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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Em virtude da resolução da camara dos dignos pares do reino, tomada em sessão de hoje, publicam-se os seguintes documentos

Nota para o ill.mo e ex.mo sr. Luiz Augusto Rebello da Silva

O accordo de 16 de janeiro de 1865 com a empreza em virtude do artigo 5.° n.° 3.° do contrato de 23 de maio de 1864 diz que o traçado de Beja ao Algarve deve passar entre as villas de Ourique e Garvão, seguir até á ribeira de Odemira que transporá junto á povoação de Santa Clara de Saboya, encaminhar-se d'ali á serra do Algarve, passar proximo de S. Bartholomeu de Messines e descer a Faro.

Segundo o ante-projecto de toda a linha apresentado pela empreza o traçado sáe de Beja e passa proximo a Santa Victoria, Ervedel, Castro Verde, Ourique, Garvão, S. Martinho, Santa Clara de Saboya, S. Marcos da Serra, S. Bartholomeu e Paderne, toca em Boliqueime e termina em Faro.

Segundo o projecto definitivo approvado para a 1.ª secção o traçado passa em Cazevel, ponto que fica entre Aljustrel e Castro Verde.

Repartição das obras publicas, em de dezembro de 1865. — Joaquim Simões Margiochi.

Copia n.° 77

Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho presente o officio de V. ex.ª em data de 27 do corrente, no qual me pede resposta ao seguinte quesito:

«Qual o orçamento do custo medio do kilometro com material fixo e circulante prompto a explorar nas linhas ferreas do sul e sueste, na extensão mencionada no contrato provisorio de 14 de outubro do corrente anno. Não havendo orçamento qual seja a estimativa dos fiscaes da construcção.»

Cumpre-me responder a V. ex.ª que me é absolutamente impossivel responder satisfactoriamente a esta pergunta.

Para que um engenheiro possa orçar o custo medio de um caminho de ferro é necessario que elle mesmo estude o projecto com todo o detalhe, e determine:

1.° Qual o custo total de terras a remover, as suas naturezas e distancias de transportes;

2.° O custo das expropriações;

3.° Que faça os projectos completos das obras de arte, e tendo assentado na natureza dos materiaes a empregar, e conhecendo o seu custo para avaliar a importancia de cada uma 'das obras;

4.º Conhecido o custo das obras de terraplenagem e obras de arte será em seguida preciso formar hypotheses sobre o trafico da linha para calcular o material circulante preciso e o seu custo.

A estas considerações vem juntar-se outras puramente financeiras, taes como o custo dos fundos levantados para a execução das obras, etc.. etc.. etc...

Ora na minha posição de fiscal eu não fiz os projectos das linhas, nem os podia fazer. A companhia apresenta-me esses projectos já feitos, mas sem orçamento nem indicação. A minha obrigação é de os examinar miudamente debaixo do ponto de vista technico, sem entrar na questão de preço, indicar sobre o terreno as alterações a introduzir n'esses projectos.

Se s. ex.ª o sr. ministro precisasse de um orçamento das linhas a construir, teria de pôr ás minhas ordens um pessoal importante e numeroso, e só no fim de muitos mezes de aturado trabalho se poderia chegar ao resultado desejado.

Apresentar como dado official um preço de estimativa, quando faltam todos os elementos para o fixar, é uma questão de tão grave responsabilidade para um engenheiro que na verdade seria um arrojo da minha parte se a tal me abalançasse.

Ha um dado que, apesar de não me constar officialmente, julgo ser verdadeiro, e poderia talvez servir de base a qualquer calculo.

Nas linhas construidas pelo constructor Price, de Vendas Novas a Beja e Evora, recebeu este emprezario do governo

por kilometro.......................... 16:000$000

e da companhia (segundo dizem)........... 15:000$000

31:000$0000

E finalmente ainda obteve uma indemnisação final de umas 40:000 libras ou 180:000000 réis que dá o correspondente por kilometro de proximamente...................... 1:500$000

Custo do kilometro...... 32:500$000

Nas novas linhas temos a parte de Evora ao Crato que se acha em circumstancias muito analogas ás linhas de Vendas Novas a Beja e Evora; verdade seja que as rampas maximas sendo nas antigas de 0m,010 por metro, e os raios minimos de 500 metros, na nova linha do Crato podem estas rampas ir até 0m,015 por metro, e os raios descer até 300 metros.

