546 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
phecias, porque no anno passado, quando aqui se apresentou o projecto de resposta ao discurso da corôa, a camara, maioria e minoria, tomaram a deliberação, a qual não censuro, de não discutir por então a questão politica; eu entendi que não devia, pela posição politica em que me tinha collocado seguir o caminho que a camara seguia, e deliberei discutil-a.
N'essa occasião eu tambem censurava o sr. presidente do conselho, a quem tenho sempre feito opposição desde que o conheço, em politica; tenho-a, porém, feito, como a costumo fazer, ás idéas e principios, sem nunca a fazer pessoalmente nem tornar sensiveis quaesquer fraquezas a que os homens publicos estão sujeitos, a não ser quando os interesses publicos o exigem.
Era por isso que eu lembrava ao sr. presidente do conselho que o programma do partido progressista, que s. exa. detestava, e que eu tive a honra de aqui defender quando infelizmente esse partido tinha aqui poucos representantes, era o mesmo de que s. exa. então queria lançar mão. E perguntava ainda - seria para illudir as suas aspirações ou para o executar?
Lembrava-lhe ainda que eu, quando na discussão, tive de me defrontar com a alta capacidade do s. exa. o tinha achado intransigente com as reformas e que tinha sido a ruim que s. exa. dirigira essa notavel classificação de detestavel programma, ao qual eu ainda estava ligado. Mas dizia eu então:
«Não tenho nada com o caminho que o sr. presidente do conselho leva; os seus correligionarios que lhe tomem conta d'isso.» .
E acrescentava mais:
«Já que entra n'esse caminho, entre com sinceridade, não creia que por arrebatar o estandarte das reformas ao partido progressista, com isso o desnorteia; dá-lhe mais força, reconhece a necessidade d'ellas.»
E terminava com estas palavras:
«Concluindo, peço desculpa á camara de lhe ter tomado tanto tempo, e ao sr. presidente do conselho direi que, visto entrar no caminho das reformas, conte com o meu fraco apoio, se as fizer sinceras, não com o fim de socegar um ou outro correligionario seu menos disciplinado, mas com o fim de satisfazer a uma grande necessidade publica. Eleve-se acima das idéas partidarias, e, se rasgou o seu credo conservador, hasteie a bandeira progressista e o seu programma, e, se perder correligionarios, ha de achar o paiz em torno de si. Eu com muita satisfação o acompanharei.»
Onde havia do eu estar agora, sr. presidente? Não podia deixar de estar ao lado, não do sr. presidente do conselho do ministros, que é logar muito elevado para mim, mas ao lado d'aquelles que defendem as suas idéas.
Posto isto, resta-me advertir que tudo quanto eu disser ou propozer n'esta questão, espero que á camara o considere sómente como opinião individual. Estou hoje, como hontem, ligado invariavelmente ao tal detestavel programma do partido progressista. Ainda não deslisei um apice das ligações moraes e partidarias que contrahi, sem pacto algum, mas por intima convicção, com os correligionarios que defenderam esse mesmo programma. Mas eu retirei-me á minha tenda, não entro na politica activa, tenho direito a fallar só em meu proprio nome.
Não posso; porém, eximir-me a tratar de um ponto que, não sendo absolutamente ligado á questão, tem tido larga discussão n'esta casa, e póde ser considerado como causa immediara do projecto que discutimos; e por mais que eu queira ser breve, como espero, por mais que eu queira, restringir-me á questão, não posso deixar de apreciar esse facto politico e importante, ao qual, mesmo cá da minha tenda, permitia se-me a expressão, posso dar censura ou applauso refiro-me ao accordo.
O accordo politico, sr. presidente, parece-me que foi o acto mais nobre, mais sensato, mais conveniente, que ha muito tempo se tem dado na politica portugueza.
O accordo em que não tive, não devia, nem podia ter parte alguma, para o qual não fui ouvido, nem tinha obrigação de o ser, porque, retirando-me da vida politica, não tendo de me sujeitar ás deliberações partidarias, não é natural, e muito menos necessario, pedir-se a minha opinião, esse acto, digo, produziu logo no meu espirito um bom effeito; applaudi-o immediatamente.
O accordo é um acto de abnegação de um partido inteiro, de um partido que, depois de ter tido aggravos importantes e ter sido posto fóra do governo por meios menos constitucionaes, e com, grande ingratidão e injustiça, foi ainda censurado com a mais aspera phraseologia dictada pela paixão dos homens que unicamente ambicionavam o poder em mãos de partidarios seus.
Os homens notaveis do partido progressista estavam votados ao ostracismo, e o paiz quasi os tornara responsaveis de terem abandonado o poder em condições de vida, e com a confiança das massas.
Com o fim, dizia-se, de aniquilar, aquelle partido levantava-se, o pendão, das reformas, não para as tornar proficuas e fecundas, mas para as evitar mais rasgadas e radicaes. Emquanto as cousas assim correram, o partido progressista recusava se até a entrar na discussão, de taes reformas; o sr. presidente do conselho, convencido porém de que era necessario o accordo de todos para fazer alguma cousa, util, procurou conseguil-o.
O partido progressista, quando se convenceu da verdade das suas intenções, acceitou o accordo.
O accordo effectuou se, pois, quando o partido progressista se convenceu de que na lealdade do sr. presidente do conselho encontrava o desejo de levar a effeito uma reforma importante, necessaria e seria.
Portanto, o sacrificio d'esse partido fez-se com este louvavel intuito.
Quanto a mim, que tanta vez tenho censurado o sr. presidente do conselho, e reservo-me ainda o direito de o censurar quando entender, não posso agora deixar de dirigir os elogios que s. exa. merece, e peço licença á sua modestia para lh'os fazer na presença, porque entendo que praticou um acto de justiça, e se por causa, d'ella o tenho censurado muitas vezes, com satisfação agora lhe direi que, entre todos os actos importantes que o paiz lhe deve, e que a historia politica d'este paiz tem de registar, não ha seguramente nenhum de mais alcance, de consequencias futuras mas importantes, e em que s. exa. se mostrasse mais homem d'estado do que o acto brilhante que acaba de praticar.
E o acto é nobre e mostra grandeza de alma, pois que, reconhecida a necessidade do accordo commum, conformando se com os partidos que eram dissidentes, era necessario tratar, conviver e dar até partilha no poder, a individuos de quem s. exa. na politica podia ter tido e tinha aggravos.
S. exa. saltou por cima de todas essas difficuldades, poz de parte os aggravos para levar por diante uma idéa capaz de serenar as paixões e ao mesmo tempo de satisfazer a grandes necessidades publicas.
Chamou ao ministerio cavalheiros que estavam na opposição, á sombra não direi de um partido, porque o não era, mas de um pendão que parecia muito avançado, e que acceitavam, a reforma tal como o sr. presidente do conselho a apresentava; corri os progressistas o tratado foi outro, estes não, acceitavam partilha no poder, nem se contentavam com pequenas reformas, mas acceitavam o que o paiz quizesse, livremente consultado; com essa condição, e só com essa, apresentavam-se a concorrer á discussão; era necessario pois uma lei eleitoral, feita por accordo.
Eis a historia de accordo.
Actos d'esta natureza, têem em si o caracteristico da