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540 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

de levantar n'este momento, e ácerca d'este assumpto uma questão politica. Nem pretendo tambem realisar agora a interpelação que em tempos annunciei ácerca da legalidade e conveniencia com que o sr. ministro da marinha firmou o contrato a que me venho referindo. Não prescindo de realisar essa interpellação, mas em occasião que se me afigure mais asada e opportuna. N'este momento, o meu unico intuito é provocar, da parte do sr. ministro, pelas perguntas e considerações que vou fazer, rigorosamente restrictas aos documentos que li e ás clausulas a que elles se referem, a dar algumas explicações que, esclarecendo officialmente alguns pontos que se me afiguram obscuros n'este contrato, permittam que elle seja ao menos n'esses pontos interpretado por fórma que fiquem devidamente salvaguar, dados os interesses publicos.

A prorogação do praso (sessenta dias) concedida pelo sr. ministro a requerimento do concessionario, elevou o praso de cento e quarenta dias, concedido na clausula 38.º para a entrega dos projectos definitivos, a duzentos dias.

De passagem, e, só de passagem, porque já disse, e repito, nem quero que se imagine que pretendo fazer d'esta questão uma questão politica, direi que o caso de força maior allegado pelo concessionario no seu requerimento, e que é o unico em que segundo a já mencionada clausula 43.º do contrato, podia ser fundada a concessão da prorogação alludida, que o caso de força maior, repito, me parece menos que mediocremente provado pelos documentos que me foram enviados. De feito, o concessionario allega unicamente, que foram no presente anno tão violentas as tempestades, tão copiosas as chuvas torrenciaes n'aquellas paragens, e na epocha propria comprehendida dentro do praso dos cento e quarenta dias, que de memoria de homem não houvera quadra invernosa assim.

Por outra parte, o officio do distinctissimo e zeloso engenheiro Machado, que de mais a mais não constitue uma informação ad hoc, e em que se funda o despacho ministerial a que me venho referindo, diz assim:

"IIImo. e exmo. sr. - Tenho a honra de communicar a v. exa. que cheguei a Lourenço Marques, hontem 13 pelas seis horas da tarde, tendo partido de Pretoria no dia 13 de fevereiro.

"Esta viagem foi difficil e demorada devido ás grandes chuvas que caíram, as quaes tornaram intransitaveis algumas partes dos caminhos, e encheram extraordinariamente os rios Saude, Crocodillo e Incomati. No emtanto se alguem emprehendesse esta travessia no anno proximo passado e na epocha das chuvas torrenciaes, não a concluiria em menos de tres ou quatro mezes"

Afigura-se-me, portanto, que o sr. ministro da marinha, dando como provado o caso de força maior, em presença de informações officiaes e dignas de toda a confiança que contradizem abertamente as allegações do requerente, pelo menos interpretou essas informações com grande excesso de benevolencia! (Apoiados.)

Não insistirei, porém, n'este ponto, sr. presidente, porque não quero dar pretexto para que se possa affirmar, ou pensar, que pretendo levantar uma questão politica, e porque estou na realidade convencido que o sr. ministro, usando de tal benevolencia, teve apenas em mira conceder um insignificante e inoffensivo favor a uma empreza que reputa de certo seria e capaz de satisfazer aos seus compromissos capitaes, sem que medisse bem o possivel alcance indirecto da concessão que fazia, na hypothese perfeitamente admissivel e digna de consideração de não estar a empreza nas circumstancias em que s. exa. a reputou. Para estas hypotheses, que nada têem com a respeitabilidade pessoal dos concessionarios, é que se estipulam os contratos os prasos, os depositos e outras garantias.

Estas hypotheses, que nada têem, repito, com a respeitabilidade das pessoas dos concessionarios, devem de estar sempre bem presentes na mente d'aquelles que exercem poderes publicos, porque quando contratam fazem-no em nome de interesses de terceiro que lhes não é licito prejudicar por mera rasão de benevolencia.

O alcance indirecto e possivel da prorogação concedida pelo sr. ministro eu vou explical-o. Proseguindo na leitura do celebre contrato de 14 de dezembro de 1883, encontra-se pouco adiante a condição 51.º, que diz assim:

"Art. 51.° Os concessionarios ficam obrigados a constituir, no praso de seis mezes, a contar da data da assignatura d'este contrato, uma sociedade anonyma com a séde em Lisboa, para a execução dos fins a que se refere o mesmo contrato, devendo os estatutos ser approvados pelo governo, sem embargo da lei de 22 de junho de 1867. A empreza será portugueza para todos os effeitos.

"§ unico. Se os concessionarios não organisarem a sociedade anonyma na conformidade d'este artigo, perderão para o estado o deposito definitivo a que se refere o artigo 39.°, e o contrato considerar-se-ha ipso facto rescindido."

D'aqui resulta que, tendo o sr. ministro prorogado, elevando o até duzentos dias a contar da data da assignatura do contrato, o praso para a entrega dos projectos definitivos; não sendo o concessionario obrigado a entrar com o deposito definitivo de 10:000 libras a que se refere á clausula 39.ª senão depois d'esse praso; devendo por outra parte a empreza estar constituida segundo a clausula 51.º, dentro de cento e oitenta dias a partir da mesma data, e perder ó deposito a que se refere a clausular 39.º, e só esse, se n'essa data não estiver constituida, vem o deposito definitivo a ter de realisar-se só em data posterior áquella em que o estado podia ter já adquirido o direito de lançar mão d'elle!

Isto na hypothese, que é a que naturalmente resulta da interpretação litteral, grammatical e restricta das condições 37.ª, 38.ª, 39.ª e 51.ª do contrato, de que a empreza em caso algum perde o primeiro deposito provisorio de 5:000 libras. Mas ainda na hypothese contraria, fica evidente, pelo que deixo dito, que em virtude da prorogação concedida pelo sr. ministro póde dar-se o caso do concessionario perder apenas 5:000 libras, em casos para os quaes pela letra como pelo espirito do contrato estipulara perder 15:000.

Succederia isto, por exemplo se a concessionario depois de seis mezes de reflexões sobre o contrato, e talvez de tentativas e trabalhos para o passar ou arranjar socios, houvesse por melhor desistir da concessão. E quem sabe se em tal caso, nos viria ainda pedir indemnisação das despezas feitas com alguns estudos e trabalhos que tivesse começado!

O que em todo o caso me parece inadmissivel, e bem póde aliás ser o triste resultado da prorogação concedida, é que ao concessionario seja licito fazer jogo na nossa praça, ou nas praças estrangeiras, ou ainda com o governo da repu-biica do Transwaal, que tem o maximo interesse e urgencia na construcção da linha concedida, por ser testa de linha da via ferrea projectada entre a capital d'aquelle paiz e Lourenço Marques; que possa fazer esse jogo, repito, e durante seis mezes o mais, podendo ao cabo d'elles, e quando d'esse jogo não tenha obtido os desejados fructos, encampar a concessão sem mais prejuizo que o do seu credito moral.

O que o sr. ministro devia ter feito, a meu ver, era não conceder a prorogação do praso, sem que a empreza estivesse convenientemente constituida, ou, pelo menos sem que o deposito provisorio de 5:000 libras, tivesse sido reforçado com as 10:000 libras a que se refere a clausula 39.º Assim, o seu despacho, que aliás reputo firmado com a melhor sinceridade e boa intenção, em nenhuma hypothese podia envolver maior prejuizo publico, do que o que resulta do proprio contracto. E podia proceder assim, porque francamente o caso de força maior allegado estava, repito, muito menos que mediocremente demonstrado.

O mal, porém, está feito, e o que hoje unicamente me