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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 549

para que não convenha ainda chamar as massas populares ao exercicio dos direitos politicos, mas o suffragio universal ha de chegar lá e a toda a parte; a democracia, mãe vivificadora de toda a sociedade moderna, ha de necessariamente fazel-o progredir a ponto de se estabelecer como principio fundamental de todas as constituições.

Quando privâmos qualquer homem de votar, fazemos uma injustiça se elle tem a necessaria capacidade, e esta não se prova só por saber ler e escrever, como vejo avançar a muitos politicos que procuram com esse subterfugio furtar-se ao alargamento do voto.

Quantas pessoas de capacidade conheço eu que nunca souberam ler nem escrever e que são muito mais competentes para os seus negocios de que as mais instruidas? Será justo que não sejam ouvidas nas cousas publicas em que são mais interessadas de que as outras?

Não por certo.

E não nos argumentem, como o fez o sr. Barros e Sá, com os resultados dos plebiscistos; é outra hypocrisia inventada pela tyrannia para dominar as massas n'um dado momento. O plebiscito não é suffragio em exercicio permanente como meio de reconhecer constante e permanentemente a opinião da nação. O plebiscito é o escarneo do suffragio, é a soberania irrisoria concedida por um momento ao povo para poder lavrar a sua sentença de oppressão; póde-se comparar com a canna verde dada ao martyr do Grolgotha por escarneo da sua realeza desconhecida pelos que o perseguiam. Ainda o sr. Barros e Sá via o perigo do suffragio universal na volubilidade da vontade das massas populares, e aqui, negando a soberania da nação, permitta-me s. exa. que lhe diga que confundiu os principios sobre que reside a soberania com os elementos de que se constituem as nacionalidades; as tradições, a raça, o clima, o solo, influem para que o povo queira e lhe convenha constituir-se e conservar-se debaixo de uma certa formula governativa; mas não é na formula que reside a soberania, senão emquanto convem ao povo, e convem-lhe emquanto tem n'aquella formula as garantias de independencia, liberdade, etc.

A soberania é um principio fundamental, firme e inalteravel. Era logica a antiga philosophia, quando deduzia todo o direito da revelação, em o attribuir á divindade, ou d'ella dimanante; mas desde que o facho luminoso da revolução franceza, que, apesar dos seus desvios e até crimes é ainda o grande fanal da civilisação moderna, incendiou o velho edificio da monarchia apoiado na theocracia, taes idéas fugiram, não digo já dos livros dos publicistas, mas até dos mais ferrenhos da escola theocratica. Esta já procura esconder-se atraz da soberania nacional, dizendo que no povo reside a soberania pela vontade de Deus, que lh'a concedeu.

É certo, porque Deus é o principio creador de tudo. Como quer, pois, o sr. Barros e Sá que a soberania resida n'uma reunião de elementos fortuitos e occasionaes, que só têem rasão de ser n'um momento dado, e que podem deixar de o ter n'outro? Era menos instavel a sociedade regulada por aquelles principios do que pelos plebescitos, desde que o plebiscito seja a unica fórma acceitavel para a manifestação da soberania nacional, que não é.

Sr. presidente, a manifestação da soberania está no suffragio sempre e constantemente exercido para quantos actos elle possa ser applicavel. A democracia vae alcançando terreno ao passo que os direitos dos cidadãos se vão alargando. Que mal resulta d'ahi?. O reconhecimento de um direito mais é a realisação da justiça na terra: a lei do progresso é esta: É o que se procura com o alargamento do voto, e hoje com a representação das minorias. O que é necessario é não deixar que o povo se encontre em condições de não ver. o interesse que lhe resulta de exercer o seu mandato, porque disposições penaes e multas nada valem.

Eu, sr. presidente, havia de procurar no voto indirecto a realisação do pensamento da representação proporcional; a representação das minorias já é um bom correctivo, mas ainda me não satisfaz. Comtudo espero que mais tarde lá se chegue. Eu tenho sempre fé no progresso, e conto com o grande reformador, o tempo.

Eu entendo, sr. presidente, que é convenientissimo tirarmos da carta a perigosa prerogativa das fornadas.

Eu uso da palavra fornadas porque já tem fóros parlamentares. Escuso de adduzir argumentos que já aqui se têem apresentado. Independente d'isso, a reforma da camara dos dignos pares era inevitavel; a mesma camara o tem reconhecido, e talvez com menos legalidade, mas com bom criterio, tenha sido ella que a tem preparado, e agora é tarde para parar.

Que é da hereditariedade?

Que fez a camara dos pares d'ella?

Não se diga, sr. presidente, que nós vamos tirar a hereditariedade. Onde está ella? Quem a acabou foi esta camara com as suas leis para a regular. Nós hoje não a vamos supprimir; póde-se dizer que apenas vamos registar o facto e riscar palavras inuteis do artigo 39.°

O digno par, o sr. visconde de Moreira de Rey, disse ainda ha pouco n'esta camara que se nós morressemos todos n'este momento, o que Deus não permitta, só o sr. conde de Thomar estava em condições de poder entrar n'esta camara pelo principio hereditario.

Onde está pois, a hereditaridade que nós vamos abolir? Está só no sr. conde de Thomar.

E a que vem pois a questão do direitos adquiridos, quando felizmente não ha quem os tenha, para nós virmos aqui defender tal absurdo.

Pois que direitos adquiridos temos nós quando nos forem tirados estas cadeiras pelos motivos e fórma por que nos foram dadas, isto é, por conveniencia politica, por conveniencia social e em harmonia com o principio da soberania nacional? Pois o soberano, que é o povo, procura exercer a sua soberania por outra fórma, e nós haviamos de dizer: não póde ser ternos direito de o representar contra sua vontade? Seria a alienação permanente da soberania para todas as gerações futuras, o que é inadmissivel e contrario a todos os principios.

Mas nem ha conveniencia em resolver essa questão de direito, porque não ha quem tenha de o exercer; seria uma lei feita só em proveito do sr. conde de Thomar, que não carece d'ella, porque tem merito e capacidade para aqui chegar sem esse favor de excepção.

Propôr á camara dos pares que se reforme a si propria é uma prova de grande consideração e de confiança n'ella, que têem os que tentam as reformas politicas por meios ordinarios; talvez que se não consiga o fim desejado, pois que para se reformar é preciso conhecerem-se os proprios defeitos; e seja Socrates dizia que o que era mais difficil ao homem era o nasce te ipsum, que fará a um corpo collectivo?

É por isso, sr. presidente, que não creio muito em reformas que não sejam feitas em dictadura. Mas para haver dictadura são necessarios dois elementos essenciaes, o dictador com auctoridade e competencia, e o momento proprio para a dictadura. É mais facil apparecer o dictador do que o momento de exerces: a dictadura. A carta foi promulgada n'um d'esses momentos; e a carta salvou a nacionalidade portuguesa, que seguramente se havia de affundar nos abysmos que lhe abria o mais obnoxio dos absolutismos de que a historia conserva a memoria.

Tenho ouvido comparar a nossa camara dos pares á camara dos lords; talvez fosse esse o pensamento do dador da carta, mas não conseguiu o seu fim; a nossa camara nunca póde ter a indole d'aquella. A camara dos pares não nasceu como em Inglaterra, em que os barões inglezes e os prelados se impozeram a João Sem-Terra.

O parlamento inglez conservou-se com todas as suas forças tradicionaes, e entre nós, que as não tinhamos quando