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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 2 DE MAIO DE 1861

PRESIDÊNCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

(Presente o sr. ministro da fazenda.)

As duas horas e meia da tarde, sendo presentes 53 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou se approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio da camara dos senhores deputados, enviando uma proposição sobre a liquidação e pagamento de certos vencimentos ao dr. José Romão Rodrigues Nilo.—Remettida á commissão de fazenda.

-Da mesma camara, enviando a proposição sobre ser

concedido um predio nacional á junta de parochia de Ventosa.— A commissão de fazenda.

-Da mesma camara, remettendo uma proposição sobre a concessão de uns predios nacionaes ao asylo da Villa da Praia da Victoria.—A commissão de fazenda.

-Da mesma camara, com a proposição sobre o modo

de contar o tempo de serviço, para a aposentação ao juiz de 2.º instancia José Bernardo Gonçalves Pinto da Cunha. — A commissão de legislação.

—-Da mesma camara, remettendo a proposição sobre ser o governo auctorisado a applicar até á quantia de réis 70:000$000 em soccorros para os habitantes de Cabo Verde. — As commissões de marinha e fazenda.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra para um negocio urgente.

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Vouzella, para que não seja approvado n'esta camara, ao menos como veiu, um projecto vindo da outra casa do parlamento, em virtude do qual a freguezia de Bodiosa, pertencente ao concelho de Vouzella, é annexada ao grande concelho de Vizeu. Ora este concelho de Vouzella que em outro tempo era denominado concelho de Lafões, foi um dos mais antigos e maiores do districto.

Depois de 1836 principiou a ser dividido, e formaram-se os tres concelhos de Vizeu, Oliveira de Frades e S. Pedro do Sul.

Immediatamente vieram os clamores dos povos, e em 1843 já ajunta geral do districto reclamou, pedindo a suppressão do concelho de Oliveira de Frades, e união d'elle ao de Vouzella.

Em 1853 e 1854 as juntas geraes fizeram as mesmas reclamações. No entretanto não foram attendidos na reforma administrativa que se fez em 1855.

Em 1856 a junta geral representou de novo sobre a justa divisão. Em virtude da portaria de 3 de setembro de 1863 se nomeou uma commissão districtal para informar ácerca da divisão territorial, e consta que ella annuiu a que se procedesse á desannexação da freguezia de Bodiosa, mas que o concelho fosse indemnisado com outras freguezias; o projecto da camara dos srs. deputados fez a desmembração, mas não a união, isso são os resultados de se proceder á divisão territorial a retalho (apoiados), isto não se póde fazer senão com uma medida geral (apoiados). E quando se queira fazer parcial demanda muita circumspecção (apoiados). O verdadeiro é que o parlamento por uma vez indique as bases sobre que deve assentar a divisão territorial, e auctorisar o governo para essa divisão.

Entretanto como veiu o projecto, e provavelmente a illustre commissão de administração publica trata de dar o seu parecer, desejando que ao menos desappareça d'elle a injustiça, mando para a mesa esta representação.

Com relação ao mesmo objecto mando para a mesa um requerimento (leu).

Mando tambem um outro requerimento para a mesa acompanhado de varios documentos.

É do teor seguinte:

«Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidos a esta camara:

«1.° O parecer da commissão que em Lisboa o governo encarregou de organisar os trabalhos da divisão territorial que foi levada a effeito em 1855, na parte respeitante á organisação do concelho de Vouzella, no districto de Vizeu;

«2.° O parecer da commissão districtal creada por portaria de 3 de Setembro de 1863, e o do conselho de districto de Vizeu, respeitantes á organisação do concelho de Vouzella.

«Sala da camara, 2 de maio de 1864. = Moraes Carvalho. »

O sr. Presidente: — Penso que devem ir á commissão de administração publica para attender tudo devidamente.

O sr. Conde de Thomar: — Em presença da declaração d'este digno par, como membro da commissão de administração publica, tinha a expor o que já n'outra occasião dissera, e vinha a ser que aquella commissão decidira unanimemente não dar parecer sobre projectos de divisão territorial, sem que o sr. ministro do reino ou o governo seja representado na commissão para a convencer da conveniencia da medida, e para que os projectos assim apresentados a retalho não alterem o plano geral da divisão do paiz.

Reconhecia, como o digno par, que negocios d'esta natureza e importancia não podem ser tratados por tal fórma, segundo a vontade de um ou outro sr. deputado, porque taes alterações quasi sempre trazem comsigo grandes difficuldades (apoiados), quando na divisão territorial deve tudo ser subordinado a um plano geral.

Fazia esta declaração para que d'aqui em diante se entenda que é perdido o tempo em propor medidas d'estas a retalho, pois que. chegando taes projectos a esta camara a commissão não lhe dá andamento algum (apoiados).

