368 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 37
entre as duas nações, e a velha aliança foi uma vez mais selada nos campos de batalha da primeira grande guerra pelo sangue dos filhos de ambas as pátrias derramado na defesa de ideiais comuns. Na segunda guerra mundial, em que Portugal não interveio como beligerante, porque a aliança não precisou de ser invocada, nem por isso deixámos de prestar à nação amiga facilidades e auxílios que bastante contribuíram para apressar a vitória. Os dois povos estão hoje, como sempre estiveram no passado, fortemente unidos do mesmo lado da barreira, em frente dos mesmos perigos e das mesmas ameaças. Ainda muito recentemente, ante a traiçoeira agressão dos nossos direitos na índia, a exemplar fidelidade de ambos os países à constante histórica das suas amigáveis relações teve ocasião de manifestar-se no apoio moral que o Governo do Reino Unido se não furtou a demonstrar-nos. E há apenas alguns dias, esta mesma Câmara foi chamada a dar parecer sobre uma convenção cultural luso-britânica destinada a fomentar o melhor conhecimento recíproco dos dois povos e a fortalecer, pelo intercâmbio espiritual, os laços que os unem no domínio político.
Mas subsistia ainda, numa passagem infeliz do trata do de 1891, a lembrança de «situações antigas pouco gratas ao nosso espírito» a que se referia o Sr. Ministro do Ultramar no discurso de abertura das negociações que conduziram ao acordo agora em apreciação. Com a revisão dessa parte do tratado, relativa à fronteira de Moçambique no lago Niassa, e sem prejuízo do que adiante se observa a respeito da fronteira no lago Chi-rua, é de considerar realmente encerrado o processo de fornia honrosa para ambas as partes, e o facto merece ser saudado com júbilo por Portugueses e Ingleses, porque contribui para o ainda maior fortalecimento da sua velha amizade.
4. O Tratado de 11 de Junho de 1891, pondo termo ao litígio que se suscitada entre Portugal e a Inglaterra a respeito dos limites das respectivas esferas de influência na África Oriental, fixou definitivamente as fronteiras de Moçambique e estabeleceu um certo número de disposições destinadas a permitir a livre utilização das vias navegáveis da província e o trânsito através dela para os territórios, britânicos das Bodésias e da Niassalândia.
De um modo geral, essas disposições eram a aplicação dos princípios formulados no Acto Geral da Conferência de Berlim, de 26 de Fevereiro de 1885, e revistos mais tarde na Convenção de Saint Germain-en-Laye, de 10 de Setembro de 1919, ambos instrumentos de que Portugal foi parte contratante.
Em resumo, o tratado estipulava, além das delimitações territoriais contidas nos artigos i a vii: a proibição de qualquer das potências intervir na esfera de influência da outra, adquirindo aí concessões ou aceitando protectorados ou direitos de soberania (artigo viii); o respeito por cada uma das potências das concessões particulares, validamente adquiridas, na esfera de influência da outra, atribuindo-se a um tribunal arbitrai a resolução das questões a esse respeito suscitadas (artigo ix); a liberdade de cultos e a protecção dos missionários de ambas as nações nos seus territórios da África Oriental e Central (artigo x); a liberdade do trânsito de mercadorias entre a costa e a esfera de influência britânica através do território português e a limitação dos direitos por esse facto cobrados; o direito de ambas as partes construírem estradas, caminhos de ferro, pontes e linhas telegráficas nos distritos marginais de ambos os lados do Zambeze e do Chire, «tanto quanto for razoavelmente necessário para o estabelecimento das comunicações entre territórios que estão sob a sua influência» (artigo xi); a liberdade para os navios de todas as nacionalidades da navegação no Zambeze e no Chire e em todas as suas ramificações e embocaduras (artigo xii); a não discriminação entre os súbditos e navios de ambas as potências para efeito da navegação no Zambeze e seus afluentes e a proibição da cobrança de direitos de trânsito pelo facto dessa navegação (artigo xiii); a obrigação para Portugal de construir um caminho de ferro entre a esfera de influência britânica e a baía do Pungue e os necessários ancoradouros nessa baía (artigo xiv); o compromisso mútuo de ambas as potências facilitarem as comunicações telegráficas através dos respectivos territórios e a obrigação particular de Portugal construir uma linha telegráfica entre a costa e a esfera de in-fluência britânica (artigo xv).
Em complemento do tratado, e na mesma data da sua assinatura, celebraram-se acordos por trocas de notas em que foi estabelecido:
a) O arrendamento a pessoas designadas pelo Governo Britânico de terrenos na embocadura do Chinde, destinados a desembarque, armazenagem e transbordo de mercadorias, e, reciprocamente, o arrendamento a pessoas designadas pelo Governo Português de terrenos na margem sudoeste do lago Niassa, para idênticos fins;
b) O compromisso da parte de Portugal de que as tarifas do caminho de ferro a construir nos termos do tratado não seriam «muito maiores do que as tarifas proporcionais por milha cobradas pelos outros cominhos de ferro da África do Sul»;
c) A proibição da importação de bebidas alcoólicas nas duas margens do Zambeze e do Chire e por estes rios em ambas as esferas de influência.
5. Enquanto se não procedia à demarcação no terreno das fronteiras acordadas, estabeleceu-se, por troca de notas de 31 de Maio e õ de Junho de 1893, um modus vivendi sobre as linhas provisórias de limitação dos. territórios em causa. Mas começaram logo a seguir os trabalhos de campo dos comissários dos dois países, e as fronteiras definitivas foram sendo fixadas por sucessivos acordos.
Por troca de notas de 15 de Setembro de 1906 aprovou-se a demarcação do primeiro troço — justamente aquele cujo traçado é agora revisto pelos artigos ii e iii do acordo em apreciação nesta Câmara. Os comissários portugueses nessa demarcação tinham sido os então primeiros-tenentes da Armada Gago Coutinho e Ivens Ferraz.
Na delimitação da região de Manica surgiram divergências, que os dois Governos resolveram submeter à arbitragem do Ministro italiano Paulo Viglíani. Decidida a questão por sentença arbitrai de 30 de Janeiro de 1897, acordou-se a demarcação da fronteira compreendida entre o paralelo 18° 30' sul e o rio Limpopo (troca de notas de 3 de Junho de 1907).
Sucessivamente, foram aprovadas as seguintes demarcações: das fronteiras ao norte e ao sul do Zambeze, em 20 de Novembro de 1911; ao longo dos rios Buo o Chire, em 30 de Novembro de 1911; desde o rio Mazoe até ao paralelo 18° 30', em 9 de Agosto de 1912; desde o Buo até ao lago Niassa (a outra secção alterada pelo presente acordo), em 6 de Maio de 1920; da fronteira com a Suazilândia, em 6 de Outubro de 1927; da fronteira com o território de Tanganhica, em 11 de Maio de 1936; da fronteira com a Bodésia do Sul entre o Limpopo e o Save (revisão), em 24 de Outubro de 1940.