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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

(Tendo-se publicado com muitas inexactidões os extractos dos discursos do Digno Par o Sr. Marquez de Vallada, na sessão de 28 de Abril do corrente anno, publicados no Diario do Governo n.° 112, de li do corrente, transcrevem-se hoje correctos)

(Extracto do 1.° discurso.)

O Sr. Marquez de Vallada expoz ter n'uma das sessões passadas pedido ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que então se achara presente, communicasse ao seu collega da Justiça, que elle orador desejava chamar a attenção de S. Ex.ª para que empregasse toda a sua solicitude em dar seguimento ao grande e importante negocio da reforma das nossas prisões, e o Sr. Ministro das Obras Publicas prestou-se a satisfazer tal pedido, accrescentando, que o seu collega se occupava de negocio tão importante. Entretanto nessa occasião o Sr. Ministro da Justiça lhe asseverou particularmente, que tem feito estudos sobre este importante ramo da administração publica, e que brevemente satisfaria aos desejos delle orador. Portanto limita-se a dizer a tal respeito, que está certo em que S. Ex.ª, tendo feito esta promessa, não ha de faltar a ella.

Declara que tem de dirigir uma interpellação aos nobres Ministros presentes, e em poucas palavras passa a expôl-a.

Na cadêa do Santarem recebeu-se uma ordem do Juiz de Direito, Negrão, que alli está, para que não fosse admittido naquella cadêa nenhum ecclesiastico a fazer praticas religiosas aos presos. Ha um documento com que elle orador prova o que acaba de dizer, e fez leitura delle; pro-seguindo depois nas considerações de que o Juiz de Direito de Santarem prohibiu aos seus presos que ouvissem as praticas de um ecclesiastico dedicado, que faz parte do corpo cathedratico do Seminario, e que alli se dirigia para os doutrinar!

Em parte nenhuma se viu um caso assim! Onde ha prisões, se as querem reformar, a base dessa reforma é sempre o principio religioso; e elle orador não sabe como se poderão reformar as prisões, quando a religião for dellas banida.

Já havia dito nesta Camara, por occasião da discussão da resposta ao discurso da Corôa, que o principio religioso deve ser a base de qualquer reforma na instrucção publica: dirá agora, tractando das prisões, que elle não percebe como se poderá intentar qualquer reforma nellas, sem que igualmente o principio religioso lhe sirva de base principal. (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — apoiado.)

Quando a reforma das prisões não tiver por base a religião e a moral não se consegue cousa alguma. A reforma baseada no materialismo é impossivel. Elle orador não admitte as idéas exageradas do seculo passado, nem ellas já são moda, e deixaram de o ser com os encyclopedistas (apoiados).

Tencionara dizer estas palavras na presença do seu particular amigo o Sr. Ministro da Justiça; entretanto como se acham presentes alguns dos seus collegas, que são pessoas igualmente muito competentes para attenderem a esta interpellação, pede-lhes que hajam de transmittir estas reflexões ao Sr. Ministro da Justiça. Espera que SS. Ex.ª, pois são homens de actividade, e desejam occupar-se seriamente das verdadeiras reformas, hão de dar as providencias necessarias para que similhante ordem do Juiz de direito, Negrão, se não execute, pois bastaria admittir um tal principio para lançar grande desfavor sobre SS. Ex.ª

Por esta occasião dirá de passagem alguma cousa sobre o estado em que se acha a Villa de Santarem. Ahi domina uma sociedade secreta, chamada a Casa Negra, e isto que acaba de expor não é romance, nem ficção, porque elle orador costuma, quando avança qualquer proposição, estar prompto a proval-a, e se fôr necessario o comprovará.