O sr. Moraes Carvalho: — Eu já tinha ouvido ao digno par esta mesma declaração que acaba agora de fazer a respeito da decisão da commissão, que não sairiam os projectos sem que o sr. ministro do reino estivesse presente, para dar á commissão as convenientes explicações; mas como s. ex.ª podia lá comparecer para dar as explicações que julgasse necessarias, e de mais a maia eu não podia deixar de mandar para a mesa essa representação que me haviam encarregado de apresentar, por isso cumpri com o meu dever, e estou certo que a illustre commissão tambem ha de cumprir com o seu dever.

O sr. Marquez de Vallada: — Chamou a attenção para os acontecimentos que acabavam de ter logar em Coimbra, e que vinham relatados nos jornaes da localidade. As circumstancias que se tinham dado no facto eram altamente graves, demonstrando que a anarchia lavra por toda a parte, pois o governo não sabe manter a dignidade do seu posto.

Os estudantes da universidade de Coimbra requereram ao governo perdão de acto, e respondeu-se-lhes negativamente por uma portaria que continha varios considerandos e concluia dizendo que ao governo não pertencia resolver similhante pretensão. Depois da chegada d'essa portaria os estudantes resolveram retirar-se da universidade, e á força publica foi pela auctoridade postada em observação. Em vista d'estes acontecimentos estranha que o sr. Ferrer, reitor da universidade, deixe ali o seu posto, onde talvez n'esta occasião fosse maia necessaria a sua presença do que na camara.

Acresce a estes factos apparecer uma carta no Conimbrense, escripta pelo mesmo digno reitor, dando esperanças aos estudantes de obterem o perdão de acto; e esta esperança foi o que deu aso aos acontecimentos. Espero portanto que o sr. Ferrer dê uma explicação a este respeito.

O orador lembra o que aconteceu quando o sr. visconde de S. Jeronymo era reitor da universidade. Leu a carta que se publicara, respectiva ao sr. Ferrer; explicou os fundamentos em que os estudantes basearam a esperança no perdão de acto, e concluiu perguntando aos srs. ministros o que havia de official a tal. respeito? Qual o procedimento que adoptariam em relação a estes acontecimentos?

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Poucas palavras direi em referencia ao assumpto sobre que acaba da fallar o digno par, porque me parece que o facto não tem a importancia que se lhe quiz dar. (Entrou o sr. presidente do conselho). Eu tambem participo das idéas que o digno par acabou de exprimir a respeito da auctoridade; mas parece-me que o modo de fazer respeitar esse principio não é com discursos similhantes aquelles que o digno par mais de uma vez tem proferido n'esta casa.

O sr. Marques de Vallada: — Peço a palavra. O Orador: — Não quero entrar na discussão d'elles, não o julgo util, nem conveniente; mas peço a s. ex.ª que reflicta antes de empregar certas expressões.

O que se passou em Coimbra quasi que não tem nada de surprehendente, nem de extraordinario, é sim lastimoso e deploravel. S. ex.ª disse e todos sabem, que na juventude os espiritos se exaltam facilmente, e não é a primeira vez que tem succedido estes movimentos inconsiderados, a proposito de uma ou outra questão, sem nunca ter outra importancia do que realmente tem; são actos proprios da verdura dos annos.

Sinto que n'esta occasião houvesse uma especie de assuada em Coimbra, por se não ter concedido o perdão de acto, porque realmente no meio do seculo XIX, em que o principio do trabalho é por todos glorificado, não se devem adquirir titulos de capacidade e sciencia, se não por meio da verificação d'essa capacidade, d'essa sciencia, que -se não póde adquirir sem trabalho (apoiados). Parece me pois menos considerado o passo de pedir um perdão de acto, para se ganhar um titulo sem ter passado pelas provas academicas (apoiados). E necessario fazer ver isto aos estudantes, para que se não deixem levar n'este mau caminho, a que de certo foram arrastados os bons estudantes, porque não são estes os que precisam de tal graça, mas os menos applicados, que ás vezes são os mais exaltados de espirito, e que aproveitaram ultimamente o ensejo que se lhes offerecia para. arrastarem após si os outros (apoiados). E necessario que a mocidade estudiosa se compenetre bem da inconveniencia de tal procedimento, porque quem estuda

deve passar pelos exame?, para obter os diplomas da sua capacidade (apoiados). O contrario é altamente inconstitucional e desarasoado, e não se póde admittir uma theoria que é contra o bom nome dos estudantes, e d'aquelle estabelecimento scientifico (apoiados).

Por consequencia deploro o acontecimento, não tanto pelo valor da assuada em si, como pelo motivo que lhe deu origem. Estou persuadido que aquelles estudantes, depois de reflectir, has de ver que deram um passo inconsiderado, e já o reconhecem por certo, pois que depois d'aquelle primeiro momento de exaltação, passado esse resentimento, essa especie de desapontamento, têem estado completamente tranquillos, e não é preciso recorrer a medidas extraordinarias, nem o caso é para isso, porque estão muito socegados.