Emquanto á linha do Algarve ha a seu favor o serem as obras de arte feitas para uma só via, assim como as expropriações; acresce porém que em mais de metade d'esta linha o terreno atravessado é de montanha, e formado constantemente de rocha schistosa com trincheiras consideraveis. É mesmo possivel que em muitos pontos appareçam córtes a fazer em quartzo puro, o que dá logar a despezas incalculaveis.

Em vista do que levo dito, repito, não me julgo habilitado a dar uma resposta precisa á pergunta que V. ex.ª me faz, pois a consciencia me diz que sem dados precisos e justos, que só um largo estudo do projecto póde dar, é possivel que me possa enganar n'uma grande proporção.

Deus guarde a V. ex.ª Lisboa, 28 de novembro de 1865. — Ill.mo e ex.mo sr. Pedro Roberto Dias da Silva, conselheiro chefe da repartição de contabilidade do ministerio das obras publicas. = O engenheiro fiscal da construcção, João Evangelista de Abreu.

Esta conforme. — Repartição de contabilidade do ministerio das obras publicas, em 19 de dezembro de 1865. = Pedro Roberto Dias da Silva.

Dos encargos que resultam em virtude do recente contrato Se é cousa difficil o prever o rendimento de um caminho de ferro que atravesse um paiz, na sua quasi totalidade cultivado, com grandes centros de população; crescem as difficuldades quando se têem de atravessar terrenos pela maior parte incultos, com escassíssimas povoações de pequena importancia, e cujos moradores, já por indole, já pelas horriveis descripções que ouviram a seus paes e avós das suas viagens, ou porque foram roubados e maltratados pelos salteadores ou porque estiveram a ponto de perecerem em atoleiros, têem horror ao movimento.

Quando foi aberta á circulação publica a secção de Evora, tive bem receio de que o material circulante da linha do sul não fosse sufficiente para conduzir os passageiros de Evora a Lisboa; pois tanta foi a gente que vi! Já tinha havia mezes encommendado para a Belgica quatro carruagens para passageiros para juntar ás que já tinhamos. Os resultados porém não corresponderam aos meus receios. Por quanto nos primeiros mezes de exploração não se contava por mez um passageiro de 1.º classe não obstante os ricos aposentos da cidade, nem trinta por semana de 2.ª, nem dez de 3.ª por dia; isto alem do movimento ordinario da linha do sul.

Antes da abertura da secção de Evora ás Vendas Novas gastava-se d'aquella cidade a esta aldeia 12$000 réis (custo de uma carreta), e em tempo doze horas. Hoje gasta-se de Evora a Lisboa pouco menos de cinco horas, custando a passagem em 3.ª classe 1$580 réis, e a de 2.ª 2)5560 réis, comprehendida a paga do vapor. O que porém se observa é que o movimento pouco augmenta; isto é, que só se move quem absolutamente precisa. Talvez que com o tempo, e com a introducção dos colonos do Minho e de Aveiro, os apparelhos locomotores dos habitantes do sul mudem de natureza.

Tomámos por typo a cidade de Evora por ser a mais importante e a mais civilisada a nosso ver das povoações do Alemtejo.

Com a mercadoria porém se não dá outro tanto. Póde dizer-se que, se mais se não transporta pelo caminho de ferro, é porque mais não ha. Alguns individuos tenho conhecido que talvez com respeito a habitos adquiridos não queiram transportar as suas mercadorias pelo caminho de ferro, porém o exemplo de maior lucro que viam nos seus vizinhos competidores os fez de prompto mudar de opinião.

Suppozemos o rendimento da linha do Algarve e Guadiana de 400$000 réis por kilometro e por anno, e isto por julgarmos que uma boa parte dos productos agricolas de Serpa e de Moura virão pelo caminho de ferro, e que tambem parte da mercadoria do Algarve, especialmente durante a estação invernosa, será transportada pelo mesmo meio; pois quanto á producção dos terrenos marginaes é na maior parte nulla actualmente.