Em Santarem está-se fazendo uma grande guerra a todos aquelles que cumprem as ordens do Em.mo Prelado. Essa sociedade, a que se chama Casa Negra, é composta (segundo foi informado) em parte de malfeitores, moedeiros falsos, falsificadores, etc.. e o Governo póde muito bem informar-se disto, e talvez que algumas auctoridades já tenham communicado cousas em relação com o que vinha de dizer. Infelizmente essa sociedade foi installada ha certo tempo por um homem que é chefe della, e que já foi neste paiz accusado de ladrão, havendo mesmo um processo. Repete, que quando elle orador diz uma cousa, sustenta-a porque tem as provas, e não tem medo de expor a verdade. Cumpre portanto perseguir e fulminar essa cáfila de malfeitores de gravata lavada, que passeiam impunemente por este Portugal, em quanto que se punem alguns desgraçados que jazem nas cadêas.

Não se dê portanto protecção a malvados, porque elles são condecorados, ou porque tenham obtido titulos, ou condecorações por meios illicitos; e de uma vez para sempre respeite-se o grande principio da Carta, que todos são iguaes diante da Lei. É notavel que homens que já foram presos por moedeiros falsos, se atrevam a erguer fronte altiva, e a escrever artigos injuriosos contra caracteres honestos e honrados.

É preciso que de uma vez para todo o sempre se inaugure essa era de moralidade, de que tanto se falla, e que ainda não começou. Inquira pois o Governo, e está certo que o Sr. Ministro das Justiças, cuja intelligencia, sentimentos e bom animo todos reconhecem, ha de obrar neste ponto com toda a força de vontade de que é dotado, para que se persigam esses malfeitores, e póde contar que procedendo desta arte, receberá o apoio de todos os homens de bem. S. Ex.ª tem a força precisa para desprezar qualquer influencia que lhe queira ser imposta por certos caracteres, que não podem ser tomados em conta na boa sociedade.

Está certo elle orador que o Governo composto de homens energicos tractará de apresentar uma medida neste sentido, e não a abandonará, e elle orador terá muito prazer em dar a SS. Ex.ª o seu apoio, que é, e será sempre desinteressado. (Extracto do 2.º discurso.)

O Sr. Marquez de Vallada dá-se por completamente satisfeito com a resposta do illustre Ministro da Fazenda, e parece-lhe que é esta a primeira vez que isto lhe acontece. A resposta de S. Ex.ª foi eloquente, cheia de verdade e de boa politica, e claramente se vê que não foi só inspirada pelo seu talento mas tambem pela sua boa educação.

S. Ex.ª fallou em termos muito claros e cathegoricos, e ao mesmo tempo dentro dos limites da conveniencia, como não podia deixar de fazer; por consequencia, não tem elle orador senão agradecer a resposta do illustre Ministro, e a felicitar-se conjunctamente com a Camara, por ser de esperar que S. Ex.ª, pelo correr do tempo, faça o que prometteu.

(Extracto do 3.° discurso.)

O Sr. Marquez de Vallada é de parecer que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar não attendeu bem á lettra do alludido documento. Quase prohibem as praticas religiosas aos presos não ha duvida, agora a excepção é que o orador não acha que valha tanto como o pareceu ao Digno Par, porque os presos de que nesse caso se falla são mui poucos, e ainda assim para esses ouvirem taes praticas e necessario que a auctoridade administrativa o queira, ou se lembre disso.

(Entrou o Sr. Ministro da Justiça.)

