ao Sr. Ministro da Justiça a urgente necessidade da reforma das nossas prisões, e eu espero e confio que S. Ex.ª tome este objecto ao seu especial cuidado, e que, quanto antes, applicará alguns fundos para fazer construir no Paiz pelo menos uma prisão cellular, que é essencial, tanto como meio de correcção, como e muito particularmente para segurança de pessoas no estado de detenção e prevenção em processo crime.
Em França, aonde, como na Belgica, não tem havido grande insistencia na execução do systema cellular, ha comtudo a convicção de que a separação individual é de rigor para os detidos prévenus —, e por isso ha em París uma grande casa de detenção pelo dito systema, da qual saem immediamente todos os que são condemnados definitivamente. Com o mesmo fim o Brasil ultimamente, na provincia de Pernambuco, acaba de construir uma prisão segundo o mesmo systema cellular.
É pois urgente, é necessario, olhar-se por isto; não são só os caminhos de ferro, e outros melhoramentos materiaes os de que o Paiz precisa, são tambem os melhoramentos moraes, que cumpre promover (apoiados).
Desde 1846 que por lei se estabeleceu, a cargo da Companhia das Obras Publicas de Portugal, que no reino se edificaria uma casa penitenciaria, e até hoje quantos annos tem decorrido, e nem sequer se tem feito uma diligencia mais, nem levado ao Parlamento uma proposta!
Sr. Presidente, é predominado por estas idéas que tomei a palavra, sem de modo algum querer contrariar o Sr. Marquez de Vallada, e espero que S. Ex.ª concordará comigo, mesmo no que toca ao Juiz de direito; pois que elle póde ter tido motivos, e justos, para proceder como procedeu.
O Sr. Ministro da Justiça principia agradecendo ao Digno Par o Sr. Marquez de Vallada as benevolas expressões com que o tractou, e mesmo o excesso de bondade com que o quiz honrar.
Agora cumpre-lhe dizer que não sabe o que ha de certeza no facto narrado pelo Digno Par, e ignorava-o porque não se lhe tinha ainda dado conhecimento delle. Pelo documento lido pelo Digno Par, e que acaba de ver, consta que este Juiz de direito prohibia a entrada nas cadêas de Santarem a um ecclesiastico que queria fazer praticas aos presos, e estabeleceu essa prohibição com as declarações e excepções que constam do mesmo documento. É o que deste consta, não vê mais especialidades sobre o facto, e officialmente ainda não tem conhecimento nenhum delle, nem pela auctoridade administrativa, nem pela auctoridade ecclesiastica; por consequencia o que é facil concluir é, que por ora não póde arriscar o seu juizo sobre o facto que por em quantoi se Hié apresenta nestas circumstancias. Não póde ainda dizer-se aquelle magistrado é digno ou não de censura, mas cumpre que para formar juizo. e proceder conforme o caso o exigir, procure com urgencia colher todas as informações da auctoridade administrativa, da auctoridade ecclesiastica, e da propria auctoridade judicial a quem ha de tomar conta do facto (apoiados). É disto que vai tractar quanto antes, e incessantmente. (O Sr. Marques de Vallada — Muito bem.)
Tendo assim respondido por agora á questão de facto, dirá tambem em quanto á questão de principio, que a sua opinião, e a opinião do Governo e, que a educação religiosa é indispensavel na ordem da sociedade, e ainda mais indispensavel, se possivel é, na reunião dos presos e de homens criminosos, que em parte se póde dizer, que teem um coração prevertido, ao qual só póde fallar efficazmente a mesma religião. (Votes — Muito bem.) Se pois a religião é sempre, e em toda a parte, um elemento de ordem; nas prisões ainda mais, porque sendo indispensavel o sentimento religioso em qualquer homem, de qualquer classe, mais indispensavel se torna naquelles que infelizmente teem delinquido, e que por todos os modo se deve procurar rehabilital-os I para a boa sociedade. Por consequencia, o Governo como principio quer a educação religiosa nas cadêas.
A respeito do facto succedido em Santarem, repete que não sabia cousa alguma; o que não sabia era que não havia uma capella na cadèa daquella villa, e que mandou lá estabelecer uma.