A supposição de que a mercadoria do Algarve, com destino a Lisboa, preferirá o caminho de ferro aos barcos, é fundada em um facto da exploração dos nossos caminhos de ferro. Vamos fallar do ramal de Setubal. Julgava-se que o ramal pouca mercadoria transportaria, por isso que o caminho de ferro não podia competir com os barcos. E na verdade a differença das tarifas não póde deixar de ser grande, mas muitas vezes, e especialmente de inverno, a differença do preço no transporte não compensa o prejuizo causado já pela demora, já pela avaria, já pela perda de occasião, se não pela perda total.

O facto é que, quando o estado tomou conta do caminho de ferro em 7 de agosto de 1861, pouca era a mercadoria que se transportava pelo ramal, e quando largou a administração do mesmo caminho, 19 de junho de 1864, a não ser o sal de Setubal para Lisboa, a aguardente de Lisboa para Setubal, póde dizer-se que pelo caminho do sul se fazia o transporte da mercadoria que se trocava entre esta e aquella cidade. O mesmo acontece hoje.

Como dissemos, reputamos o seu rendimento em 400$000 réis por kilometro e por anno, fundados no facto da exploração do caminho de sueste, propriamente dito, cujo rendimento foi de 500$000 réis por kilometro por anno. A linha do Guadiana, hoje de mui pouca ou de nenhuma importancia, virá a representar grande papel na exploração das linhas do sul, quando porventura se consiga continua-la até Sevilha a ligar com a linha que d'esta cidade vai a Cadiz. Ficando por esta fórma em communicação o Tejo com o Mediterraneo e Lisboa com toda a Andaluzia.

Tambem suppozemos o rendimento da linha de Evora ao Crato de 600$000 réis por kilometro e por anno, não porque possamos desde já confiar na producção dos terrenos que a linha atravessa; mas por ser Extremoz e seus arrabaldes muito cultivados, e por ser uma linha de entroncamento o qual dá e recebe beneficio da linha com que se vae ligar.

Para basear a relação do augmento progressivo do rendimento futuro das nossas linhas não me parece cousa rasoavel o irmos ao estrangeiro buscar linhas que foram feitas para servirem grandes centros de população, atravessando terrenos cultivados na sua maior extensão, onde para assim dizer tudo estava feito, ao passo que para a linha de que se trata faltam quasi todos os focos de producção, e que foram taes linhas por assim dizer decretadas e parte já feitas para os crear.

Parece-me mais racional o investigar na propria casa os factos occorridos com relação á exploração da parte da rede de que se trata.

Vejamos pois, analysando o que succedeu com a exploração do caminho de ferro do sul, se podemos achar uma lei de augmento progressivo que possa vir a ter o rendimento da linha de que se trata.

Quando o estado tomou conta da administração do caminho, tinha aquella linha attingido o rendimento maximo de 1:200$000 réis por kilometro, e quando deixou a sua administração, quasi tres annos depois, era o rendimento de 1:900$000 réis por kilometro tambem. Quer dizer que nos tres annos o rendimento kilometrico augmentou em cada kilometro réis 233$000 por anno.

Suppondo as linhas em construcção, ao que me parece, em peiores condições do que estava a linha do sul, calculo o augmento progressivo por kilometro e por anno em réis 50$000, o que nos conduz ao resultado de termos um augmento medio de 1:314$000 réis por kilometro durante os cincoenta annos.

Suppomos renderem as linhas do Algarve e Guadiana 400$000 réis, bem como a do entroncamento 600$000 réis, o que junto ao rendimento do caminho em exploração réis 1:023$000, perfaz a receita total em toda a linha de réis 344:666$462, ou por kilometro 676$840 réis; quantia esta que junta ao augmento calculado dará para rendimento kilometrico do caminho, no 1.° anno 676$840 réis, no 10.° 1:176$840 réis, no 20.° 1:676$840 réis, no 30.° réis 2:176$840, no 40.° 2:676$840 réis, e no 50.° 3:176$840 réis.

Terá portanto segundo os presentes dados o rendimento medio por kilometro durante os cincoenta annos de augmento 1:314$000 réis, o qual junto ao rendimento provavel da exploração de toda a linha 676$840 réis, dará para rendimento medio por kilometro 1:990$840.