Uma voz: — Alguns foram para o Porto. O Orador: — Alguns foram para o Porto, mas já diversos voltaram para Coimbra com todo o socego, para se receiar a perturbação da ordem publica.

Disse se que da ultima vez que El-Rei esteve em Coimbra alguem tinha promettido perdão de acto, e havia creado esperanças; não me consta que isto seja verdade, nem ha indicio algum de que se fizesse similhante promessa. Houve talvez idéa d'isso da parte de alguns estudantes menos applicados, que depois trataram de a propalar; e agora quer-se tornar o governo responsavel pelo facto.

Disse se tambem que de outra vez houve uma especie de assuada dos estudante a proposito da questão com o sr. visconde de S. Jeronymo, então reitor da universidade, e que se d'essa vez se tivessem empregado os meios repressivos talvez senão repetissem as assuadas. Os meios repressivos era bom empregarem-se senão se tratasse de rapazes e os factos tivessem outro alcance, mas nos casos de que se trata, os meios suasórios são os mais proprios que ha a empregar; os meios violentos em taes casos não fazem senão aggravar o mal. Estes factos, em verdade deploraveis, como o que se tem dado em Coimbra, sempre se dão mais ou menos onde ha accummulação de rapazes, e em todas as universidades do mundo, e nunca se empregam meios violentos contra taes exaltações. Portanto o melhor é empregar meios suaves para evitar estas assuadas. Emquanto a fazer respeitar o principio da auctoridade, não se deixa de fazer respeitar esse principio porque o sr. reitor não está exercendo as suas funcções; está lá o sr. vice reitor, que representa a auctoridade, e que de certo a tem feito manter dentro dos limites convenientes, attendendo á circumstancia de serem rapazes, quem com a pouca reflexão propria da idade, anda envolvido n'este negocio, sendo o melhor meio de acalmar os animos exaltados, a persuasão e não a força. O emprego da força armada contra o corpo académico não póde dar senão maus resultados, sem vantagem alguma para a sociedade e para a ordem publica. Creio que não se quererá que o governo recorra a outros meios senão aos suaves, que são os proprios para restabelecer o socego sem haver victimas. Mas o que é necessario é que os estudantes se convençam todos de que, quem estuda e quem não estuda, todos devem obedecer á lei (apoiados), e que a mocidade que encetados seus estudos, ou que já os tem mais adiantados, deve ser a primeira a dar solemnes testemunhos do seu respeito ás leis, convencendo-se de que o modo de manter o governo constitucional e de se tornar digno da liberdade, é respeitar as auctoridades legitimamente constituidas. E isto o que se deve aconselhar aos estudantes, a fim de que não se repitam actos d'estes. Portanto o governo ha de tomar as necessarias providencias para restituir a universidade aos seus trabalhos normaes e fazer desapparecer a recordação de tão censuraveis factos, que sempre occasionam transtornos á sociedade, sendo as primeiras victimas d'essas loucuras os proprios estudantes e suas familias (apoiados).

O sr. Ferrer: — Depois do que todos acabamos de ouvir ao sr. ministro da fazenda, só me cumpre responder, e isto mesmo mui succintamente, a duas censuras, que o digno par o sr. marquez de Vallada me fez, a proposito do que julgou conveniente expender sobre os ultimos acontecimentos de Coimbra. A ambas respondo a s. ex.ª com o artigo 31.° da carta constitucional, artigo que p. ex.ª deve conhecer muito bem, e que diz clarissimamente, que cessa o exercicio de todo e qualquer emprego durante o tempo das sessões legislativas, tanto para os membros d'esta camara, como para os da outra. E pois evidente]que se deduzem d'aqui duas conclusões: a primeira é, que estou aqui; porque a carta me ordena, que esteja; e a segunda é, que durante o tempo das sessões, vindo para aqui, deixo de estar investido da auctoridade de reitor da universidade, ficando essa jurisdicção a outra pessoa conforme o disse muito bem o sr. ministro da fazenda, isto é, ao vice reitor o qual ali occupa o meu logar. E emquanto as cousas estão n'este ponto a consequencia necessaria é, que eu em relação á universidade sou um mero particular, como o é, o digno par o sr. marquez de Vallada, ou qualquer outro.

Emquanto á carta, que se publicou e foi aqui lida, declaro que tomo a responsabilidade d'ella, e que o seu conteúdo é preciso e claro.

O sr. Marquez de Vallada: — Continuando nas suas observações ás explicações dadas pelos srs. ministro da fazenda e Ferrer, rebateu algumas asserções dos precedentes oradores, e concluiu por se felicitar de ter chamado a attenção da camara sobre este assumpto, pela gravidade do objecto.

O sr. Conde de Thomar: — Observa que esta questão havia perdido muito da sua importancia, depois das declarações officiaes que partiram dos bancos dos ministros, se ellas forem exactas, como se devia acreditar.

As noticias que corriam sobre os acontecimentos de Coimbra eram de extrema gravidade; mas o sr. ministro da fazenda dissera que se limitam esses acontecimentos a terem