O Digno Par o Sr. Ferrão chamou a attenção do Governo em relação á reforma das prisões, e perguntou se o Governo destinaria alguma verba especial para esta reforma. Deve dizer a S. Ex.ª que este estado de cousas não póde continuar; não temos uma unica prisão que se possa chamar mesmo soffrivel! É por consequencia de absoluta necessidade propôr uma reforma de prisões, estabelecendo algumas em grande escala, e que possam servir de modelo, separando os presos que estão cumprindo sentença, daquelles de mera detenção, afim de evitar as terriveis consequencias da aglomeração. Liga o orador ainda mais importancia aos melhoramentos moraes do que aos materiaes; porque julga que os primeiros são mais necessarios aos presos do que os segundos, pois não póde haver civilisação sem instrucção religiosa.
Portanto, conclue, affiançando ao Digno Par, que o honra com a sua amisade, que ha de empregar todos os meios para poder, no proximo mez de Novembro apresentar alguma cousa que satisfaça a S. Ex.ª e a todos.
Em quanto á questão do facto, passará a informar-se, e communicará á Camara o resultado das informações.
O Sr. Marques de Vallada: agradece ao seu illustre amigo o Sr. Ministro da Justiça as ex
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pressões benevolas que lhe dirigiu, e as promessas que fez, e estão de accôrdo com as que fizera anteriormente o Sr.s Ministro da Fazenda.
Dirá ao Digno Par o Sr. Ferrão, que quando trouxe este negocio á Camara teve sómente em vista que o Sr. Ministro informasse delle, que elle orador está completamente informado. Não o estando porém S. Ex.ª, não deve elle como Par: - do Reino fazer surprezas aos Srs. Ministros.
O Sr. Ministro da Fazenda, que desejou ser benevolo para com elle orador, quiz desde logo dar uma resposta, encarregando-se de fazer constar o facto ao seu collega da repartição competente, a fim de que se informasse. Já se vê que não teve em vista, como disse, fazer surpreza alguma.
Tambem deve dizer ao Digno Par o Sr. Ferrão, que é de suppor que S. Ex.ª saiba que em todas as prisões, muito particularmente em Franco, é permittida a entrada ao aumonier deprison; mas, alem disso, o marechal Bugeaud consentiu que no banho de Toulon se fizesse uma missão, que produziu os melhores resultados; por consequencia, é sua opinião que os melhoramentos moraes devem lêr preferencia sobre os materiaes, sem comtudo pôr estes de parte, porque em primeiro logar se deve tractar do melhoramento moral do criminoso, e este não póde ter logar senão pela instrucção religiosa.
O Sr. Presidente — Teem ainda a palavra os Dignos Pares os Srs. Viscondes de Castellões e de Balsemão, mas como deu a hora...
O Sr. Visconde de Castellões — Peço a V. Ex.ª que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
O Sr. Visconde de Balsemão — Era simplesmente para fazer uma recommendação ao Sr. Ministro da Fazenda, para saber quando cessaria este estado inqualificavel em que se acha a contribuição de repartição, havendo concelhos em que se passa á cobrança das quotas sem dar tempo a reclamações; e sobre este ponto chamava a attenção de S. Ex.ª, porque este negocio parece-me que deve merecer que S. Ex.ª se occupe delle o mais breve que lhe seja possivel.
O Sr. Presidente — Este incidente não póde progredir hoje, porque deu a hora; por consequencia levanto a sessão, dando para a ordem do dia de ámanhã (27) a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Rolarão dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão de 26 de Abril de 1859.
Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Fronteira, e de Vallada; Condes: das Alcaçovas, da Azinhaga, do Bomfim, de Linhares, de Mello, de Paraty, de Penamacor, da Ponte, da Ponte de Santa Maria', do Sobral, da Taipa, e de Thomar; Viscondes: d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões, de Castro, de Fonte Arcada, de Monforte, de Ovar, da Paradinha, e de Ourem; Barão da Vargem da Ordem; Sequeira Pinto, Ferrão, Margiochi, Pessanha, Silva Carvalho, Larcher, Isidoro Guedes, Eugenio de Almeida, Fonseca Magalhães, e Brito do Rio.