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Sessão de 9 de Novembro de 1916

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Colónias (António José de Almei-dr): — Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta de lei, que estou convencido a Câmara aprovará sem discussão a não ser a necessária para justificar o intuito .da proposta, que tem por fim arbitrar uma pensão de 600$ anuais ao poeta Gomes Liai, que está na decadência.

Em Portugal, quando os trabalhos literários são feitos com verdadeiro talento, quási não tem infelizmente o valor que merecem. Ora é indispensável, e é necessário que se olhe pela situação de Gomes Liai, seja qual for a orientação política actual de S. Ex.a.

A República nada deve ter com isso para prestar ao poeta Gomes Liai a homenagem e o respeito, que devem ser tributados, a quem tanto e tam bem trabalhou para o advento do actual sistema político.

E pelos serviços prestados à Pátria Portuguesa, como homem de letras eminente e genial, que esta pensão se deve votar, vista a situação em que o poeta se encontra.

Ninguém poderá ter dúvidas em dar--Ihe a sua aprovação.

Cumprir-se há um dever para com um homem eminente, que hoje ainda dá brilho e lustre à República.

Trata-se mais duma homenagem aos altos méritos do poeta do que duma retribuição aos serviços, em tempos distantes, por ele prestados à República.

Peço, por isso, urgência e dispensa do Regimento para a proposta.

Lê-se na Mesa.

È a seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° É concedida a pensão vitalícia anual de 600$, livre de qualquer ónus ou encargos, ao poeta Gomes Liai.

§ único Esta pensão será paga em duodécimos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

O Sr. Presidente:—Vai proceder-se à votação nominal para a urgência. Foi dispensada.

O Sr. Presidente:—Está em discussão.

O Sr. Tomás da Fonseca: — Como um dos mais obscuros escritores de Portugal, associo-me gostosamente à proposta de lei que acaba de ser apresentada pelo ilustre chefe do Governo, para ser concedida a pensão anual de' 600$ ao poeta Gomes Liai.

Na verdade, Gomes Liai foi um homem de letras que muito trabalhou pela causa da liberdade, combatendo longamente o rijamente a favor dos pequenos e dos fracos, Todas as vezes que íoi preciso erguer um grito contra os abusos do poder, ou formular uni protesto contra as violências da força, Gomes Liai apareceu e deu o grito, Gomes Liai surgiu e formulou esse protesto, que era também, que foi sempre, o grito e o protesto do povo.

Generoso e bom até o sacrifício, nunca foi procurado pelos fracos que ao seu encontro não corresse, como um destemido campeador, empunhando a sua pena terrível, verdadeira espada flamejante que cortava e retalhava como o montante dos cavaleiros medievais.

E foi assim que ele, depois de ter escrito a Claridade do Sul, arremessou à face dos tiranos, como ele chamava aos reis, o Hereje e a Traição. O seu amor pela justiça e a sua paixão pelas regalias populares, levava-o às vezes a cometer excessos tais que dir-se-ia um louco furioso acutilando a sombra de fantasmas.

Guerra Junqueiro, falando-me dele, um dia, chamou-lhe uma noite de loucura com relâmpagos de génio.

Tais palavras definem, com efeito, o poeta: génio tempestuoso e cândido, alma compadecida e vingadora.

Pena foi que este conjunto de dotes morais e intelectuais, esta aliança de sentimentos tam heterogénios, não chegasse a estabelecer o equilíbrio do homem. Teria sido admirável.

Para cúmulo de infelicidade até a reacção clerical, que ele toda a sua vida tam apaixonadamente combateu, até essa lhe veio perturbar os seus últimos dias, procurando humilhá-lo e desonrá-lo perante os seus admiradores, perante a justiça implacável do futuro.