Estima muito que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar manifeste sentimentos que estão tanto de accôrdo com os delle orador e com os que expoz nobremente o Sr. Ministro da Fazenda. S. Ex.ª disse que concordava, mas que era necessario que se tivesse muito em vista a policia das cadêas. Nisto não póde tambem deixar de acompanhar a S. Ex.ª em vista do bom senso e da razão, mas dirá a S. Ex.ª que tambem ha estudado alguma cousa do que se passa nos outros paizes, e recebido as obras mais modernas sobre cadêas publicadas lá fóra. Ainda ha pouco tempo recebeu um livro que contém a narração das missões feitas nas prisões de Toulon e Brest; e por ahi se vê qual foi o resultado destas praticas religiosas na moralidade dos presos; e qual o concurso que prestavam as auctoridades francezas. O unico paiz onde não ha o que os francezes chamam aumonicr des prisons é o nosso. Foi este anno o primeiro em que se dirigiu aqui uma pratica aos presos por occasião da communhão, mas não vê realmente razão para que nos amedronte aquillo que não amedronta os povos quc estão mais adiantados do que nós em civilisação. Está persuadido de que o Digno Par p Sr. Conde de Thomar, que tem tão bom senso, e uma razão tão esclarecida, ha de ser o primeiro a convir, que com as mesmas cautelas e providencias, ou prevenções com que entra nas cadêas o carcereiro, e outras pessoas seculares, póde entrar o ecclesiastico, sem que dahi resulte perigo algum: adoptem-se quantas providencias se queira e se julguem necessarias, mas não haja impedimento formal para que n'uma prisão entre qualquer ecclesiastico que alli se apresente movido pelo amor da caridade e pelo, zêlo da religião, a bem dos presos e da sociedade; sejam elles acompanhados devidamente; previna-se e evite-se qualquer abuso que por ventura se possa dar, mas não se tolha o bem que póde vir de similhantes praticas.

Não sabe se o Digno Par o Sr. Conde de Thomar está ao facto da guerra que se faz a S. Em.ª, talvez não tenha lido as accusações que em alguns jornaes se dirigem ao nosso Em.mo Prelado pela administração do Seminário de Santarem:entre tanto julga que a auctoridade ecclesiastica dos Bispos ainda felizmente não está tão decaída que lhes não pertença já o entenderem elles destas materias.

Faz-se uma grande guerra a tudo quanto e bom. Essa guerra vem de homens que teem professado publicamente principios alheistas. Isto são cousas publicas.

O Digno Par o Sr. Conde de Thomar conhece a lealdade do caracter delle orador. Dirá pois sómente que um professor do Seminário foi mudado da cadeira de philosophia para a de geometria, porque se julgou não ser prudente alli conserval-o, em vista das suas idéas, sendo este mesmo professor o que traduziu o livro ímpio que por ahi corre, de Aimê Martin. — Os que pertendem hoje dominar na villa de Santarem fazem parte dessa loja maçónica, que é uma especie de sociedade secreta, a que chamam casa preta, a que orador já alludira. Todos os que o conhecem sabem que não costuma avançar proposições desta ordem quando não tem as provas, e apresente-se algum defensor dessa casa preta, que lhe ha de custar cara a defeza, porque hão de apparecer documentos que estão em repartições publicas desta capital, pelos quaes se conhecem aquelles que protegem essa caphita, que os protegem por communidade de desejos de intenções e de fins. Está persuadido o orador ser já bem sabido que não costuma recuar diante do seu dever, que não prefere nunca os interesses pessoaes a outros que julga mais altos, e os quaes reputa interesses geraes. Começou-se a guerra do mal contra o bem, é necessario que se levante esta luva, e que ajudem todos o nobre Ministro das Justiça, a quem já fazem crua guerra.

Elle orador conhece o Sr. Ministro da Justiça desde que se conhece a si proprio, e entre ambos ha relações de amizade, e entretanto não frequenta a sua casa desde que S. Ex.ª é Ministro. Pôde e deve asseverar que S. Ex.ª não subiu ao Governo pelos degraos das sociedades secretas; subiu sim, e tão sómente em virtude do seu reconhecido merecimento. Por isto é que se lhe faz muita guerra, principalmente desde que mostrou que queria perseguir os moedeiros falsos. A S. Ex.ª dirigirá sinceros parabens se não tiver ao seu lado homens que só servirão para lhe tolher toda a acção governativa, e dos quaes só receberá louvor se os attender em suas loucas pretenções. Em conclusão dirá que ha certos louvores que valem um vitupério, ha certos vituperios que valem um elogio.