360 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 35
As negociações das chancelarias protelaram-se, e só em Março de 1951 a Embaixada britânica enviou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, e este ao Instituto, o contraprojecto inglês, que suscitou ainda dúvidas. Novas conversações; terceiro contraprojecto, recebido em 31 de Novembro de 1953. O Instituto procurou, uma vez mais, esclarecer determinados pontos; não julgou oportuno insistir noutros; e o texto da Convenção, considerado definitivo depois das últimas revisões das duas Secretarias de Estado, foi assinado em Lisboa pelos plenipotenciários no dia 19 de Novembro de 1904. Não pode esta Câmara deixar de reconhecer o meticuloso cuidado, o acendrado patriotismo, o perfeito espírito de conciliação com que, por parte da Administração portuguesa, foram conduzidas as negociações. A Administração britânica não se mostrou também, nem menos primorosa, nem menos conciliadora.
6. O texto definitivo da Convenção é constituído por dezoito artigos - menos um, portanto, do que no projecto inicial britânico. Alterou-se a redacção do preâmbulo. A expressão «ways of life» encontrou nova equivalência, o costumes e vida social», que continua a dar a impressão, aliás não confirmada no texto, de que os limites do acordo intelectual se ultrapassaram. O membro de frase «actividades intelectuais, artísticas e científicas», também contido no preâmbulo, presta-se á confusões. As actividades artísticas e científicas não serão intelectuais? As actividades intelectuais excluem, porventura, a arte e a ciência? E as actividades literárias? Se estão incluídas nas intelectuais, porque o não estão também as outras? Evidentemente, um instrumento diplomático apresentado a uma assembleia legislativa para ratificação não é susceptível de emendas. Aprova-se ou não se aprova, mas não se altera. A Câmara julga, porém, dever chamar a atenção para este e outros pequenos lapsos, não - inútil acentuá-lo - para que eles sejam corrigidos pela Assembleia Nacional, mas para que possam, como convém, esclarecer-se na respectiva regulamentação a cargo da Comissão Mista (artigo XII). Vejamos, rapidamente, o articulado. O artigo I diz respeito u criação de cátedras e leitorados nas Universidades e escolas superiores. O artigo n, à fundação de institutos. Declara-se neste artigo que o termo «instituto» abrange escolas, bibliotecas, colecções de fitas cinematográficas, etc. É óbvio que uma colecção de filmes ou de discos não é um instituto. A expressão «film library» figura no texto inglês com a significação, não de colecção de fitas de cinema, mas de estabelecimento ou serviço em que se encontram instaladas, organizadas, catalogadas, conservadas por técnicos e afectas ao uso público colecções de filmes de interesse geralmente documental ou didáctico (por exemplo, as filmotecas das Universidades inglesas e americanas, ou as filmotecas livres organizadas pelo antigo Instituto Internacional do Cinema Educativo, de Roma). A palavra «filmoteca», aliás irregular, etimològicamente híbrida, é hoje corrente, por analogia com «discoteca», que os dicionários portugueses registam já. Os artigos III e IV referem-se ao intercâmbio de professores, estudantes, investigadores científicos, e à concessão de subsídios e bolsas de estudo. O artigo V deixa a cada, uma das Partes Contratantes a liberdade de determinar até que ponto, no seu território, poderá ser concedida a equiparação de títulos, graus ou exames académicos obtidos ou feitos no território da outra, «inclusivamente quanto aos relacionados com o exercício da, actividade profissional». Este aspecto - exercício de profissões liberais por diplomados de Universidades estrangeiras - é delicado e tem-se considerado prudente excluí-lo dos acordos intelectuais, propriamente ditos.
Pela maneira por que está redigido, porém, o artigo V não envolve qualquer compromisso, abrindo, quando muito, as portas a futuras negociações. Os artigos VI e VII ocupam-se dos cursos de férias e dos convites, subsidiados ou não, para visitas recíprocas de grupos de «cientistas, artistas e figuras representativas de outras profissões e actividades». Nos artigos viu e IX as Partes Contratantes obrigam-se a prestar assistência mútua às iniciativas tendentes a melhorar em cada uma delas o conhecimento da cultura da outra (propaganda do livro, concertos, conferências, exposições de arte, espectáculos teatrais, rádio, cinema, fonogramas), autorizando, com as reservas estabelecidas no artigo XVI, a entrada dos funcionários e técnicos encarregados da execução dessas operações. Nos artigos X a XIV é mantida a Comissão Mista a que se referia o projecto inicial britânico e que o contraprojecto português suprimira, regulando-se a sua constituição e funcionamento. Encontrou-se uma fórmula elegante de conciliação, a que nada há que opor: os três membros britânicos são nomeados pelo British Council e os três membros portugueses pelo Instituto de Alta Cultura; às reuniões, alternadamente realizadas em Lisboa e em Londres, presidirão membros daqueles dois organismos; o Instituto e o British Council consideram-se, para todos os efeitos, os responsáveis precípuos da execução da Convenção. Em satisfação ainda do ponto de vista português, o artigo XV esclarece que a expressão «território» usada neste instrumento designa, para uma das partes, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e, para a outra, Portugal continental e ilhas adjacentes. O artigo XVI estabelece reservas quanto à entrada, permanência e saída dos funcionários e técnicos cuja intervenção é prevista no artigo IX. Finalmente, os dois artigos últimos (XVII e XVIII) ocupam-se da ratificação, da troca dos respectivos instrumentos, que se efectuará em Londres, e do p nexo de vigência (mínimo de cinco anos); declarado prorrogado se, decorrido ele, nenhuma das Partes Contratantes houver denunciado a Convenção.
7. Eis, nas suas linhas mestras, o diploma. Esta (rápida sinopse dá-nos a medida ido rigoroso ajustamento dos meios e idos métodos nele preconizados ao alto pensamento dos dois Governos mo sentido de fortalecer e enriquecer a aliança, tornando mais perfeita a compreensão entre os dois povos, mais fácil a sua comunicação intelectual, mais eficaz e mais proveitosa a sua colaboração futura. Nada neste diploma existe que constitua novidade no domínio ida política internacional da cultura; nada, porém, lhe falta para que o possamos considerar um documento notável. Tudo o que é possível prever está nele «previsto, mormente no que respeita à cooperação interuniversitária para a intensificação do ensino das línguas, sua propaganda e difusão. Portugal e a Grã-Bretanha, pertencentes a famílias linguísticas diferentes, encontraram no, inacessibilidade dos idiomas -dos seus belos idiomas imperiais do século XVI - um obstáculo grave ao entendimento recíproco e ao labor comum. A (presente Convenção tem sobretudo em vista remover esse obstáculo. A política internacional da cultura -disse o Prof. Meillet (Langues dans l'Europe Nouvelle)- é hoje fundamentalmente a política das línguas. Quando a língua de duas nações é a mesma, a acção política das chancelarias tem ide exercer-se no sentido de regular o seu condomínio e de íissegura-r internacionalmente a sua unidade (caso de Portugal e do Brasil); quando é diferente, o problema torna-se particularmente delicado sempre que se trata de evitar que a incompreensão linguística prejudique ou dificulte o estreitamento das relações internacionais e a cooperação útil dos povos (caso de Portugal e da Grã-Bretanha).